Dialogar com o BE? "Não podemos virar costas aos partidos que nos apoiaram no OE"

06-12-2020
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Saiu há praticamente dois anos da Câmara de Lisboa, onde era vice-presidente de Fernando Medina e é, desde então - fevereiro de 2019 -, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Para ele, as últimas semanas terão sido agitadas, de intensas negociações, ou não tivesse sido o Orçamento do Estado para o próximo ano o mais difícil de ser aprovado desde que António Costa assumiu a chefia do Governo, em 2015. É ainda presidente da federação de Lisboa do PS, tendo pela frente, dentro de dez meses, umas importantes eleições autárquicas.

Duarte Cordeiro, sente como uma derrota política pessoal o facto de não ter conseguido trazer o Bloco de Esquerda (BE) para a aprovação do Orçamento do Estado (OE)?

Não, de todo. O Governo fez o que pôde para que o BE participasse neste processo e viabilizasse o OE; fez as aproximações que foram significativas e entende que foi uma opção política estratégica do BE votar contra este Orçamento. Isto foi algo que, no nosso entender, ficou mais claro quando no processo da especialidade o Bloco apresentou apenas 12 propostas que incidiam, essencialmente, em pontos de divergência daquilo que tinham sido as conversas que tínhamos tido. Portanto, para mim, ficou evidente que foi uma opção do BE afastar-se do Orçamento e do Governo. Foi uma decisão que nós condenamos, até porque entendemos que um acordo era necessário, porventura até mais do que noutros momentos face à crise que estamos a viver.

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A sua convicção é, portanto, que o BE teria votado contra independentemente do conteúdo da proposta, ou seja, decidiu isso previamente tendo em conta o contexto político e uma eventual impopularidade do Governo?

Sim. O Bloco deixou claro - e para nós foi evidente - que se sentiu que a crise ia ser grande e que o Governo iria, fruto da crise, passar por um período de dificuldade e impopularidade, e o BE não facilitou em nenhum momento o processo da negociação, procurando, e volto a referir, no processo da especialidade incidir nas matérias em que divergimos. Trabalhámos bastante, aproximámo-nos, mas no final isso contou pouco para a decisão do BE e é ele que tem de responder pela não participação, pela sua votação no Orçamento do Estado.

"É sempre mais fácil quando temos entendimentos escritos, mas isso não justifica nenhuma atitude de desresponsabilização de nenhum dos partidos para procurar entendimentos."

Já estava no Governo na parte final da geringonça, na legislatura 2015-2019. Não era mais fácil quando havia acordos escritos? Tem saudades desse tempo?

É sempre mais fácil quando temos entendimentos escritos, mas isso não justifica nenhuma atitude de desresponsabilização de nenhum dos partidos para procurar entendimentos. O PS, e em particular o Governo, sempre foi claro na opção estratégica que fez de procurar continuar a convergência. A leitura que fizemos das eleições legislativas é que devíamos continuar a procurar essas convergências, tendo o PS um resultado mais forte. É isso que temos feito desde o início, quer no programa do Governo quer no primeiro Orçamento, quer agora neste segundo OE. Portanto, o facto de poder até ser mais simples com um acordo escrito não significa que cada uma das partes não procure o que estiver ao seu alcance para responder e para procurar convergências. Em especial, num ano como este em que estamos a enfrentar uma pandemia e uma crise social em consequência da pandemia e que não resulta da ação do Governo, mas é uma crise internacional. É uma oportunidade única para mostrar que temos uma resposta diferente, uma resposta de esquerda.

Terminado este processo que conduziu à aprovação do OE, concluiu que o PCP é um partido mais confiável do que o BE?

Eu nunca coloquei as coisas nesses termos, acho que os partidos tomam opções políticas. Neste caso, o PCP tomou a opção política de procurar trabalhar até ao fim nas aproximações para conseguirmos aprovar um Orçamento com avanços, com respostas em vários domínios, dentro daquilo que são até mesmo as prioridades que o Governo definiu. O Governo definiu como prioridades para este Orçamento combater a pandemia, proteger as pessoas e os trabalhadores, apoiar a economia. O PCP teve um conjunto muito significativo de propostas - foi o partido que teve mais propostas - e isso não nos inibiu de procurarmos trabalhar, volto a dizer, até ao fim e procurar encontrar convergências e avanços em muitas matérias. O PCP teve uma atitude responsável. Entendeu bem aquilo que nós também entendemos...

Foi mais responsável que o Bloco?

Claramente mais responsável. A nossa leitura é que os portugueses queriam o Orçamento aprovado. Num contexto em que já temos as dificuldades todas e a incerteza toda, os portugueses precisam é de sinais que lhes deem esperança e confiança naquilo que vamos enfrentar no próximo ano. O Orçamento é um momento central para dar confiança e esperança aos portugueses, e o PCP entendeu isso. Procuramos fazê-lo com mais respostas, obviamente concentrados no fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer na contratação de pessoal, quer no investimento em equipamentos e infraestruturas, mas também nos apoios sociais. Concentrámo-nos nos salários e nos apoios que as pessoas precisam, especialmente, as pessoas que ficaram em situação de desproteção social. Tudo isso transmite segurança às pessoas, particularmente no momento frágil e de incerteza como o que estamos a viver. Felizmente, a última semana foi uma semana que nos permitiu ter um conjunto de sinais positivos e de esperança: não só o OE foi aprovado, como pudemos apresentar o plano de vacinação que também é um elemento que confere alguma esperança aos portugueses, como também - segundo a reunião no Infarmed -, podemos também já ter passado pelo pico do número de casos desta segunda vaga, algo que também é positivo do ponto de vista dos sinais.

Parecem-lhe críveis as sondagens que mostram que o Bloco perde apoio eleitoral quando vota contra o OE? Acha que isso aconteceria também com o PCP se, eventualmente, não tivesse contribuído para a viabilização do Orçamento?

Os eleitores de esquerda deram-nos um sinal claro nas eleições legislativas e nós tentamos, desde então, seguir um pouco aquilo que entendemos que é essa orientação - continuar o caminho que fizemos nos últimos quatro anos na primeira legislatura, com o PS mais forte, mas não deixando de dialogar com os partidos de esquerda e com novos protagonistas. Temos o PAN como novo parceiro de negociação, mas também, neste caso, as deputadas não inscritas que, quer seja quando faziam parte dos partidos políticos pelos quais foram eleitas quer posteriormente, sempre mostraram disponibilidade para negociar com o Governo. Os eleitores de esquerda, e os eleitores próximos daquilo que são os partidos ambientalistas, procuram que haja convergências que se traduzam em respostas concretas na melhoria da vida das pessoas. É isso que o Governo tem feito, não tem fugido ao diálogo e à negociação. Entrámos para este Orçamento com essa vontade e saímos dele com esse resultado. O facto de ter havido um partido político que não quis participar nesse processo, que se afastou, não significa que não tenhamos tido sucesso no nosso objetivo.

Então não o surpreende a aparente penalização que o Bloco sofre?

Não. É natural, da mesma forma que seria se o PS fugisse ao diálogo.

"O cumprimento do OE de 2021 é talvez o elemento mais importante para a continuação do diálogo e da negociação dos futuros Orçamentos."

As autárquicas de 2021 serão em outubro, portanto, é um tempo que vai coincidir mais ou menos com o debate ou o início do debate do OE para 2022. O PCP está fortemente apostado em recuperar força eleitoral nessas eleições onde perdeu dez câmaras há uns anos. Acredita que esse é um fator que ajudará a viabilizar o OE de 2022, ou seja, o PCP, tendo receio de perder votos por não colaborar, alinha de novo?

O que eu lhe posso dizer com toda a frontalidade é que o elemento central para a viabilização do OE para 2022 é o cumprimento do OE de 2021. Se nós cumprirmos, não digo na totalidade pois terá de existir algum tipo de latitude neste processo... Este Orçamento neste ano, em 2020, foi particularmente difícil porque nós aprovámos o OE de 2020 em fevereiro e já estávamos a negociar o OE para 2021 em setembro, e até mesmo antes, deste ano. Muitos partidos exigiram-nos, já no processo de negociação orçamental, o cumprimento de matérias que tínhamos negociado e que tinham sido aprovadas em fevereiro, isto, claramente, com um período de execução orçamental muitíssimo curto. Portanto, este Orçamento que negociámos teve uma pressão relativamente à execução orçamental muito superior a qualquer outro. Agora temos um pouco mais de tempo para executar o Orçamento. Eu acho que nós devemos procurar concentrar aquilo que é o processo de negociação em torno daquilo que é o cumprimento do OE que negociámos perspetivando linhas de futuro. Tudo o resto dependerá muito do contexto daquilo que nós vamos viver - se a retoma económica cai correr dentro do cenário que nós estipulámos no OE; se conseguirmos cumprir os nossos objetivos do ponto de vista da vacinação, por exemplo. Há um conjunto de elementos que são essenciais e que acho que são determinantes para que depois existam condições para prosseguirmos este caminho até ao final da legislatura. Eu diria que o cumprimento do OE de 2021 é talvez o elemento mais importante para a continuação do diálogo e da negociação dos futuros Orçamentos.

Parece ir fazendo caminho a ideia de que o Governo não sobreviverá á discussão do próximo OE. Se bem entendi, não o admite sequer como provável. Afasta de todo essa hipótese?

Nós encaramos sempre a legislatura a quatro anos e entendemos que a estabilidade é fundamental, especialmente num contexto de recuperação económica. Nós estamos a viver uma crise, uma crise intensa do ponto de vista económico e social, e o próximo ano é o primeiro ano de execução de um conjunto...

A verdade é que o PS não está sozinho nem tem um Governo maioritário...

Não, e por isso mesmo nós temos uma atitude de negociação e diálogo permanente. Não escondemos com quem queremos dialogar nem a forma como o fazemos - as negociações são absolutamente transparentes e claras. Por isso é que digo que é o horizonte do cumprimento do OE de 2021 que nos deve dar um horizonte para o resto da legislatura. Essa é a nossa convicção profunda. Nós procuraremos executar o OE de 2021 e é na sequência desse OE e no cumprimento dos compromissos que assumimos, mas também naquilo que é o cenário que nós traçámos, que nos permitirá criar condições para cumprir o resto da legislatura.

Tenhamos nós eleições antecipadas ou não e depois do que se passou em concreto com este OE, o PS não deveria assumir perante o país que só terá plenas condições de governação com uma maioria absoluta?

O PS partiu para esta legislatura de uma forma muito transparente. Entendeu os resultados das eleições legislativas e procurou estabelecer o diálogo com os partidos políticos à nossa esquerda e ambientalistas, que não se negaram a dialogar com o PS e que procuraram convergir. Tivemos, no Orçamento suplementar, o voto contra do PCP, na altura procuraram vaticinar que estava obviamente destruída qualquer margem de diálogo futuro entre o PS e o PCP, e a prova neste OE de 2021 é que assim não foi. E assim não será no futuro. Nós continuaremos a ter condições se formos executando aquilo a que nos vamos comprometendo. Isto é válido para os dois lados. Todas as medidas que nós vamos aprovando têm validade por si só, mas também representam um horizonte e um caminho. Nós temos um programa de governo e entendemos que esse programa do PS permite criar convergências dentro deste campo político, e não acreditamos que seja útil uma crise política para o país, principalmente num momento de recuperação económica. Portanto, o PS, e o Governo em particular, continuará a fazer este caminho, convicto que o melhor que o país pode ter é alguma estabilidade no processo de recuperação.

Falta pouco mais de um mês e meio para as eleições presidenciais. Considera que Marcelo Rebelo de Sousa já deveria ter anunciado a sua candidatura? Parece-lhe que está a fazer campanha a partir de Belém ou não?

Eu não vou fazer nenhum comentário relativamente a isso. Até ao período que está previsto para qualquer candidato se apresentar, está no seu direito de o fazer no momento em que a lei o determina. Eu sou pouco de acrescentar brasas. O senhor Presidente da República, se entender recandidatar-se, até ao limite do prazo que lhe é definido, está no direito de apresentar a sua candidatura. Acho também que nós temos de aprender a distinguir. Quando há processos de recandidatura, seja um primeiro-ministro seja um Presidente da República, tem de existir essa dupla particularidade que é ser a pessoa que está no cargo e, simultaneamente, ser o candidato. Nós todos temos maturidade democrática para saber distinguir isso.

Apoia Ana Gomes. Ficou desiludido por ver o seu partido a não ir por esse caminho e por ter uma não opção, digamos assim?

Não, não fiquei. Já estava à espera que fosse essa a decisão que o PS iria adotar.

É normal que o maior partido português não tenha um candidato presidencial?

Já assim foi nas últimas eleições presidenciais.

O que não justifica que seja normal...

Sim. Eu parto sempre do princípio de que as eleições presidenciais são candidaturas individuais que, depois, os partidos políticos podem apoiar. No meu caso em concreto, eu entendo que é natural que assim seja. Recordo que fui diretor de campanha do Manuel Alegre numas eleições presidenciais e lutei para que o PS, na altura, apoiasse Manuel Alegre, dei-lhe apoio antes de ele ser apoiado pelo PS. Entendo como normal que os partidos o façam, também entendo que a opção política seja outra num determinado momento. Portanto, não me choca, não me chocou há quatro anos, e esta foi a opção que o PS fez. Eu apoio a candidata Ana Gomes, porque me revejo, ela é do meu campo político e entendo que vai ter um papel importante nestas eleições presidenciais.

Acaba ou não por compreender esta decisão do PS, tomada numa comissão nacional, ou seja, é ou não inteiramente legítimo que este Governo não queira afinal fazer nada que possa atingir a relação com aquele que mais provavelmente será, de novo, Presidente da República a seguir às eleições?

Eu não me opus à decisão. Participei nas várias reuniões que existiram e entendo que já há quatro anos assim foi. Quando existe a leitura e a interpretação de que os militantes estão divididos relativamente a esta dimensão e não existe uma candidatura do PS ou, pelo menos, promovida e apoiada pelo PS, percebo que se entenda que então mais vale nós não tomarmos uma posição oficial e concentramo-nos no que são outras dimensões da luta política nacional. Foi essa a decisão do PS, isso não significa que cada dirigente, cada militante, não assuma a sua posição e eu, no meu caso, assumi.

Explique-nos então porque é que apoia a Ana Gomes. É só por ela ser do PS?

Não, não. Eu tive oportunidade de explicar até nas minhas redes sociais, que são para isso mesmo.

Politicamente, o que é que Ana Gomes tem que Marcelo Rebelo de Sousa não teve nem nunca terá e que o leva a apoiá-la?

Desde logo, é uma candidata com que eu me identifico dentro daquilo que são os meus valores políticos; revejo-me no percurso que Ana Gomes teve ao longo da sua vida, quer como diplomata quer como eurodeputada. É alguém que teve sempre um papel muito ativo na defesa dos direitos humanos e, em concreto, é uma candidata progressista, de esquerda, defensora intransigente da liberdade e da nossa Constituição; e é também uma candidata que se situa no campo das novas tendências ambientalistas, com as quais eu também me identifico. Portanto, é uma candidata dentro do espaço político em que me revejo. Não subscrevo todas as posições políticas da Ana Gomes, mas também não subscreveria de muitos dos meus camaradas do PS em muitas matérias.

Subscreve alguma das posições políticas assumidas por Marcelo Rebelo de Sousa ao longo deste mandato?

Sim, sim. Tive oportunidade também de dizer que vejo aspetos positivos no mandato do Presidente da República, desde logo na relação institucional com o Governo, e agora, recentemente, na concentração de esforços no combate à pandemia. Mas isso não é suficiente para eu me sentir identificado com os valores e os princípios que estão por trás da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Eu tenho um conjunto de valores e de posições políticas de esquerda e que, obviamente, levam a que, entre os candidatos presidenciais, a pessoa com que eu me identifico mais seja a Ana Gomes, e é por isso que a apoio.

Vai envolver-se pessoalmente na campanha de Ana Gomes?

Isso dependerá. Já lhe dei o apoio público, mas eu sou membro do Governo e, portanto... farei essa gestão no tempo. Não tenho, para já, intenção, para além do apoio público que já dei, de me envolver na campanha. Tenho conversado várias vezes com a candidata. É uma participação que reflete muito a minha posição pessoal de apoio - que eu defendi nos órgãos do partido - e que vou sinalizando.

A distrital de Lisboa poderá colaborar de outra forma, por exemplo, na recolha de assinaturas para viabilizar a candidatura de Ana Gomes?

Não vejo razão para que não o faça, obviamente que o PS não tendo posição...

Já está a fazê-lo?

Sim, militantes do PS têm colaborado obviamente na recolha de assinaturas para Ana Gomes. Ela tem uma estrutura de campanha própria e é natural que dentro dela haja muitos militantes do PS. É normal.

Mas de uma forma institucional?

Não, formalmente, o PS, a partir do momento em que não apoia nenhuma candidatura não seria adequado que utilizasse todas as suas infraestruturas, os seus contactos, para o fazer. Mas, naturalmente, fá-lo de maneira informal, e é assim que deve ser.

"Não acho impossível que haja uma segunda volta, dependerá daquilo que seja a campanha presidencial e do que resultar do debate intenso."

Acha de todo impossível que aconteça uma segunda volta?

Não, não acho de todo impossível.

Está a batalhar por isso?

Não. Eu não estou envolvido na campanha presidencial. Houve campanhas presidenciais em que estive envolvido, inclusivamente sendo diretor de campanha, não é o caso. Não acho impossível que haja uma segunda volta, dependerá daquilo que seja a campanha presidencial e do que resultar do debate intenso - que acho bem que exista - entre os vários candidatos. Espero que Ana Gomes tenha uma candidatura que lhe permita ter um bom resultado.

Um bom resultado só pode ser essa passagem à segunda volta?

Imagino que sim, e também que afirme aqui um campo de oposição a um conjunto de debates que se têm introduzido no espaço público por uma das candidaturas - a nível da xenofobia, de um conjunto de tentativas de estigmatização social que devem ser frontalmente combatidas nestas eleições presidenciais.

No caso dessa segunda volta, o PS continuará a ter margem de manobra para não apoiar ninguém, como agora faz?

Eu não falo em nome do PS.

Na sua opinião, o que é que o PS deve fazer?

O PS já tomou uma decisão.

"O partido tem uma posição tomada que é a de não apoiar nenhuma candidatura. Não creio que essa situação mude em função da existência de uma segunda volta."

Vale para a segunda volta?

Eu creio que sim, mas não falo em nome do PS. Digo que o partido tem uma posição tomada que é a de não apoiar nenhuma candidatura. Não creio que essa situação mude em função da existência de uma segunda volta, sinceramente não tenho essa expectativa.

Em 1986, se não fosse uma sensacional mudança do PCP, o Dr. Mário Soares, que foi líder histórico do PS durante muitos anos, não teria sido eleito Presidente da República. No caso de uma segunda volta, com uma militante do PS...

Também não se na altura, se alguém fizesse a pergunta a um dirigente do PCP na primeira volta, relativamente à sua posição na segunda volta, se teria uma resposta muito diferente da minha. A minha expectativa é que o PS já tomou a sua posição.

Portanto não espera que, no caso dessa segunda volta, o PS apoie uma militante que até é do PS?

Como sabe, eu tenho uma posição sobre isso e já a assumi. Não tenho essa expectativa.

Se dependesse de si?

Eu não tenho a expectativa de que o PS tenha uma segunda posição sobre as eleições presidenciais.

Pedro Nuno Santos apoia Ana Gomes; Fernando Medina já disse que vai apoiar Marcelo Rebelo de Sousa. As linhas internas que se definem no PS a propósito das eleições presidenciais, parece-lhe que já refletem caminhos divergentes para a sucessão de António Costa?

Não.

De todo?

Não. Acho que não.

As diferenças internas no PS em relação às presidenciais não são, de certa forma, preambulares em relação a esse momento posterior da sucessão?

O PS não tem interesse nenhum em discutir aquilo que significa a sua liderança. É uma liderança que é absolutamente consensual e que ninguém põe em causa.

Mas não vai durar para todo o sempre...

Sim, mas isso é uma discussão que é exterior ao PS, que não interessa ao partido e que é muitas vezes colocada para tentar destabilizar o PS.

Mas parece claramente haver uma nova geração dentro do partido que, legitimamente, começa a pensar no futuro e nesse futuro está, naturalmente, a sucessão de António Costa.

Claro, mas estava a perguntar-se se a leitura que eu faço relativamente às posições políticas podem dar uma leitura sobre o futuro. Há uma leitura sobre as posições políticas que muitos de nós temos relativamente ao PS, àquilo que é o seu posicionamento, ao enquadramento dos valores que temos, ao campo político onde estamos mais confortáveis, mas isso é algo que se verifica em várias dimensões e também nas eleições presidenciais. Quem, eventualmente, tenha um posicionamento político mais de esquerda dentro do PS, se calhar identifica-se com posições políticas desta natureza, ou até pode votar noutros candidatos da esquerda. Depois, quem tenha posições políticas menos afirmativas do ponto de vista da esquerda pode sentir-se confortável em votar no atual Presidente da República. Isto é natural, são os posicionamentos políticos que cada um tem dentro do seu partido, e é isso que está a acontecer. Conheço muita gente que apoiará Ana Gomes, exatamente porque tem um posicionamento político que entende que, numas eleições presidenciais, deve apoiar alguém que tem um conjunto de princípios e de valores mais à esquerda.

Sobre o futuro do PS, mais ou menos próximo, apoiará Pedro Nuno Santos se ele, um dia, for candidato à liderança do partido?

Esta questão não se coloca e não me interessa colocá-la politicamente. Toda a gente conhece o meu percurso político, a afinidade que eu tenho com o Pedro Nuno Santos, o percurso que fizemos juntos, portanto conhecem as afinidades políticas e pessoais que eu tenho, mas essa questão não se coloca neste momento. Para além do percurso que nós temos tido juntos, tivemos oportunidade de subscrever uma moção no congresso. Quando o momento chegar, cada um assumirá as suas posições. Tenho tido um percurso paralelo, de alguma maneira conjunto, ao do Pedro Nuno em muitas matérias, o que revela a nossa afinidade de pensamento em muitas questões.

E o Duarte Cordeiro estará nessa batalha política, vê-se no futuro mais ou menos próximo como líder do PS, ou é algo que afasta em absoluto?

Eu não me vejo como líder do PS, não tenho essa ambição.

Vê-se mais ao lado de Pedro Nuno Santos do que assumindo uma candidatura em nome próprio?

Eu tenho convicções dentro do PS. Sempre assumi as minhas posições políticas, nunca me furtei a assumir de que lado estava em todos os momentos. Quando houve divisões dentro do PS, até no passado, fiz parte de grupos parlamentares em que não apoiava as direções do PS e assumi isso frontalmente. Nunca escondi. Quando chega o momento de tomarmos opções, cada um deve tomar a sua e eu tomarei a minha. Não me furtarei a nenhuma dessas matérias. Tenho afinidades políticas, não as escondo e sempre assumi as minhas posições com naturalidade. Toda a discussão de antecipação do futuro do PS não é positiva para o partido. Portanto, é natural que eu não queira participar nessa discussão. Neste momento isso é trazido com o objetivo de tentar, de alguma maneira, fazer passar a ideia de que o PS não tem um percurso longo pela frente com António Costa. Obviamente que não participarei nisso nem subscreverei essas conclusões.

"Se no final desta legislatura, António Costa será candidato outra vez às eleições legislativas para um novo mandato? Não sei responder, acho que ainda estamos muito longe dessa circunstância."

Para si não há dúvida de que António Costa será, nas próximas eleições, recandidato a primeiro-ministro?

Eu espero que nós cumpramos a legislatura até ao fim e depois logo se verá. Nós todos trabalhamos com perspetivas. Da mesma maneira em que colocam perguntas fazendo cenarizações, eu respondo com base naquilo que é o cenário, o trabalho que nós temos e o que são as nossas expectativas. O Governo tem a expectativa de cumprir a legislatura até ao fim. Esse é o cenário de trabalho que nós temos, não temos outro. Nós trabalhamos para encontrar entendimentos, apoios, cumprimos os Orçamentos, para chegar até ao fim. É esse o trabalho que nós desenvolvemos e é essa a expectativa que temos. Se no final desta legislatura, António Costa será candidato outra vez às eleições legislativas para um novo mandato? Não sei responder, ainda estamos muito longe dessa circunstância. Uma coisa eu sei: é primeiro-ministro, é líder do PS e nós queremos levar o mandato até ao fim.

Tendo sido duas legislaturas tão politicamente intensas, parece razoável começar a pensar um pouco na sucessão de António Costa...

Não, no nosso entender, não. Temos realmente de nos concentrar na governação, no que é o trabalho que desenvolvemos, cada um com as suas responsabilidades. Temos pela frente uma luta muito intensa contra a pandemia; temos um plano de vacinação para cumprir; temos a recuperação económica do país para fazer. É nisso que as pessoas esperam que nós nos concentremos.

Duarte Cordeiro preside também à FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa) do PS. Para si, é dado adquirido que Fernando Medina será novamente candidato à Câmara de Lisboa, terá todo o seu empenho?

Assim espero. Terá todo o meu apoio e todo o meu empenho.

Das onze autarquias que integram a FAUL, o PS lidera a câmara em sete. Qual é a meta que traça? Crescer onde, ou não crescer e ficar assim, ou não perder?

A ideia era completamente contraditória, dizer que nós nos candidatávamos para as onze câmaras da área urbana de Lisboa à espera de perder em alguma delas. [Risos] Nós queremos, obviamente, manter todas as câmaras onde hoje somos poder e temos feito um bom trabalho. Temos a expectativa de fazer crescer o número de câmaras a que o PS preside na área urbana de Lisboa.

Cascais, Oeiras, Loures, Mafra, são estas as quatro câmaras de que o PS não tem a presidência.

Tentaremos apresentar candidaturas obviamente fortes e que nós entendemos que podem ambicionar essa vitória.

Há alguma que lhe pareça possível?

No atual contexto que nós estamos a viver ainda estamos muito distantes das eleições autárquicas. Da mesma forma que o próprio Governo vai ter pela frente uma luta intensa no próximo ano, acho que os autarcas também. Isso pode significar que, nalguns casos, exista a vontade de mudança da parte de cidadãos que vivem em alguns dos concelhos que são presididos por câmaras que não são do PS. O PS tem bons autarcas, as câmaras onde o PS preside são bons exemplos de câmaras geridas pelo PS e são uma referência para câmaras que nós não presidimos. A expectativa que nós temos é a de apresentar candidaturas fortes a todas as câmaras. No caso, em concreto, das câmaras que são presididas pelo PS, em quase todas temos a possibilidade de recandidatar os seus presidentes, e eu acho que isso coloca o PS numa boa posição para continuar a ter a maioria das câmaras da área metropolitana de Lisboa.

Olhando para o próximo ano parlamentar, que se adivinha intenso, há maneira de transferir do OE para o Fundo de Resolução, o dinheiro sem um orçamento retificativo?

O que eu posso dizer é aquilo que o Ministério das Finanças já tem transmitido publicamente e que é que o Governo está a analisar a situação. No nosso entender assumiu-se aqui um risco muito grande na aprovação da desorçamentação da verba que estava prevista ser transferida do Fundo de Resolução para o Novo Banco e, com isso, assumimos aqui riscos que não controlamos. Nenhum dos partidos que votou a favor dessa medida controla. Nós tentámos impedir que isso acontecesse, explicando que o que menos precisávamos nesta altura, num contexto, volto a referir, de incerteza, de dificuldade, de crise económica, era de incerteza no sistema bancário. Especialmente, num banco que tem um número muito significativo de depositantes e trabalhadores. Portanto, da mesma forma que tentámos impedir que existisse esse impacto pela não aprovação dessa medida, vamos tentar fazer com que a aprovação dessa medida tenha o menor impacto possível.

Ainda não conseguiram concluir se isso será possível sem um orçamento retificativo?

Está a ser analisado pelo Ministério das Finanças e espero que essa análise permita. De alguma maneira, manter a tranquilidade no sistema bancário.

A questão do Fundo de Resolução pode ser o gatilho de uma qualquer crise política séria, como, por exemplo, em tempos foi a chamada crise dos professores, quando houve uma coligação e toda a oposição para aprovar uma determinada matéria salarial em relação aos professores?

Sabendo que é uma matéria que trazia riscos imprevisíveis, o Governo vai-se esforçar para que isso não aconteça. Desde o primeiro momento, o primeiro-ministro esforçou-se para sinalizar que, do lado do Governo, vamos fazer todos os esforços para que a aprovação desta medida não tenha um impacto que crie a instabilidade, especialmente no sistema bancário, que pode criar um problema, quer do ponto de vista da confiança no sistema bancário nacional quer ao nível das contas do próprio banco que tem um impacto muito grande. Faremos tudo para que isso não aconteça.

Tirando o combate à pandemia, já definiu quais os dossiers legislativos que vão dominar a agenda do Governo nos próximos meses na Assembleia da República?

Eu acho que esses vão ser os centrais, o combate à pandemia, a execução do Orçamento, todas as matérias relativas às decisões que vão sendo necessárias no âmbito do estado de emergência. O quadro legislativo, hoje, está mais claro. Durante este ano houve a necessidade de termos uma produção legislativa extraordinária e aí - honra seja feita - com a compreensão e a participação de todos os partidos políticos na Assembleia da República, quer na rapidez do agendamento quer até na disponibilidade para discutir temas bastante complexos num curto período. Penso que, hoje, o quadro está mais estável, mas pode-se colocar a necessidade de haver outra vez produção legislativa extraordinária no âmbito da pandemia. Não estamos a contar com isso à partida, portanto, eu diria que a execução do Orçamento, a execução das medidas na área da saúde, são centrais naquilo que esperamos que seja uma atividade intensa no Parlamento.

Qual será, eventualmente, o próximo dossier a forçar ou a proporcionar a necessidade de conversas entre o Governo/PS e o Bloco de Esquerda? Como é que estão as questões laborais?

A líder do BE, Catarina Martins, sinalizou a sua disponibilidade para um entendimento na questão do SNS. Para nós, é bom que fique claro, o BE tomou a posição política que tomou e o Governo não fecha portas futuras ao BE, mas temos de ter noção que nós assumimos agora compromissos com vários partidos na Assembleia da República em torno do OE e, também, em torno de medidas para o SNS. Portanto, o entendimento tem de passar pelo reconhecimento das medidas que nós aprovámos no OE e pela sua execução. Nós temos a intenção objetiva de executar o OE, e achamos que ele é bom para os portugueses. Confere confiança, esperança e dá uma almofada de apoio, mas também dá respostas. No SNS temos um conjunto muito significativo de medidas.

"Não fechamos a porta a diálogos futuros com o BE. Mas não podemos também virarmos as costas aos partidos que nos apoiaram no OE."

É essa a resposta para Catarina Martins quando ela propõe um acordo sobre o SNS? É o que está no OE, estamos conversados?

Eu não disse isso. Eu disse que temos primeiro de começar por reconhecer o que está no OE e aquilo que nós pretendemos executar no âmbito do OE. Nós assumimos compromissos com os partidos que viabilizaram o Orçamento. A nossa prioridade é cumprir esses compromissos. Se da parte do BE existir disponibilidade para continuar a conversar no futuro, nós não fechamos a porta a diálogos futuros com o BE em nenhuma matéria, mas não podemos também - seria absolutamente errado - virarmos as costas ou ignorarmos os partidos que nos apoiaram na viabilização do OE - o PCP, o PAN, o PEV e as duas deputadas não inscritas. Portanto, o PS quer cumprir com o que foi o OE, mas não fecha a porta ao diálogo com o BE, nomeadamente para o futuro. Se nos cruzarmos em torno destes debates, quer nas matérias que vão ser debatidas na concertação social e que futuramente podem vir a ser discutidas no Parlamento, quer em matérias relativas ao próprio SNS, quer outras matérias sobre as quais nos disponibilizámos a discutir depois da pandemia, como, por exemplo, o tema da dedicação plena, que foi uma matéria que nós nos disponibilizámos para discutir. Não fugimos a qualquer tipo de conversa, pelo contrário.

E sobre a legislação laboral?

Sobre a legislação laboral, o Governo foi claro, dando nota de que, durante o ano de 2021, está disponível para, no âmbito da concertação social, discuti-la e às matérias que nos sejam trazidas pelos parceiros sociais. Há algumas medidas que têm sido trazidas em sede de OE e que nós entendemos que não é o local mais adequado para essa discussão, remetemos para concertação social e mostramos essa disponibilidade para discutir aí. Daí pode resultar, naturalmente, discussões legislativas posteriores.

Em síntese: quanto a conversas com o Bloco, não está nada previsto nem há perspetiva disso.

Eu quero situar a conversa que nós estamos a ter: acontece uma semana depois de o OE ter sido aprovado. É natural que, neste momento, as conversas que nós temos resultem do OE que nós aprovámos, e é normal que os compromissos que nós assumimos resultem dos que assumimos no Orçamento. Isso significa que nós estamos indisponíveis para dialogar com o Bloco no futuro? Não, não significa. Significa que damos prioridade ao que assumimos no OE.

Mas esse futuro é quando?

Durante o ano, quando as discussões se colocarem. Não seremos nós, com certeza, nesta fase a ignorar o que aprovámos no Orçamento e a dizer que estas não são as nossas prioridades. As matérias que aprovámos no OE têm um amplo campo de convergência e isso permite que outros partidos políticos também convirjam nessas matérias, na forma como elas são executadas, na contribuição para a forma como elas podem ser ou não executadas. Portanto, o BE, se entender, não tem de se excluir desse debate.

Nós percebemos, mas ouvindo-o parece que não há uma grande vontade política de encetar essas conversas...

Existe total disponibilidade para conversar no futuro. Volto a repetir o que disse há pouco: o facto de o PCP ter votado contra o orçamento suplementar, não nos inibiu de continuarmos a conversar com o PCP e de conseguirmos um entendimento no âmbito do OE de 2020. Também não acho que o facto de o BE ter votado contra nos inibirá de conversar com o Bloco. Agora, volto a referir, nós saímos deste OE com um conjunto de compromissos, de prioridades, e é isso que nós procuraremos cumprir. Nós achamos que a melhor forma, até para o próprio BE, até para eventuais conversas com o BE, é cumprirmos com o que está no Orçamento. Porque o que lá está, parece-nos, tem uma amplitude muito significativa que responde a um conjunto de áreas e domínios dentro das prioridades que o Governo definiu - combate à pandemia, recuperação de rendimentos e proteção das pessoas, mas também apoio à economia. Também são matérias a que, penso eu, apesar do voto contra, o Bloco dá valor. Este OE foi um Orçamento de esquerda, aprovado por um conjunto de partidos. Nós temos um conjunto de compromissos que pretendemos cumprir. No âmbito do OE, obviamente continuaremos o diálogo à esquerda e com os partidos ambientalistas e não excluímos o BE desse diálogo.

Saiu há praticamente dois anos da Câmara de Lisboa, onde era vice-presidente de Fernando Medina e é, desde então - fevereiro de 2019 -, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Para ele, as últimas semanas terão sido agitadas, de intensas negociações, ou não tivesse sido o Orçamento do Estado para o próximo ano o mais difícil de ser aprovado desde que António Costa assumiu a chefia do Governo, em 2015. É ainda presidente da federação de Lisboa do PS, tendo pela frente, dentro de dez meses, umas importantes eleições autárquicas.

Duarte Cordeiro, sente como uma derrota política pessoal o facto de não ter conseguido trazer o Bloco de Esquerda (BE) para a aprovação do Orçamento do Estado (OE)?

Não, de todo. O Governo fez o que pôde para que o BE participasse neste processo e viabilizasse o OE; fez as aproximações que foram significativas e entende que foi uma opção política estratégica do BE votar contra este Orçamento. Isto foi algo que, no nosso entender, ficou mais claro quando no processo da especialidade o Bloco apresentou apenas 12 propostas que incidiam, essencialmente, em pontos de divergência daquilo que tinham sido as conversas que tínhamos tido. Portanto, para mim, ficou evidente que foi uma opção do BE afastar-se do Orçamento e do Governo. Foi uma decisão que nós condenamos, até porque entendemos que um acordo era necessário, porventura até mais do que noutros momentos face à crise que estamos a viver.

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A sua convicção é, portanto, que o BE teria votado contra independentemente do conteúdo da proposta, ou seja, decidiu isso previamente tendo em conta o contexto político e uma eventual impopularidade do Governo?

Sim. O Bloco deixou claro - e para nós foi evidente - que se sentiu que a crise ia ser grande e que o Governo iria, fruto da crise, passar por um período de dificuldade e impopularidade, e o BE não facilitou em nenhum momento o processo da negociação, procurando, e volto a referir, no processo da especialidade incidir nas matérias em que divergimos. Trabalhámos bastante, aproximámo-nos, mas no final isso contou pouco para a decisão do BE e é ele que tem de responder pela não participação, pela sua votação no Orçamento do Estado.

"É sempre mais fácil quando temos entendimentos escritos, mas isso não justifica nenhuma atitude de desresponsabilização de nenhum dos partidos para procurar entendimentos."

Já estava no Governo na parte final da geringonça, na legislatura 2015-2019. Não era mais fácil quando havia acordos escritos? Tem saudades desse tempo?

É sempre mais fácil quando temos entendimentos escritos, mas isso não justifica nenhuma atitude de desresponsabilização de nenhum dos partidos para procurar entendimentos. O PS, e em particular o Governo, sempre foi claro na opção estratégica que fez de procurar continuar a convergência. A leitura que fizemos das eleições legislativas é que devíamos continuar a procurar essas convergências, tendo o PS um resultado mais forte. É isso que temos feito desde o início, quer no programa do Governo quer no primeiro Orçamento, quer agora neste segundo OE. Portanto, o facto de poder até ser mais simples com um acordo escrito não significa que cada uma das partes não procure o que estiver ao seu alcance para responder e para procurar convergências. Em especial, num ano como este em que estamos a enfrentar uma pandemia e uma crise social em consequência da pandemia e que não resulta da ação do Governo, mas é uma crise internacional. É uma oportunidade única para mostrar que temos uma resposta diferente, uma resposta de esquerda.

Terminado este processo que conduziu à aprovação do OE, concluiu que o PCP é um partido mais confiável do que o BE?

Eu nunca coloquei as coisas nesses termos, acho que os partidos tomam opções políticas. Neste caso, o PCP tomou a opção política de procurar trabalhar até ao fim nas aproximações para conseguirmos aprovar um Orçamento com avanços, com respostas em vários domínios, dentro daquilo que são até mesmo as prioridades que o Governo definiu. O Governo definiu como prioridades para este Orçamento combater a pandemia, proteger as pessoas e os trabalhadores, apoiar a economia. O PCP teve um conjunto muito significativo de propostas - foi o partido que teve mais propostas - e isso não nos inibiu de procurarmos trabalhar, volto a dizer, até ao fim e procurar encontrar convergências e avanços em muitas matérias. O PCP teve uma atitude responsável. Entendeu bem aquilo que nós também entendemos...

Foi mais responsável que o Bloco?

Claramente mais responsável. A nossa leitura é que os portugueses queriam o Orçamento aprovado. Num contexto em que já temos as dificuldades todas e a incerteza toda, os portugueses precisam é de sinais que lhes deem esperança e confiança naquilo que vamos enfrentar no próximo ano. O Orçamento é um momento central para dar confiança e esperança aos portugueses, e o PCP entendeu isso. Procuramos fazê-lo com mais respostas, obviamente concentrados no fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer na contratação de pessoal, quer no investimento em equipamentos e infraestruturas, mas também nos apoios sociais. Concentrámo-nos nos salários e nos apoios que as pessoas precisam, especialmente, as pessoas que ficaram em situação de desproteção social. Tudo isso transmite segurança às pessoas, particularmente no momento frágil e de incerteza como o que estamos a viver. Felizmente, a última semana foi uma semana que nos permitiu ter um conjunto de sinais positivos e de esperança: não só o OE foi aprovado, como pudemos apresentar o plano de vacinação que também é um elemento que confere alguma esperança aos portugueses, como também - segundo a reunião no Infarmed -, podemos também já ter passado pelo pico do número de casos desta segunda vaga, algo que também é positivo do ponto de vista dos sinais.

Parecem-lhe críveis as sondagens que mostram que o Bloco perde apoio eleitoral quando vota contra o OE? Acha que isso aconteceria também com o PCP se, eventualmente, não tivesse contribuído para a viabilização do Orçamento?

Os eleitores de esquerda deram-nos um sinal claro nas eleições legislativas e nós tentamos, desde então, seguir um pouco aquilo que entendemos que é essa orientação - continuar o caminho que fizemos nos últimos quatro anos na primeira legislatura, com o PS mais forte, mas não deixando de dialogar com os partidos de esquerda e com novos protagonistas. Temos o PAN como novo parceiro de negociação, mas também, neste caso, as deputadas não inscritas que, quer seja quando faziam parte dos partidos políticos pelos quais foram eleitas quer posteriormente, sempre mostraram disponibilidade para negociar com o Governo. Os eleitores de esquerda, e os eleitores próximos daquilo que são os partidos ambientalistas, procuram que haja convergências que se traduzam em respostas concretas na melhoria da vida das pessoas. É isso que o Governo tem feito, não tem fugido ao diálogo e à negociação. Entrámos para este Orçamento com essa vontade e saímos dele com esse resultado. O facto de ter havido um partido político que não quis participar nesse processo, que se afastou, não significa que não tenhamos tido sucesso no nosso objetivo.

Então não o surpreende a aparente penalização que o Bloco sofre?

Não. É natural, da mesma forma que seria se o PS fugisse ao diálogo.

"O cumprimento do OE de 2021 é talvez o elemento mais importante para a continuação do diálogo e da negociação dos futuros Orçamentos."

As autárquicas de 2021 serão em outubro, portanto, é um tempo que vai coincidir mais ou menos com o debate ou o início do debate do OE para 2022. O PCP está fortemente apostado em recuperar força eleitoral nessas eleições onde perdeu dez câmaras há uns anos. Acredita que esse é um fator que ajudará a viabilizar o OE de 2022, ou seja, o PCP, tendo receio de perder votos por não colaborar, alinha de novo?

O que eu lhe posso dizer com toda a frontalidade é que o elemento central para a viabilização do OE para 2022 é o cumprimento do OE de 2021. Se nós cumprirmos, não digo na totalidade pois terá de existir algum tipo de latitude neste processo... Este Orçamento neste ano, em 2020, foi particularmente difícil porque nós aprovámos o OE de 2020 em fevereiro e já estávamos a negociar o OE para 2021 em setembro, e até mesmo antes, deste ano. Muitos partidos exigiram-nos, já no processo de negociação orçamental, o cumprimento de matérias que tínhamos negociado e que tinham sido aprovadas em fevereiro, isto, claramente, com um período de execução orçamental muitíssimo curto. Portanto, este Orçamento que negociámos teve uma pressão relativamente à execução orçamental muito superior a qualquer outro. Agora temos um pouco mais de tempo para executar o Orçamento. Eu acho que nós devemos procurar concentrar aquilo que é o processo de negociação em torno daquilo que é o cumprimento do OE que negociámos perspetivando linhas de futuro. Tudo o resto dependerá muito do contexto daquilo que nós vamos viver - se a retoma económica cai correr dentro do cenário que nós estipulámos no OE; se conseguirmos cumprir os nossos objetivos do ponto de vista da vacinação, por exemplo. Há um conjunto de elementos que são essenciais e que acho que são determinantes para que depois existam condições para prosseguirmos este caminho até ao final da legislatura. Eu diria que o cumprimento do OE de 2021 é talvez o elemento mais importante para a continuação do diálogo e da negociação dos futuros Orçamentos.

Parece ir fazendo caminho a ideia de que o Governo não sobreviverá á discussão do próximo OE. Se bem entendi, não o admite sequer como provável. Afasta de todo essa hipótese?

Nós encaramos sempre a legislatura a quatro anos e entendemos que a estabilidade é fundamental, especialmente num contexto de recuperação económica. Nós estamos a viver uma crise, uma crise intensa do ponto de vista económico e social, e o próximo ano é o primeiro ano de execução de um conjunto...

A verdade é que o PS não está sozinho nem tem um Governo maioritário...

Não, e por isso mesmo nós temos uma atitude de negociação e diálogo permanente. Não escondemos com quem queremos dialogar nem a forma como o fazemos - as negociações são absolutamente transparentes e claras. Por isso é que digo que é o horizonte do cumprimento do OE de 2021 que nos deve dar um horizonte para o resto da legislatura. Essa é a nossa convicção profunda. Nós procuraremos executar o OE de 2021 e é na sequência desse OE e no cumprimento dos compromissos que assumimos, mas também naquilo que é o cenário que nós traçámos, que nos permitirá criar condições para cumprir o resto da legislatura.

Tenhamos nós eleições antecipadas ou não e depois do que se passou em concreto com este OE, o PS não deveria assumir perante o país que só terá plenas condições de governação com uma maioria absoluta?

O PS partiu para esta legislatura de uma forma muito transparente. Entendeu os resultados das eleições legislativas e procurou estabelecer o diálogo com os partidos políticos à nossa esquerda e ambientalistas, que não se negaram a dialogar com o PS e que procuraram convergir. Tivemos, no Orçamento suplementar, o voto contra do PCP, na altura procuraram vaticinar que estava obviamente destruída qualquer margem de diálogo futuro entre o PS e o PCP, e a prova neste OE de 2021 é que assim não foi. E assim não será no futuro. Nós continuaremos a ter condições se formos executando aquilo a que nos vamos comprometendo. Isto é válido para os dois lados. Todas as medidas que nós vamos aprovando têm validade por si só, mas também representam um horizonte e um caminho. Nós temos um programa de governo e entendemos que esse programa do PS permite criar convergências dentro deste campo político, e não acreditamos que seja útil uma crise política para o país, principalmente num momento de recuperação económica. Portanto, o PS, e o Governo em particular, continuará a fazer este caminho, convicto que o melhor que o país pode ter é alguma estabilidade no processo de recuperação.

Falta pouco mais de um mês e meio para as eleições presidenciais. Considera que Marcelo Rebelo de Sousa já deveria ter anunciado a sua candidatura? Parece-lhe que está a fazer campanha a partir de Belém ou não?

Eu não vou fazer nenhum comentário relativamente a isso. Até ao período que está previsto para qualquer candidato se apresentar, está no seu direito de o fazer no momento em que a lei o determina. Eu sou pouco de acrescentar brasas. O senhor Presidente da República, se entender recandidatar-se, até ao limite do prazo que lhe é definido, está no direito de apresentar a sua candidatura. Acho também que nós temos de aprender a distinguir. Quando há processos de recandidatura, seja um primeiro-ministro seja um Presidente da República, tem de existir essa dupla particularidade que é ser a pessoa que está no cargo e, simultaneamente, ser o candidato. Nós todos temos maturidade democrática para saber distinguir isso.

Apoia Ana Gomes. Ficou desiludido por ver o seu partido a não ir por esse caminho e por ter uma não opção, digamos assim?

Não, não fiquei. Já estava à espera que fosse essa a decisão que o PS iria adotar.

É normal que o maior partido português não tenha um candidato presidencial?

Já assim foi nas últimas eleições presidenciais.

O que não justifica que seja normal...

Sim. Eu parto sempre do princípio de que as eleições presidenciais são candidaturas individuais que, depois, os partidos políticos podem apoiar. No meu caso em concreto, eu entendo que é natural que assim seja. Recordo que fui diretor de campanha do Manuel Alegre numas eleições presidenciais e lutei para que o PS, na altura, apoiasse Manuel Alegre, dei-lhe apoio antes de ele ser apoiado pelo PS. Entendo como normal que os partidos o façam, também entendo que a opção política seja outra num determinado momento. Portanto, não me choca, não me chocou há quatro anos, e esta foi a opção que o PS fez. Eu apoio a candidata Ana Gomes, porque me revejo, ela é do meu campo político e entendo que vai ter um papel importante nestas eleições presidenciais.

Acaba ou não por compreender esta decisão do PS, tomada numa comissão nacional, ou seja, é ou não inteiramente legítimo que este Governo não queira afinal fazer nada que possa atingir a relação com aquele que mais provavelmente será, de novo, Presidente da República a seguir às eleições?

Eu não me opus à decisão. Participei nas várias reuniões que existiram e entendo que já há quatro anos assim foi. Quando existe a leitura e a interpretação de que os militantes estão divididos relativamente a esta dimensão e não existe uma candidatura do PS ou, pelo menos, promovida e apoiada pelo PS, percebo que se entenda que então mais vale nós não tomarmos uma posição oficial e concentramo-nos no que são outras dimensões da luta política nacional. Foi essa a decisão do PS, isso não significa que cada dirigente, cada militante, não assuma a sua posição e eu, no meu caso, assumi.

Explique-nos então porque é que apoia a Ana Gomes. É só por ela ser do PS?

Não, não. Eu tive oportunidade de explicar até nas minhas redes sociais, que são para isso mesmo.

Politicamente, o que é que Ana Gomes tem que Marcelo Rebelo de Sousa não teve nem nunca terá e que o leva a apoiá-la?

Desde logo, é uma candidata com que eu me identifico dentro daquilo que são os meus valores políticos; revejo-me no percurso que Ana Gomes teve ao longo da sua vida, quer como diplomata quer como eurodeputada. É alguém que teve sempre um papel muito ativo na defesa dos direitos humanos e, em concreto, é uma candidata progressista, de esquerda, defensora intransigente da liberdade e da nossa Constituição; e é também uma candidata que se situa no campo das novas tendências ambientalistas, com as quais eu também me identifico. Portanto, é uma candidata dentro do espaço político em que me revejo. Não subscrevo todas as posições políticas da Ana Gomes, mas também não subscreveria de muitos dos meus camaradas do PS em muitas matérias.

Subscreve alguma das posições políticas assumidas por Marcelo Rebelo de Sousa ao longo deste mandato?

Sim, sim. Tive oportunidade também de dizer que vejo aspetos positivos no mandato do Presidente da República, desde logo na relação institucional com o Governo, e agora, recentemente, na concentração de esforços no combate à pandemia. Mas isso não é suficiente para eu me sentir identificado com os valores e os princípios que estão por trás da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Eu tenho um conjunto de valores e de posições políticas de esquerda e que, obviamente, levam a que, entre os candidatos presidenciais, a pessoa com que eu me identifico mais seja a Ana Gomes, e é por isso que a apoio.

Vai envolver-se pessoalmente na campanha de Ana Gomes?

Isso dependerá. Já lhe dei o apoio público, mas eu sou membro do Governo e, portanto... farei essa gestão no tempo. Não tenho, para já, intenção, para além do apoio público que já dei, de me envolver na campanha. Tenho conversado várias vezes com a candidata. É uma participação que reflete muito a minha posição pessoal de apoio - que eu defendi nos órgãos do partido - e que vou sinalizando.

A distrital de Lisboa poderá colaborar de outra forma, por exemplo, na recolha de assinaturas para viabilizar a candidatura de Ana Gomes?

Não vejo razão para que não o faça, obviamente que o PS não tendo posição...

Já está a fazê-lo?

Sim, militantes do PS têm colaborado obviamente na recolha de assinaturas para Ana Gomes. Ela tem uma estrutura de campanha própria e é natural que dentro dela haja muitos militantes do PS. É normal.

Mas de uma forma institucional?

Não, formalmente, o PS, a partir do momento em que não apoia nenhuma candidatura não seria adequado que utilizasse todas as suas infraestruturas, os seus contactos, para o fazer. Mas, naturalmente, fá-lo de maneira informal, e é assim que deve ser.

"Não acho impossível que haja uma segunda volta, dependerá daquilo que seja a campanha presidencial e do que resultar do debate intenso."

Acha de todo impossível que aconteça uma segunda volta?

Não, não acho de todo impossível.

Está a batalhar por isso?

Não. Eu não estou envolvido na campanha presidencial. Houve campanhas presidenciais em que estive envolvido, inclusivamente sendo diretor de campanha, não é o caso. Não acho impossível que haja uma segunda volta, dependerá daquilo que seja a campanha presidencial e do que resultar do debate intenso - que acho bem que exista - entre os vários candidatos. Espero que Ana Gomes tenha uma candidatura que lhe permita ter um bom resultado.

Um bom resultado só pode ser essa passagem à segunda volta?

Imagino que sim, e também que afirme aqui um campo de oposição a um conjunto de debates que se têm introduzido no espaço público por uma das candidaturas - a nível da xenofobia, de um conjunto de tentativas de estigmatização social que devem ser frontalmente combatidas nestas eleições presidenciais.

No caso dessa segunda volta, o PS continuará a ter margem de manobra para não apoiar ninguém, como agora faz?

Eu não falo em nome do PS.

Na sua opinião, o que é que o PS deve fazer?

O PS já tomou uma decisão.

"O partido tem uma posição tomada que é a de não apoiar nenhuma candidatura. Não creio que essa situação mude em função da existência de uma segunda volta."

Vale para a segunda volta?

Eu creio que sim, mas não falo em nome do PS. Digo que o partido tem uma posição tomada que é a de não apoiar nenhuma candidatura. Não creio que essa situação mude em função da existência de uma segunda volta, sinceramente não tenho essa expectativa.

Em 1986, se não fosse uma sensacional mudança do PCP, o Dr. Mário Soares, que foi líder histórico do PS durante muitos anos, não teria sido eleito Presidente da República. No caso de uma segunda volta, com uma militante do PS...

Também não se na altura, se alguém fizesse a pergunta a um dirigente do PCP na primeira volta, relativamente à sua posição na segunda volta, se teria uma resposta muito diferente da minha. A minha expectativa é que o PS já tomou a sua posição.

Portanto não espera que, no caso dessa segunda volta, o PS apoie uma militante que até é do PS?

Como sabe, eu tenho uma posição sobre isso e já a assumi. Não tenho essa expectativa.

Se dependesse de si?

Eu não tenho a expectativa de que o PS tenha uma segunda posição sobre as eleições presidenciais.

Pedro Nuno Santos apoia Ana Gomes; Fernando Medina já disse que vai apoiar Marcelo Rebelo de Sousa. As linhas internas que se definem no PS a propósito das eleições presidenciais, parece-lhe que já refletem caminhos divergentes para a sucessão de António Costa?

Não.

De todo?

Não. Acho que não.

As diferenças internas no PS em relação às presidenciais não são, de certa forma, preambulares em relação a esse momento posterior da sucessão?

O PS não tem interesse nenhum em discutir aquilo que significa a sua liderança. É uma liderança que é absolutamente consensual e que ninguém põe em causa.

Mas não vai durar para todo o sempre...

Sim, mas isso é uma discussão que é exterior ao PS, que não interessa ao partido e que é muitas vezes colocada para tentar destabilizar o PS.

Mas parece claramente haver uma nova geração dentro do partido que, legitimamente, começa a pensar no futuro e nesse futuro está, naturalmente, a sucessão de António Costa.

Claro, mas estava a perguntar-se se a leitura que eu faço relativamente às posições políticas podem dar uma leitura sobre o futuro. Há uma leitura sobre as posições políticas que muitos de nós temos relativamente ao PS, àquilo que é o seu posicionamento, ao enquadramento dos valores que temos, ao campo político onde estamos mais confortáveis, mas isso é algo que se verifica em várias dimensões e também nas eleições presidenciais. Quem, eventualmente, tenha um posicionamento político mais de esquerda dentro do PS, se calhar identifica-se com posições políticas desta natureza, ou até pode votar noutros candidatos da esquerda. Depois, quem tenha posições políticas menos afirmativas do ponto de vista da esquerda pode sentir-se confortável em votar no atual Presidente da República. Isto é natural, são os posicionamentos políticos que cada um tem dentro do seu partido, e é isso que está a acontecer. Conheço muita gente que apoiará Ana Gomes, exatamente porque tem um posicionamento político que entende que, numas eleições presidenciais, deve apoiar alguém que tem um conjunto de princípios e de valores mais à esquerda.

Sobre o futuro do PS, mais ou menos próximo, apoiará Pedro Nuno Santos se ele, um dia, for candidato à liderança do partido?

Esta questão não se coloca e não me interessa colocá-la politicamente. Toda a gente conhece o meu percurso político, a afinidade que eu tenho com o Pedro Nuno Santos, o percurso que fizemos juntos, portanto conhecem as afinidades políticas e pessoais que eu tenho, mas essa questão não se coloca neste momento. Para além do percurso que nós temos tido juntos, tivemos oportunidade de subscrever uma moção no congresso. Quando o momento chegar, cada um assumirá as suas posições. Tenho tido um percurso paralelo, de alguma maneira conjunto, ao do Pedro Nuno em muitas matérias, o que revela a nossa afinidade de pensamento em muitas questões.

E o Duarte Cordeiro estará nessa batalha política, vê-se no futuro mais ou menos próximo como líder do PS, ou é algo que afasta em absoluto?

Eu não me vejo como líder do PS, não tenho essa ambição.

Vê-se mais ao lado de Pedro Nuno Santos do que assumindo uma candidatura em nome próprio?

Eu tenho convicções dentro do PS. Sempre assumi as minhas posições políticas, nunca me furtei a assumir de que lado estava em todos os momentos. Quando houve divisões dentro do PS, até no passado, fiz parte de grupos parlamentares em que não apoiava as direções do PS e assumi isso frontalmente. Nunca escondi. Quando chega o momento de tomarmos opções, cada um deve tomar a sua e eu tomarei a minha. Não me furtarei a nenhuma dessas matérias. Tenho afinidades políticas, não as escondo e sempre assumi as minhas posições com naturalidade. Toda a discussão de antecipação do futuro do PS não é positiva para o partido. Portanto, é natural que eu não queira participar nessa discussão. Neste momento isso é trazido com o objetivo de tentar, de alguma maneira, fazer passar a ideia de que o PS não tem um percurso longo pela frente com António Costa. Obviamente que não participarei nisso nem subscreverei essas conclusões.

"Se no final desta legislatura, António Costa será candidato outra vez às eleições legislativas para um novo mandato? Não sei responder, acho que ainda estamos muito longe dessa circunstância."

Para si não há dúvida de que António Costa será, nas próximas eleições, recandidato a primeiro-ministro?

Eu espero que nós cumpramos a legislatura até ao fim e depois logo se verá. Nós todos trabalhamos com perspetivas. Da mesma maneira em que colocam perguntas fazendo cenarizações, eu respondo com base naquilo que é o cenário, o trabalho que nós temos e o que são as nossas expectativas. O Governo tem a expectativa de cumprir a legislatura até ao fim. Esse é o cenário de trabalho que nós temos, não temos outro. Nós trabalhamos para encontrar entendimentos, apoios, cumprimos os Orçamentos, para chegar até ao fim. É esse o trabalho que nós desenvolvemos e é essa a expectativa que temos. Se no final desta legislatura, António Costa será candidato outra vez às eleições legislativas para um novo mandato? Não sei responder, ainda estamos muito longe dessa circunstância. Uma coisa eu sei: é primeiro-ministro, é líder do PS e nós queremos levar o mandato até ao fim.

Tendo sido duas legislaturas tão politicamente intensas, parece razoável começar a pensar um pouco na sucessão de António Costa...

Não, no nosso entender, não. Temos realmente de nos concentrar na governação, no que é o trabalho que desenvolvemos, cada um com as suas responsabilidades. Temos pela frente uma luta muito intensa contra a pandemia; temos um plano de vacinação para cumprir; temos a recuperação económica do país para fazer. É nisso que as pessoas esperam que nós nos concentremos.

Duarte Cordeiro preside também à FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa) do PS. Para si, é dado adquirido que Fernando Medina será novamente candidato à Câmara de Lisboa, terá todo o seu empenho?

Assim espero. Terá todo o meu apoio e todo o meu empenho.

Das onze autarquias que integram a FAUL, o PS lidera a câmara em sete. Qual é a meta que traça? Crescer onde, ou não crescer e ficar assim, ou não perder?

A ideia era completamente contraditória, dizer que nós nos candidatávamos para as onze câmaras da área urbana de Lisboa à espera de perder em alguma delas. [Risos] Nós queremos, obviamente, manter todas as câmaras onde hoje somos poder e temos feito um bom trabalho. Temos a expectativa de fazer crescer o número de câmaras a que o PS preside na área urbana de Lisboa.

Cascais, Oeiras, Loures, Mafra, são estas as quatro câmaras de que o PS não tem a presidência.

Tentaremos apresentar candidaturas obviamente fortes e que nós entendemos que podem ambicionar essa vitória.

Há alguma que lhe pareça possível?

No atual contexto que nós estamos a viver ainda estamos muito distantes das eleições autárquicas. Da mesma forma que o próprio Governo vai ter pela frente uma luta intensa no próximo ano, acho que os autarcas também. Isso pode significar que, nalguns casos, exista a vontade de mudança da parte de cidadãos que vivem em alguns dos concelhos que são presididos por câmaras que não são do PS. O PS tem bons autarcas, as câmaras onde o PS preside são bons exemplos de câmaras geridas pelo PS e são uma referência para câmaras que nós não presidimos. A expectativa que nós temos é a de apresentar candidaturas fortes a todas as câmaras. No caso, em concreto, das câmaras que são presididas pelo PS, em quase todas temos a possibilidade de recandidatar os seus presidentes, e eu acho que isso coloca o PS numa boa posição para continuar a ter a maioria das câmaras da área metropolitana de Lisboa.

Olhando para o próximo ano parlamentar, que se adivinha intenso, há maneira de transferir do OE para o Fundo de Resolução, o dinheiro sem um orçamento retificativo?

O que eu posso dizer é aquilo que o Ministério das Finanças já tem transmitido publicamente e que é que o Governo está a analisar a situação. No nosso entender assumiu-se aqui um risco muito grande na aprovação da desorçamentação da verba que estava prevista ser transferida do Fundo de Resolução para o Novo Banco e, com isso, assumimos aqui riscos que não controlamos. Nenhum dos partidos que votou a favor dessa medida controla. Nós tentámos impedir que isso acontecesse, explicando que o que menos precisávamos nesta altura, num contexto, volto a referir, de incerteza, de dificuldade, de crise económica, era de incerteza no sistema bancário. Especialmente, num banco que tem um número muito significativo de depositantes e trabalhadores. Portanto, da mesma forma que tentámos impedir que existisse esse impacto pela não aprovação dessa medida, vamos tentar fazer com que a aprovação dessa medida tenha o menor impacto possível.

Ainda não conseguiram concluir se isso será possível sem um orçamento retificativo?

Está a ser analisado pelo Ministério das Finanças e espero que essa análise permita. De alguma maneira, manter a tranquilidade no sistema bancário.

A questão do Fundo de Resolução pode ser o gatilho de uma qualquer crise política séria, como, por exemplo, em tempos foi a chamada crise dos professores, quando houve uma coligação e toda a oposição para aprovar uma determinada matéria salarial em relação aos professores?

Sabendo que é uma matéria que trazia riscos imprevisíveis, o Governo vai-se esforçar para que isso não aconteça. Desde o primeiro momento, o primeiro-ministro esforçou-se para sinalizar que, do lado do Governo, vamos fazer todos os esforços para que a aprovação desta medida não tenha um impacto que crie a instabilidade, especialmente no sistema bancário, que pode criar um problema, quer do ponto de vista da confiança no sistema bancário nacional quer ao nível das contas do próprio banco que tem um impacto muito grande. Faremos tudo para que isso não aconteça.

Tirando o combate à pandemia, já definiu quais os dossiers legislativos que vão dominar a agenda do Governo nos próximos meses na Assembleia da República?

Eu acho que esses vão ser os centrais, o combate à pandemia, a execução do Orçamento, todas as matérias relativas às decisões que vão sendo necessárias no âmbito do estado de emergência. O quadro legislativo, hoje, está mais claro. Durante este ano houve a necessidade de termos uma produção legislativa extraordinária e aí - honra seja feita - com a compreensão e a participação de todos os partidos políticos na Assembleia da República, quer na rapidez do agendamento quer até na disponibilidade para discutir temas bastante complexos num curto período. Penso que, hoje, o quadro está mais estável, mas pode-se colocar a necessidade de haver outra vez produção legislativa extraordinária no âmbito da pandemia. Não estamos a contar com isso à partida, portanto, eu diria que a execução do Orçamento, a execução das medidas na área da saúde, são centrais naquilo que esperamos que seja uma atividade intensa no Parlamento.

Qual será, eventualmente, o próximo dossier a forçar ou a proporcionar a necessidade de conversas entre o Governo/PS e o Bloco de Esquerda? Como é que estão as questões laborais?

A líder do BE, Catarina Martins, sinalizou a sua disponibilidade para um entendimento na questão do SNS. Para nós, é bom que fique claro, o BE tomou a posição política que tomou e o Governo não fecha portas futuras ao BE, mas temos de ter noção que nós assumimos agora compromissos com vários partidos na Assembleia da República em torno do OE e, também, em torno de medidas para o SNS. Portanto, o entendimento tem de passar pelo reconhecimento das medidas que nós aprovámos no OE e pela sua execução. Nós temos a intenção objetiva de executar o OE, e achamos que ele é bom para os portugueses. Confere confiança, esperança e dá uma almofada de apoio, mas também dá respostas. No SNS temos um conjunto muito significativo de medidas.

"Não fechamos a porta a diálogos futuros com o BE. Mas não podemos também virarmos as costas aos partidos que nos apoiaram no OE."

É essa a resposta para Catarina Martins quando ela propõe um acordo sobre o SNS? É o que está no OE, estamos conversados?

Eu não disse isso. Eu disse que temos primeiro de começar por reconhecer o que está no OE e aquilo que nós pretendemos executar no âmbito do OE. Nós assumimos compromissos com os partidos que viabilizaram o Orçamento. A nossa prioridade é cumprir esses compromissos. Se da parte do BE existir disponibilidade para continuar a conversar no futuro, nós não fechamos a porta a diálogos futuros com o BE em nenhuma matéria, mas não podemos também - seria absolutamente errado - virarmos as costas ou ignorarmos os partidos que nos apoiaram na viabilização do OE - o PCP, o PAN, o PEV e as duas deputadas não inscritas. Portanto, o PS quer cumprir com o que foi o OE, mas não fecha a porta ao diálogo com o BE, nomeadamente para o futuro. Se nos cruzarmos em torno destes debates, quer nas matérias que vão ser debatidas na concertação social e que futuramente podem vir a ser discutidas no Parlamento, quer em matérias relativas ao próprio SNS, quer outras matérias sobre as quais nos disponibilizámos a discutir depois da pandemia, como, por exemplo, o tema da dedicação plena, que foi uma matéria que nós nos disponibilizámos para discutir. Não fugimos a qualquer tipo de conversa, pelo contrário.

E sobre a legislação laboral?

Sobre a legislação laboral, o Governo foi claro, dando nota de que, durante o ano de 2021, está disponível para, no âmbito da concertação social, discuti-la e às matérias que nos sejam trazidas pelos parceiros sociais. Há algumas medidas que têm sido trazidas em sede de OE e que nós entendemos que não é o local mais adequado para essa discussão, remetemos para concertação social e mostramos essa disponibilidade para discutir aí. Daí pode resultar, naturalmente, discussões legislativas posteriores.

Em síntese: quanto a conversas com o Bloco, não está nada previsto nem há perspetiva disso.

Eu quero situar a conversa que nós estamos a ter: acontece uma semana depois de o OE ter sido aprovado. É natural que, neste momento, as conversas que nós temos resultem do OE que nós aprovámos, e é normal que os compromissos que nós assumimos resultem dos que assumimos no Orçamento. Isso significa que nós estamos indisponíveis para dialogar com o Bloco no futuro? Não, não significa. Significa que damos prioridade ao que assumimos no OE.

Mas esse futuro é quando?

Durante o ano, quando as discussões se colocarem. Não seremos nós, com certeza, nesta fase a ignorar o que aprovámos no Orçamento e a dizer que estas não são as nossas prioridades. As matérias que aprovámos no OE têm um amplo campo de convergência e isso permite que outros partidos políticos também convirjam nessas matérias, na forma como elas são executadas, na contribuição para a forma como elas podem ser ou não executadas. Portanto, o BE, se entender, não tem de se excluir desse debate.

Nós percebemos, mas ouvindo-o parece que não há uma grande vontade política de encetar essas conversas...

Existe total disponibilidade para conversar no futuro. Volto a repetir o que disse há pouco: o facto de o PCP ter votado contra o orçamento suplementar, não nos inibiu de continuarmos a conversar com o PCP e de conseguirmos um entendimento no âmbito do OE de 2020. Também não acho que o facto de o BE ter votado contra nos inibirá de conversar com o Bloco. Agora, volto a referir, nós saímos deste OE com um conjunto de compromissos, de prioridades, e é isso que nós procuraremos cumprir. Nós achamos que a melhor forma, até para o próprio BE, até para eventuais conversas com o BE, é cumprirmos com o que está no Orçamento. Porque o que lá está, parece-nos, tem uma amplitude muito significativa que responde a um conjunto de áreas e domínios dentro das prioridades que o Governo definiu - combate à pandemia, recuperação de rendimentos e proteção das pessoas, mas também apoio à economia. Também são matérias a que, penso eu, apesar do voto contra, o Bloco dá valor. Este OE foi um Orçamento de esquerda, aprovado por um conjunto de partidos. Nós temos um conjunto de compromissos que pretendemos cumprir. No âmbito do OE, obviamente continuaremos o diálogo à esquerda e com os partidos ambientalistas e não excluímos o BE desse diálogo.

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