Alemanha é um país que vive de crise em crise desde 2017 – O Jornal Económico

12-06-2020
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Entre setembro de 2017 e março de 2018, a Europa assistiu atónita a algo que era para todos impensável: depois das eleições gerais de setembro de 2017, a chanceler alemã Angela Merkel precisou de meio ano para conseguir formar um governo que tivesse o apoio maioritário do parlamento federal. Chanceler desde 2005, nunca na sua longa carreira política a mulher que nasceu do lado de lá da “Cortina de Ferro” tinha tido tantas dificuldades em impor o seu partido, a CDU, como o motor da maior economia da Europa.

Esses seis meses de crise política interna terão sido fundamentais para que, pouco tempo depois, em outubro de 2018, Merkel fundisse outro fusível que ainda não foi substituído: anunciou que não se recandidataria à liderança do partido, o que não seria nada de mais se isso não quisesse dizer que a poderosa chanceler alemã renunciava assim a comandar a política do país a partir do final de 2021 – quando, previsivelmente em setembro, voltar a haver eleições. Era mais um capítulo do folhetim da crise na Alemanha, o país europeu menos dado a estes ‘estados de alma’.

Outros seis meses volvidos, novo episódio: as eleições europeias de maio de 2019 determinaram uma forte erosão do Partido Popular Europeu (PPE), uma espécie de porta-aviões dos destinos comuns da União Europeia nas últimas décadas, telecomandado a partir de Berlim – mesmo quando a família socialista conseguia bons resultados. Era o sinal, diziam na altura os observadores, de que a Alemanha enquanto motor da Europa estava a entrar em regime de ralenti.

Os maus resultados do PPE não o foram apenas em absoluto: a família conservadora europeia viu as suas fileiras encherem-se de deputados da extrema-direita anti-europeista (o Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán faz parte do agregado), sem que conseguisse esboçar uma reação que o impedisse.

Não era nada de novo para a chanceler: afinal, parte dos seus problemas internos resultavam do facto de os extremistas nazis da Alternativa para a Alemanha (AfD) terem conseguido um excelente resultado nas eleições alemãs de setembro de 2017, sendo agora os líderes da oposição parlamentar. Angela Merkel sabia assim com o que estava a lidar – mas não pôde antecipar a crise seguinte, ocorrida em fevereiro deste ano, quando a ‘sua’ CDU se aliou ao AfD para impor o candidato dos liberais do FDP como presidente do Estado da Turíngia.

O problema resolveu-se – o Estado é agora comandado pelo Partido Verde –, mas os efeitos colaterais foram de tal ordem que a líder da CDU que havia substituído Merkel nesse cargo, Annegret Kramp-Karrenbauer, deixou de ter condições para se manter à frente da formação. Desde então, e com o próprio partido a vociferar que não há tempo a perder, os candidatos ao cargo vão perdendo tempo numa longa campanha que um dia destes há-de resultar na substituição da mulher conhecida pela sigla AKK.

E finalmente veio a Covid-19. Ninguém duvida que se há países na Europa com músculo orçamental para combaterem a pandemia, a Alemanha será um deles, mas os custos dessa guerra não vão deixar o país com a saúde que demonstrou ter desde que em 1990 o então chanceler Helmut Kohl pôs toda a Europa a pagar a reunificação das duas Alemanhas. É que nem mesmo a Alemanha pode afirmar que 750 mil milhões de euros são peanuts.

Artigo publicado no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

Entre setembro de 2017 e março de 2018, a Europa assistiu atónita a algo que era para todos impensável: depois das eleições gerais de setembro de 2017, a chanceler alemã Angela Merkel precisou de meio ano para conseguir formar um governo que tivesse o apoio maioritário do parlamento federal. Chanceler desde 2005, nunca na sua longa carreira política a mulher que nasceu do lado de lá da “Cortina de Ferro” tinha tido tantas dificuldades em impor o seu partido, a CDU, como o motor da maior economia da Europa.

Esses seis meses de crise política interna terão sido fundamentais para que, pouco tempo depois, em outubro de 2018, Merkel fundisse outro fusível que ainda não foi substituído: anunciou que não se recandidataria à liderança do partido, o que não seria nada de mais se isso não quisesse dizer que a poderosa chanceler alemã renunciava assim a comandar a política do país a partir do final de 2021 – quando, previsivelmente em setembro, voltar a haver eleições. Era mais um capítulo do folhetim da crise na Alemanha, o país europeu menos dado a estes ‘estados de alma’.

Outros seis meses volvidos, novo episódio: as eleições europeias de maio de 2019 determinaram uma forte erosão do Partido Popular Europeu (PPE), uma espécie de porta-aviões dos destinos comuns da União Europeia nas últimas décadas, telecomandado a partir de Berlim – mesmo quando a família socialista conseguia bons resultados. Era o sinal, diziam na altura os observadores, de que a Alemanha enquanto motor da Europa estava a entrar em regime de ralenti.

Os maus resultados do PPE não o foram apenas em absoluto: a família conservadora europeia viu as suas fileiras encherem-se de deputados da extrema-direita anti-europeista (o Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán faz parte do agregado), sem que conseguisse esboçar uma reação que o impedisse.

Não era nada de novo para a chanceler: afinal, parte dos seus problemas internos resultavam do facto de os extremistas nazis da Alternativa para a Alemanha (AfD) terem conseguido um excelente resultado nas eleições alemãs de setembro de 2017, sendo agora os líderes da oposição parlamentar. Angela Merkel sabia assim com o que estava a lidar – mas não pôde antecipar a crise seguinte, ocorrida em fevereiro deste ano, quando a ‘sua’ CDU se aliou ao AfD para impor o candidato dos liberais do FDP como presidente do Estado da Turíngia.

O problema resolveu-se – o Estado é agora comandado pelo Partido Verde –, mas os efeitos colaterais foram de tal ordem que a líder da CDU que havia substituído Merkel nesse cargo, Annegret Kramp-Karrenbauer, deixou de ter condições para se manter à frente da formação. Desde então, e com o próprio partido a vociferar que não há tempo a perder, os candidatos ao cargo vão perdendo tempo numa longa campanha que um dia destes há-de resultar na substituição da mulher conhecida pela sigla AKK.

E finalmente veio a Covid-19. Ninguém duvida que se há países na Europa com músculo orçamental para combaterem a pandemia, a Alemanha será um deles, mas os custos dessa guerra não vão deixar o país com a saúde que demonstrou ter desde que em 1990 o então chanceler Helmut Kohl pôs toda a Europa a pagar a reunificação das duas Alemanhas. É que nem mesmo a Alemanha pode afirmar que 750 mil milhões de euros são peanuts.

Artigo publicado no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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