Quem é o ex-chefe de gabinete de Centeno que chegou à zona nuclear da governação

26-01-2020
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Falhar aquele objetivo marcou-o para sempre. Como muitas crianças de uma classe social bem instalada, André Moz Caldas “queria ser médico”. Havia essa expectativa, não só a sua mas também a da família. E, na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, o jovem estudante, que todos à sua volta reconhecem como tendo sido um “ótimo aluno”, tentou, aplicou-se, concentrou aí todas as energias. Mas o plano falhou. “Não entrei em Medicina”, confessa à VISÃO o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, no seu gabinete, num dos pisos do nº 2 da Rua Professor Gomes Teixeira, em Lisboa. A revelação – em jeito confessional – gera surpresa. Afinal, o percurso que acabou por fazer revela uma carreira de sucesso, precoce, pontuada pela “surpresa” de um convite, em 2015, quando tinha apenas 33 anos, para chefiar um hipersensível gabinete do ministro das Finanças Mário Centeno. Falhar Medicina foi “um dos primeiros grandes dissabores” que viveu, e deixou-lhe marcas.

A mais visível foi, garante, uma indisponibilidade absoluta para se agarrar a objetivos de longo prazo. “Um amigo, uma vez, disse-me que eu tinha de ter um plano, e decidi que o meu plano seria não ter plano nenhum”, recorda o secretário de Estado. As palavras de André Moz Caldas levam-nos a rever os passos que deu até chegar onde está. Quando falhou a Medicina, a opção recaiu no curso de Medicina Dentária, que ele cumpriu sem sobressaltos. A pós-graduação – quando já exercia a profissão, em vários consultórios da Grande Lisboa – obrigava-o a constantes idas a Espanha, mas isso não o impediu de se inscrever em Direito, à boleia do programa de acesso para maiores de 23 anos. Depois, concluiu dois mestrados, um em Medicina Dentária e outro em Direito Romano (o doutoramento está, por enquanto, suspenso) e acabaria por surgir, pela primeira vez, na vida pública em 2013: aos 31 anos, ele, que se apresenta como um “moderado socialista”, conseguiu afastar o PSD de um bastião que os sociais-democratas preservavam na capital, ao vencer a corrida à Junta de Freguesia de Alvalade, nas autárquicas desse ano.

Nenhuma dessas etapas, insiste, foi planeada. “Tal como não esperava ser nomeado secretário de Estado, não estou à espera de mais nada. Estarei sempre disponível para considerar os desafios que surjam na esfera pública, mas não tenho nenhum plano particular”, assegura. Podia não haver planos fechados, mas Moz Caldas já antecipava um percurso focado no setor público. “É aí que encontro o essencial da minha motivação.”

Um futuro em aberto

Para vincar a ideia de que vai navegando ao sabor dos desafios que lhe apresentam, Moz Caldas recua a 2017. No final desse ano, Mário Centeno deixou de ser apenas o ministro das Finanças português. A eleição como presidente do Eurogrupo, em dezembro, atirou o homem forte do Terreiro do Paço para voos mais altos na Europa, e Moz Caldas, que tinha acabado de segurar o lugar na junta de freguesia lisboeta, também decidira assumir o cargo em exclusividade, acumulando apenas com as aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mas logo inverteu a marcha. “Esse é o grande momento de viragem para mim”, recorda.

Descrito como alguém “extremamente formal”, “bem-educado”, que não perde a pose e que “sabe medir muito bem as palavras”, os anos de maior combate político em Alvalade deixaram-lhe também colada, entre os adversários políticos, a imagem de pouca habilidade para encaixar críticas. O deputado do PSD António Prôa cruzou-se com Moz Caldas na assembleia de freguesia daquele bairro lisboeta. Apesar da “boa impressão” que ficou, aponta-lhe laivos de uma “atitude um pouco agressiva”, uma figura com “reações mais intempestivas” quando o combate ficava mais duro, um homem “pouco habituado a críticas mais incisivas”.

“Os grandes problemas não me tiram do sério, pelo contrário, agudizam-me os sentidos”, reage Moz Caldas. “Os problemas pequeninos, irritantes, é que podem exasperar-me um pouco, mas não sou pessoa de aviltar o outro”, atira, guiado pelas “linhas de respeito interpessoal” que não ultrapassa e que não aceita que ultrapassem consigo. “Fraquezas”, conclui, “temos todos”.

Mas mais do que esse lado pessoal, o perfil descrito por António Prôa choca com a imagem que o secretário de Estado apresenta. Por um lado, Prôa não esconde que, nas circunstâncias em que a última campanha para as autárquicas se desenrolou, com eleições marcadas para dois meses antes da escolha no Eurogrupo, Moz Caldas serviu de “testa de ferro”. Foi a garantia de que o PS não perdia uma autarquia acabada de conquistar, quando o autarca já saberia que estava em processo de afastamento do poder local. Por outro lado, reconhece no governante “alguém ambicioso e que, sendo competente, apresenta argumentos para essa ambição: tem boas condições para vir a ter um papel mais relevante e desempenhar cargos em representação do PS”, augura o social-democrata. “Não tenho excesso de ambição nem aspirações concretas, como já não tinha estas”, limita-se a dizer o socialista.

Um bocadinho de tudo…

O interesse pela ação política nasce pouco depois da estreia no Ensino Superior. Separado da Faculdade de Medicina, o curso de Medicina Dentária dava os primeiros passos em casa própria. “Chegámos ali, um grupo muito engraçado, e não tínhamos aulas, o que nos deu tempo para criar um ambiente muito coeso”, recorda. Em janeiro de 2001, a normalidade começava a instalar-se, mas os primeiros meses foram de caos. “Fomos colocados em setembro ou outubro, e só começámos a ter aulas regulares em janeiro. Tivemos três meses para criar uma frente estudantil de luta para ter aulas, uma coisa inovadora”, conta à VISÃO.

Moz Caldas já tinha participado no movimento associativo na escola secundária de Benfica. Na faculdade, chega a liderar a associação académica de Medicina Dentária, durante dois mandatos, antes de conquistar, já durante a licenciatura em Direito, a presidência da influente Associação Académica da Universidade de Lisboa. Responsabilidades com um relevo que, à partida, seriam pouco compagináveis com um perfil que todos – inclusive o próprio – descrevem como absolutamente avesso à exposição pública.

Antes das barras dos tribunais, Moz Caldas andou de consultório em consultório a cuidar da dentição dos pacientes

No curso de Medicina Dentária, Gonçalo Assis, amigo e antigo colega de faculdade, recorda-se de alguém “com princípios éticos muito fortes” e que, “na sua vida de estudante, incutiu uma cultura de exigência muito forte perante os órgãos de governo da faculdade e da universidade”. A capacidade de se multiplicar em várias frentes também já era evidente nesse momento. “O dia sempre teve mais de 24 horas. Ele é um trabalhador nato. Sempre foi uma pessoa com um índice de produtividade muito assinalável”, conta o médico dentista.

Ainda no primeiro curso, inscreve-se na juventude do PS. “Senti que, não sendo dirigente associativo, e sem expectativas de regresso, podia organizar a minha participação na vida cívica”, recorda. A escolha pela JS deve-se, apenas, à declaração de princípios do partido que, nesses anos, abria a porta aos simpatizantes, reforçava a participação das mulheres e inscrevia o princípio da limitação de mandatos nos órgãos executivos. “Era a força política cujo conteúdo reformista à esquerda mais correspondia ao meu sentimento e àquilo que era a minha reflexão à época e que persiste.”

Não seria preciso muito mais tempo para que André Moz Caldas despertasse a atenção dos protagonistas políticos. É, aliás, poucos anos depois dessa adesão à Juventude Socialista (JS) que se lança no primeiro combate autárquico. O resto já se sabe: Terreiro do Paço, passagem efémera pelo organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado e, agora, a Secretaria de Estado. O socialista bate sempre na mesma tecla: cada desafio a seu tempo e em cada função a tempo inteiro. Mas, olhando para trás, não ignora que já há um caminho feito. “Hoje, sou um bocadinho autarca, um bocadinho chefe de gabinete, um bocadinho gestor público, e tudo isso faz parte do modo como olho para o exercício de funções públicas e para as funções que estou exercer agora”, reconhece.

Falhar aquele objetivo marcou-o para sempre. Como muitas crianças de uma classe social bem instalada, André Moz Caldas “queria ser médico”. Havia essa expectativa, não só a sua mas também a da família. E, na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, o jovem estudante, que todos à sua volta reconhecem como tendo sido um “ótimo aluno”, tentou, aplicou-se, concentrou aí todas as energias. Mas o plano falhou. “Não entrei em Medicina”, confessa à VISÃO o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, no seu gabinete, num dos pisos do nº 2 da Rua Professor Gomes Teixeira, em Lisboa. A revelação – em jeito confessional – gera surpresa. Afinal, o percurso que acabou por fazer revela uma carreira de sucesso, precoce, pontuada pela “surpresa” de um convite, em 2015, quando tinha apenas 33 anos, para chefiar um hipersensível gabinete do ministro das Finanças Mário Centeno. Falhar Medicina foi “um dos primeiros grandes dissabores” que viveu, e deixou-lhe marcas.

A mais visível foi, garante, uma indisponibilidade absoluta para se agarrar a objetivos de longo prazo. “Um amigo, uma vez, disse-me que eu tinha de ter um plano, e decidi que o meu plano seria não ter plano nenhum”, recorda o secretário de Estado. As palavras de André Moz Caldas levam-nos a rever os passos que deu até chegar onde está. Quando falhou a Medicina, a opção recaiu no curso de Medicina Dentária, que ele cumpriu sem sobressaltos. A pós-graduação – quando já exercia a profissão, em vários consultórios da Grande Lisboa – obrigava-o a constantes idas a Espanha, mas isso não o impediu de se inscrever em Direito, à boleia do programa de acesso para maiores de 23 anos. Depois, concluiu dois mestrados, um em Medicina Dentária e outro em Direito Romano (o doutoramento está, por enquanto, suspenso) e acabaria por surgir, pela primeira vez, na vida pública em 2013: aos 31 anos, ele, que se apresenta como um “moderado socialista”, conseguiu afastar o PSD de um bastião que os sociais-democratas preservavam na capital, ao vencer a corrida à Junta de Freguesia de Alvalade, nas autárquicas desse ano.

Nenhuma dessas etapas, insiste, foi planeada. “Tal como não esperava ser nomeado secretário de Estado, não estou à espera de mais nada. Estarei sempre disponível para considerar os desafios que surjam na esfera pública, mas não tenho nenhum plano particular”, assegura. Podia não haver planos fechados, mas Moz Caldas já antecipava um percurso focado no setor público. “É aí que encontro o essencial da minha motivação.”

Um futuro em aberto

Para vincar a ideia de que vai navegando ao sabor dos desafios que lhe apresentam, Moz Caldas recua a 2017. No final desse ano, Mário Centeno deixou de ser apenas o ministro das Finanças português. A eleição como presidente do Eurogrupo, em dezembro, atirou o homem forte do Terreiro do Paço para voos mais altos na Europa, e Moz Caldas, que tinha acabado de segurar o lugar na junta de freguesia lisboeta, também decidira assumir o cargo em exclusividade, acumulando apenas com as aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mas logo inverteu a marcha. “Esse é o grande momento de viragem para mim”, recorda.

Descrito como alguém “extremamente formal”, “bem-educado”, que não perde a pose e que “sabe medir muito bem as palavras”, os anos de maior combate político em Alvalade deixaram-lhe também colada, entre os adversários políticos, a imagem de pouca habilidade para encaixar críticas. O deputado do PSD António Prôa cruzou-se com Moz Caldas na assembleia de freguesia daquele bairro lisboeta. Apesar da “boa impressão” que ficou, aponta-lhe laivos de uma “atitude um pouco agressiva”, uma figura com “reações mais intempestivas” quando o combate ficava mais duro, um homem “pouco habituado a críticas mais incisivas”.

“Os grandes problemas não me tiram do sério, pelo contrário, agudizam-me os sentidos”, reage Moz Caldas. “Os problemas pequeninos, irritantes, é que podem exasperar-me um pouco, mas não sou pessoa de aviltar o outro”, atira, guiado pelas “linhas de respeito interpessoal” que não ultrapassa e que não aceita que ultrapassem consigo. “Fraquezas”, conclui, “temos todos”.

Mas mais do que esse lado pessoal, o perfil descrito por António Prôa choca com a imagem que o secretário de Estado apresenta. Por um lado, Prôa não esconde que, nas circunstâncias em que a última campanha para as autárquicas se desenrolou, com eleições marcadas para dois meses antes da escolha no Eurogrupo, Moz Caldas serviu de “testa de ferro”. Foi a garantia de que o PS não perdia uma autarquia acabada de conquistar, quando o autarca já saberia que estava em processo de afastamento do poder local. Por outro lado, reconhece no governante “alguém ambicioso e que, sendo competente, apresenta argumentos para essa ambição: tem boas condições para vir a ter um papel mais relevante e desempenhar cargos em representação do PS”, augura o social-democrata. “Não tenho excesso de ambição nem aspirações concretas, como já não tinha estas”, limita-se a dizer o socialista.

Um bocadinho de tudo…

O interesse pela ação política nasce pouco depois da estreia no Ensino Superior. Separado da Faculdade de Medicina, o curso de Medicina Dentária dava os primeiros passos em casa própria. “Chegámos ali, um grupo muito engraçado, e não tínhamos aulas, o que nos deu tempo para criar um ambiente muito coeso”, recorda. Em janeiro de 2001, a normalidade começava a instalar-se, mas os primeiros meses foram de caos. “Fomos colocados em setembro ou outubro, e só começámos a ter aulas regulares em janeiro. Tivemos três meses para criar uma frente estudantil de luta para ter aulas, uma coisa inovadora”, conta à VISÃO.

Moz Caldas já tinha participado no movimento associativo na escola secundária de Benfica. Na faculdade, chega a liderar a associação académica de Medicina Dentária, durante dois mandatos, antes de conquistar, já durante a licenciatura em Direito, a presidência da influente Associação Académica da Universidade de Lisboa. Responsabilidades com um relevo que, à partida, seriam pouco compagináveis com um perfil que todos – inclusive o próprio – descrevem como absolutamente avesso à exposição pública.

Antes das barras dos tribunais, Moz Caldas andou de consultório em consultório a cuidar da dentição dos pacientes

No curso de Medicina Dentária, Gonçalo Assis, amigo e antigo colega de faculdade, recorda-se de alguém “com princípios éticos muito fortes” e que, “na sua vida de estudante, incutiu uma cultura de exigência muito forte perante os órgãos de governo da faculdade e da universidade”. A capacidade de se multiplicar em várias frentes também já era evidente nesse momento. “O dia sempre teve mais de 24 horas. Ele é um trabalhador nato. Sempre foi uma pessoa com um índice de produtividade muito assinalável”, conta o médico dentista.

Ainda no primeiro curso, inscreve-se na juventude do PS. “Senti que, não sendo dirigente associativo, e sem expectativas de regresso, podia organizar a minha participação na vida cívica”, recorda. A escolha pela JS deve-se, apenas, à declaração de princípios do partido que, nesses anos, abria a porta aos simpatizantes, reforçava a participação das mulheres e inscrevia o princípio da limitação de mandatos nos órgãos executivos. “Era a força política cujo conteúdo reformista à esquerda mais correspondia ao meu sentimento e àquilo que era a minha reflexão à época e que persiste.”

Não seria preciso muito mais tempo para que André Moz Caldas despertasse a atenção dos protagonistas políticos. É, aliás, poucos anos depois dessa adesão à Juventude Socialista (JS) que se lança no primeiro combate autárquico. O resto já se sabe: Terreiro do Paço, passagem efémera pelo organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado e, agora, a Secretaria de Estado. O socialista bate sempre na mesma tecla: cada desafio a seu tempo e em cada função a tempo inteiro. Mas, olhando para trás, não ignora que já há um caminho feito. “Hoje, sou um bocadinho autarca, um bocadinho chefe de gabinete, um bocadinho gestor público, e tudo isso faz parte do modo como olho para o exercício de funções públicas e para as funções que estou exercer agora”, reconhece.

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