Câmara Corporativa: Sedução falhada

13-03-2020
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• António Correia de Campos, Sedução falhada:«Duvido que o Doutor Cavaco Silva tivesse antecipado todos os efeitos do seu gesto de hostilidade aos partidos da esquerda. Não se entende o porquê de tamanha agressão. Na verdade, anunciar que não conta com os partidos à esquerda do PS para as funções normais da vida política, nomeadamente para a constituição de governos, afastando-os da mesa constitucional parece longe do senso comum. Mas o Presidente não se ficou por aqui. Lançou uma tentativa de sedução-sedição aos deputados socialistas que estivessem dispostos a rebelarem-se contra a liderança. Pior ainda, açulou os mercados a ladrarem e morderem o pequeno e frágil País a cuja República preside. A resposta do sistema político foi a incredulidade, a rejeição liminar da atitude, e um coro enfraquecido e pouco convicto dos tenores do PSD e do CDS. A resposta dos partidos da nova maioria foi demolidora: se tinham dúvidas sobre a coligação, esqueceram-nas; se estavam titubeantes na parceria, tornaram-se lázaros que dispensam muletas; se estavam mudos passaram a audaciosos opositores ao Presidente; se tinham receios passaram a afoitos; se temiam cisões fratricidas, esqueceram o risco e suturaram feridas. Poucas vezes se viu o imediato impacto de uma peça política tão contrário ao que pretendia o emissor. Se não passámos a reconhecer o Doutor Cavaco como socialista militante, passámos a ver nele, ao menos, o grande aglutinador e o principal ator do processo político de união das esquerdas. O PS, relutante em moção própria de rejeição, passou a propô-la. Se receava no Parlamento uma derrota anónima para Ferro Rodrigues presidir, ou pelo menos uma arrastada negociação em várias votações inconclusivas, reconheceu na vitória à primeira um poder que quase ignorava. De nada valeram os remoques: que a proposta ia contra a tradição, que Ferro deveria ter engolido em silêncio a injúria presidencial, que doravante o Parlamento passava a estar de risco ao meio, apesar de ter mais cabelo do lado esquerdo. Dos argumentos de vitória eleitoral da coligação já pouco mais resta que a retórica pomposa de Portas a roçar o ridículo. Até os media, finalmente, parece terem caído em si e realizado que tudo mudou. Habituar-se-ão a nova distribuição de poder. E como se alimentam de notícias, depressa reconhecerão que agora elas nascem à esquerda. São as regras da fisiologia do poder.»


• António Correia de Campos, Sedução falhada:«Duvido que o Doutor Cavaco Silva tivesse antecipado todos os efeitos do seu gesto de hostilidade aos partidos da esquerda. Não se entende o porquê de tamanha agressão. Na verdade, anunciar que não conta com os partidos à esquerda do PS para as funções normais da vida política, nomeadamente para a constituição de governos, afastando-os da mesa constitucional parece longe do senso comum. Mas o Presidente não se ficou por aqui. Lançou uma tentativa de sedução-sedição aos deputados socialistas que estivessem dispostos a rebelarem-se contra a liderança. Pior ainda, açulou os mercados a ladrarem e morderem o pequeno e frágil País a cuja República preside. A resposta do sistema político foi a incredulidade, a rejeição liminar da atitude, e um coro enfraquecido e pouco convicto dos tenores do PSD e do CDS. A resposta dos partidos da nova maioria foi demolidora: se tinham dúvidas sobre a coligação, esqueceram-nas; se estavam titubeantes na parceria, tornaram-se lázaros que dispensam muletas; se estavam mudos passaram a audaciosos opositores ao Presidente; se tinham receios passaram a afoitos; se temiam cisões fratricidas, esqueceram o risco e suturaram feridas. Poucas vezes se viu o imediato impacto de uma peça política tão contrário ao que pretendia o emissor. Se não passámos a reconhecer o Doutor Cavaco como socialista militante, passámos a ver nele, ao menos, o grande aglutinador e o principal ator do processo político de união das esquerdas. O PS, relutante em moção própria de rejeição, passou a propô-la. Se receava no Parlamento uma derrota anónima para Ferro Rodrigues presidir, ou pelo menos uma arrastada negociação em várias votações inconclusivas, reconheceu na vitória à primeira um poder que quase ignorava. De nada valeram os remoques: que a proposta ia contra a tradição, que Ferro deveria ter engolido em silêncio a injúria presidencial, que doravante o Parlamento passava a estar de risco ao meio, apesar de ter mais cabelo do lado esquerdo. Dos argumentos de vitória eleitoral da coligação já pouco mais resta que a retórica pomposa de Portas a roçar o ridículo. Até os media, finalmente, parece terem caído em si e realizado que tudo mudou. Habituar-se-ão a nova distribuição de poder. E como se alimentam de notícias, depressa reconhecerão que agora elas nascem à esquerda. São as regras da fisiologia do poder.»

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