O que revelam as atas das reuniões do estado de emergência. A falta de equipamento, a novela do cruzeiro e a descoordenação

19-04-2020
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A 18 de março, uma quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa decretou o estado de emergência em Portugal pela primeira vez em quase 45 anos. Quatro dias depois, a 22 de março, a Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência reunia pela primeira vez. Num conjunto de mesas castanhas encabeçadas por Eduardo Cabrita, ministro da Administração da Interna, sentavam-se em cadeiras azuis, separadas por uma distância de segurança, responsáveis de 11 secretarias de Estado e ainda os representantes das forças de segurança e socorro. Rodeados de computadores portáteis, telemóveis e muitos documentos em papel, primeiro presencialmente e depois alguns por videoconferência, debateram — e vão continuar a debater — a aplicação do estado de emergência em Portugal.

Nas primeiras duas semanas de estado de emergência, até à primeira renovação do decreto, esta Estrutura reuniu quatro vezes: a 22, 24, 27 e 31 de março. Os temas debatidos ao longo das quatro reuniões, foram desde os lares à aplicação do crime de desobediência. Mas houve alguns problemas que se destacaram: a escassez — nunca resolvida — de material de proteção, “o maior problema”; a prioridade no acesso aos testes à Covid-19 — que levou a PSP a colocar a hipótese de os seus agentes serem testados fora do SNS; a descoordenação entre autoridades nacionais e locais, em decisões portuárias ou nas quarentenas regionais, por exemplo; e a gestão do caso do cruzeiro MSC Fantasia, atracado em Lisboa, com algumas dificuldades colocadas por Israel pelo meio, além de outros entraves diplomáticos.

Foram várias as entidades a insistir na necessidade de comprar mais Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e outras a reportarem stocks que só davam para alguns dias, com a Defesa a admitir até usar outro tipo de proteções, não hospitalares, para poupar recursos. Em resposta, anúncios de encomendas já feitas ou a caminho — algumas das quais, como o caso dos ventiladores, continuam por concluir um mês depois.

As atas das quatro reuniões da Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência — que foram publicadas pelo Governo no “Relatório sobre a aplicação da declaração do estado de emergência”, com data de 13 de abril — também permitem olhar com atenção para a situação dos lares e para a importância dos 10 mil testes criados pelo Instituto de Medicina Molecular e da distribuição de infetados pelo Hospital Militar do Porto. Mostram a união dos Ministérios para resolver a falta de hospitais de campanha para os serviços prisionais e as preocupações com a falta de recursos humanos e mão de obra em serviços essenciais — admitindo-se até, por exemplo, a possibilidade de desempregados ou trabalhadores em lay-off reforçarem o setor agrícola.

Lá também estão detalhes surpreendentes: a queixa pela detenção de carteiros em Ovar durante a cerca sanitária; as críticas a autarcas por estarem a falar diretamente com a China para comprar material e a encarecer os preços com essa procura; e uma discussão sobre a venda de café nos postigos dos postos de combustível.

Falta de equipamento e de testes. Enxurrada de pedidos dos Ministérios, voos vindos da China e manobras diplomáticas para sobrevoar a Rússia

1.ª reunião, 22 de março

Aquilo que se sabia ser um dos maiores problemas das várias entidades e serviços públicos é confirmado logo na primeira reunião, com uma enxurrada de pedidos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Vários intervenientes dão conta da falta de material, como máscaras, fatos, luvas ou óculos, por exemplo, para os trabalhadores essenciais nas suas áreas — uma queixa que haveria de repetir-se nas três reuniões seguintes.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, sabe-o — e, talvez por isso, é um dos primeiros temas de que fala quando lhe cabe abrir a discussão. Cabrita diz ter sido informado pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, de que há a possibilidade de “reorientar exportações para o mercado nacional”, escusando assim o Estado de comprar tanto material ao estrangeiro e garantindo maiores disponibilidades internas. Diz ainda que irá haver uma “reconversão da indústria têxtil” e que o Governo irá recorrer ao “mecanismo europeu”. O mais urgente é que, para já, haja uma “coordenação entre o Ministério da Saúde e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) para identificação de necessidade e aquisição de EPI”.

A PSP, porém, acredita que é possível ir mais longe. O diretor nacional, Manuel Magina da Silva, pede um “fornecimento urgente” e deixa uma sugestão: a “possibilidade de requisição civil”, presume-se que do material produzido por fábricas nacionais — não só dos stocks já disponíveis, mas também da “capacidade de produção”. Poderia ser uma solução imediata, sobretudo tendo em conta o alerta deixado pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANEPC). Na reunião, a ANEPC conta que não está a conseguir “adquirir EPI para reforçar a reserva estratégica nacional” — o stock que existe precisamente para garantir que o material não falta. Pior que isso, pode haver um problema com as 14.500 máscaras que tem no seu próprio material disponível naquele momento: haverá um “alerta sobre prazo de validade” e a utilização está “em stand-by“.

A 18 de março, uma quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa decretou o estado de emergência em Portugal pela primeira vez em quase 45 anos. Quatro dias depois, a 22 de março, a Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência reunia pela primeira vez. Num conjunto de mesas castanhas encabeçadas por Eduardo Cabrita, ministro da Administração da Interna, sentavam-se em cadeiras azuis, separadas por uma distância de segurança, responsáveis de 11 secretarias de Estado e ainda os representantes das forças de segurança e socorro. Rodeados de computadores portáteis, telemóveis e muitos documentos em papel, primeiro presencialmente e depois alguns por videoconferência, debateram — e vão continuar a debater — a aplicação do estado de emergência em Portugal.

Nas primeiras duas semanas de estado de emergência, até à primeira renovação do decreto, esta Estrutura reuniu quatro vezes: a 22, 24, 27 e 31 de março. Os temas debatidos ao longo das quatro reuniões, foram desde os lares à aplicação do crime de desobediência. Mas houve alguns problemas que se destacaram: a escassez — nunca resolvida — de material de proteção, “o maior problema”; a prioridade no acesso aos testes à Covid-19 — que levou a PSP a colocar a hipótese de os seus agentes serem testados fora do SNS; a descoordenação entre autoridades nacionais e locais, em decisões portuárias ou nas quarentenas regionais, por exemplo; e a gestão do caso do cruzeiro MSC Fantasia, atracado em Lisboa, com algumas dificuldades colocadas por Israel pelo meio, além de outros entraves diplomáticos.

Foram várias as entidades a insistir na necessidade de comprar mais Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e outras a reportarem stocks que só davam para alguns dias, com a Defesa a admitir até usar outro tipo de proteções, não hospitalares, para poupar recursos. Em resposta, anúncios de encomendas já feitas ou a caminho — algumas das quais, como o caso dos ventiladores, continuam por concluir um mês depois.

As atas das quatro reuniões da Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência — que foram publicadas pelo Governo no “Relatório sobre a aplicação da declaração do estado de emergência”, com data de 13 de abril — também permitem olhar com atenção para a situação dos lares e para a importância dos 10 mil testes criados pelo Instituto de Medicina Molecular e da distribuição de infetados pelo Hospital Militar do Porto. Mostram a união dos Ministérios para resolver a falta de hospitais de campanha para os serviços prisionais e as preocupações com a falta de recursos humanos e mão de obra em serviços essenciais — admitindo-se até, por exemplo, a possibilidade de desempregados ou trabalhadores em lay-off reforçarem o setor agrícola.

Lá também estão detalhes surpreendentes: a queixa pela detenção de carteiros em Ovar durante a cerca sanitária; as críticas a autarcas por estarem a falar diretamente com a China para comprar material e a encarecer os preços com essa procura; e uma discussão sobre a venda de café nos postigos dos postos de combustível.

Falta de equipamento e de testes. Enxurrada de pedidos dos Ministérios, voos vindos da China e manobras diplomáticas para sobrevoar a Rússia

1.ª reunião, 22 de março

Aquilo que se sabia ser um dos maiores problemas das várias entidades e serviços públicos é confirmado logo na primeira reunião, com uma enxurrada de pedidos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Vários intervenientes dão conta da falta de material, como máscaras, fatos, luvas ou óculos, por exemplo, para os trabalhadores essenciais nas suas áreas — uma queixa que haveria de repetir-se nas três reuniões seguintes.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, sabe-o — e, talvez por isso, é um dos primeiros temas de que fala quando lhe cabe abrir a discussão. Cabrita diz ter sido informado pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, de que há a possibilidade de “reorientar exportações para o mercado nacional”, escusando assim o Estado de comprar tanto material ao estrangeiro e garantindo maiores disponibilidades internas. Diz ainda que irá haver uma “reconversão da indústria têxtil” e que o Governo irá recorrer ao “mecanismo europeu”. O mais urgente é que, para já, haja uma “coordenação entre o Ministério da Saúde e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) para identificação de necessidade e aquisição de EPI”.

A PSP, porém, acredita que é possível ir mais longe. O diretor nacional, Manuel Magina da Silva, pede um “fornecimento urgente” e deixa uma sugestão: a “possibilidade de requisição civil”, presume-se que do material produzido por fábricas nacionais — não só dos stocks já disponíveis, mas também da “capacidade de produção”. Poderia ser uma solução imediata, sobretudo tendo em conta o alerta deixado pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANEPC). Na reunião, a ANEPC conta que não está a conseguir “adquirir EPI para reforçar a reserva estratégica nacional” — o stock que existe precisamente para garantir que o material não falta. Pior que isso, pode haver um problema com as 14.500 máscaras que tem no seu próprio material disponível naquele momento: haverá um “alerta sobre prazo de validade” e a utilização está “em stand-by“.

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