Enfados e outras tragédias quase gregas

25-10-2019
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O que verdadeiramente conta é que a narrativa se sintonize com a realidade, por exemplo, nos serviços públicos essenciais, que as grandes proclamações tenham tradução prática sustentável.

Boa parte de quem exercita o bitaite inconsequente nas redes sociais ou a coberto de outros espaços digitais de liberdade de expressão, nunca teve de refletir, agir e ser responsável pela condução de alguma ideia, projeto ou empreendimento, além do por cá andar. Não viria mal ao mundo. se essa alegada participação cívica não fosse um exercício superficial, inconsequente e sem adição de valor às dinâmicas positivas da vivência em comunidade.

Os portugueses participaram recentemente em eleições, o que em democracia costuma significar um novo ciclo de exercício de mandatos populares pelos eleitos, transportando novas energias, dinâmicas e ambições. Ao invés, o que se assiste é um certo enfado, entre os que, ganhando, reconfiguraram o Governo com algumas surpresas e os que, perdendo, persistem num quadro de desnorte perante a insatisfação do caminho proposto ou o descalabro dos resultados.

O enfado pode radicar do fim de um modelo de solução governativa, cuja sustentabilidade questionámos desde início. A realidade confirmou as dúvidas.

O enfado pode estar na recomposição do Governo sem ligações familiares, cujos padrões de exagero questionámos desde o tempo da Câmara Municipal de Lisboa. A realidade confirmou as dúvidas.

O amorfismo pode até estar num certo endeusamento de protagonistas da anterior solução governativa que agora são reposicionados em baixa na orgânica do Governo. Não se pode endeusar Mário Centeno como o Ronaldo das Finanças e depois colocá-lo a jogar à defesa.

O desencanto pode estar na perceção pública de uma certa redistribuição permanente de jogo para que as partes se digladiem ou posicionem nos tabuleiros da sucessão partidária, dificultando a obtenção de vantagens futuras ou de posição dominante. Não sendo linear ou coerente, o exercício político implica riscos, sempre negligenciados e desculpados pela generalidade dos media.

Há uma conjugação de enfados que ajudam a compreender o ambiente político, social e mediático mortiço, sem entusiasmo, sem estado de graça e, aparentemente, sem grande expetativa sobre o exercício futuro.

Perante dúvidas na configuração do modelo de gestão política para a legislatura e em algumas escolhas para a equipa, nada como responder com ação, concretização e obtenção de resultados sustentados que confirmem as necessidades e as expetativas criadas, as estruturais e as quotidianas. Nada como agir em função das prioridades enunciadas, sem narrativas de desculpabilização que, já se viu, mais à frente, são desmentidas pelas correções.

Como sempre as escolhas são sintomáticas de quem lidera, vão contar com uma oposição à procura de pontos de apoio para reconfigurarem o seu posicionamento político neste novo quadro de referência. O que verdadeiramente conta é que a narrativa se sintonize com a realidade, por exemplo, nos serviços públicos essenciais, que as grandes proclamações como a valorização do Interior tenham tradução prática sustentável e que existam linhas de rumo para futuro.

“Gerir o declínio” de parte do território, como defendeu a nova ministra da coesão territorial, Ana Abrunhosa, podendo ser sinónimo de proximidade à realidade existente, não pode ser a referência genérica de uma governação que se queira minimamente eficiente na resposta ao presente e transformadora da realidade para um futuro melhor. É claro que terão que existir respostas de discriminação positiva orientadas para objetivos gerais, a par de respostas cirúrgicas em função das realidades, das dinâmicas e do potencial existente. Sim, no Interior também existem dinâmicas à sua escala, diferenciadoras e com enorme potencial numa sociedade e num mundo que são cada vez mais segmentados. Se os gostos e as necessidades estão cada vez mais segmentados, em linhas dedicadas e em função de nichos de interesses, porque havemos querer sempre massificar. O princípio da igualdade é tratar de forma igual o que é similar e de forma diferente o que é diverso. O Interior é diferente do Litoral, o rural é diferente do urbano, ainda bem!

É certo que são muitos os sinais de declínio decorrentes de problemas estruturais, de passivos acumulados e de respostas adiadas, mas um país não pode sinalizar que desiste de uma parte enquanto se bate por aumentar a sua plataforma continental marítima.

Não pode haver espaço para a institucionalização do “atirar de toalhas ao chão”, que todos já percebemos terem custos humanos, ambientais, sociais e económicos elevadíssimos.

Não queiramos que à falta de entusiasmo e ao enfado se sucedam pequenas tragédias, mais ou menos gregas. Portugal não é mesmo a Grécia.

NOTAS FINAIS

FASTIO Portugal tem registado um aumento da sinistralidade rodoviária, numa inversão das tendências das últimas décadas. Com muito pouco a ser feito na prevenção e o foco na repressão, é inconcebível que o Fundo de Garantia Automóvel, resultante de receita dos seguros automóveis que todos pagamos, acumule milhões de euros em saldo. A sua não utilização em prevenção e segurança rodoviária é tão miserável como o desvio de verbas que o governo PSD/CDS fez para a aquisição de viaturas para as forças de segurança.

NÃO PROCASTINAR A taxa de risco de pobreza é a mais baixa de sempre, 17,3% da população, mas incluindo as prestações sociais como pensões e subsídios. Comparativamente aos 28 países da UE, e segundo dados do Eurostat, Portugal está pior do que a média os seus parceiros comunitários (16,9%), com apenas dez países a ter piores resultados. Avanços positivos, importa, de uma vez por todas, focar esta questão como prioridade política.

Escreve à segunda-feira

O que verdadeiramente conta é que a narrativa se sintonize com a realidade, por exemplo, nos serviços públicos essenciais, que as grandes proclamações tenham tradução prática sustentável.

Boa parte de quem exercita o bitaite inconsequente nas redes sociais ou a coberto de outros espaços digitais de liberdade de expressão, nunca teve de refletir, agir e ser responsável pela condução de alguma ideia, projeto ou empreendimento, além do por cá andar. Não viria mal ao mundo. se essa alegada participação cívica não fosse um exercício superficial, inconsequente e sem adição de valor às dinâmicas positivas da vivência em comunidade.

Os portugueses participaram recentemente em eleições, o que em democracia costuma significar um novo ciclo de exercício de mandatos populares pelos eleitos, transportando novas energias, dinâmicas e ambições. Ao invés, o que se assiste é um certo enfado, entre os que, ganhando, reconfiguraram o Governo com algumas surpresas e os que, perdendo, persistem num quadro de desnorte perante a insatisfação do caminho proposto ou o descalabro dos resultados.

O enfado pode radicar do fim de um modelo de solução governativa, cuja sustentabilidade questionámos desde início. A realidade confirmou as dúvidas.

O enfado pode estar na recomposição do Governo sem ligações familiares, cujos padrões de exagero questionámos desde o tempo da Câmara Municipal de Lisboa. A realidade confirmou as dúvidas.

O amorfismo pode até estar num certo endeusamento de protagonistas da anterior solução governativa que agora são reposicionados em baixa na orgânica do Governo. Não se pode endeusar Mário Centeno como o Ronaldo das Finanças e depois colocá-lo a jogar à defesa.

O desencanto pode estar na perceção pública de uma certa redistribuição permanente de jogo para que as partes se digladiem ou posicionem nos tabuleiros da sucessão partidária, dificultando a obtenção de vantagens futuras ou de posição dominante. Não sendo linear ou coerente, o exercício político implica riscos, sempre negligenciados e desculpados pela generalidade dos media.

Há uma conjugação de enfados que ajudam a compreender o ambiente político, social e mediático mortiço, sem entusiasmo, sem estado de graça e, aparentemente, sem grande expetativa sobre o exercício futuro.

Perante dúvidas na configuração do modelo de gestão política para a legislatura e em algumas escolhas para a equipa, nada como responder com ação, concretização e obtenção de resultados sustentados que confirmem as necessidades e as expetativas criadas, as estruturais e as quotidianas. Nada como agir em função das prioridades enunciadas, sem narrativas de desculpabilização que, já se viu, mais à frente, são desmentidas pelas correções.

Como sempre as escolhas são sintomáticas de quem lidera, vão contar com uma oposição à procura de pontos de apoio para reconfigurarem o seu posicionamento político neste novo quadro de referência. O que verdadeiramente conta é que a narrativa se sintonize com a realidade, por exemplo, nos serviços públicos essenciais, que as grandes proclamações como a valorização do Interior tenham tradução prática sustentável e que existam linhas de rumo para futuro.

“Gerir o declínio” de parte do território, como defendeu a nova ministra da coesão territorial, Ana Abrunhosa, podendo ser sinónimo de proximidade à realidade existente, não pode ser a referência genérica de uma governação que se queira minimamente eficiente na resposta ao presente e transformadora da realidade para um futuro melhor. É claro que terão que existir respostas de discriminação positiva orientadas para objetivos gerais, a par de respostas cirúrgicas em função das realidades, das dinâmicas e do potencial existente. Sim, no Interior também existem dinâmicas à sua escala, diferenciadoras e com enorme potencial numa sociedade e num mundo que são cada vez mais segmentados. Se os gostos e as necessidades estão cada vez mais segmentados, em linhas dedicadas e em função de nichos de interesses, porque havemos querer sempre massificar. O princípio da igualdade é tratar de forma igual o que é similar e de forma diferente o que é diverso. O Interior é diferente do Litoral, o rural é diferente do urbano, ainda bem!

É certo que são muitos os sinais de declínio decorrentes de problemas estruturais, de passivos acumulados e de respostas adiadas, mas um país não pode sinalizar que desiste de uma parte enquanto se bate por aumentar a sua plataforma continental marítima.

Não pode haver espaço para a institucionalização do “atirar de toalhas ao chão”, que todos já percebemos terem custos humanos, ambientais, sociais e económicos elevadíssimos.

Não queiramos que à falta de entusiasmo e ao enfado se sucedam pequenas tragédias, mais ou menos gregas. Portugal não é mesmo a Grécia.

NOTAS FINAIS

FASTIO Portugal tem registado um aumento da sinistralidade rodoviária, numa inversão das tendências das últimas décadas. Com muito pouco a ser feito na prevenção e o foco na repressão, é inconcebível que o Fundo de Garantia Automóvel, resultante de receita dos seguros automóveis que todos pagamos, acumule milhões de euros em saldo. A sua não utilização em prevenção e segurança rodoviária é tão miserável como o desvio de verbas que o governo PSD/CDS fez para a aquisição de viaturas para as forças de segurança.

NÃO PROCASTINAR A taxa de risco de pobreza é a mais baixa de sempre, 17,3% da população, mas incluindo as prestações sociais como pensões e subsídios. Comparativamente aos 28 países da UE, e segundo dados do Eurostat, Portugal está pior do que a média os seus parceiros comunitários (16,9%), com apenas dez países a ter piores resultados. Avanços positivos, importa, de uma vez por todas, focar esta questão como prioridade política.

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