Câmara Corporativa: "Refundação" do Estado e direitos fundamentais

31-03-2020
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• Maria Eduarda Gonçalves, António Carlos Santos e João Pato, "Refundação" do Estado e direitos fundamentais [hoje no Público]: ‘A intervenção do Estado para combater a crise financeira, socializando custos, e a pretensão de cortar, a fundo e sem critério, na despesa social fazem perigar direitos fundamentais inerentes aos valores da democracia e do Estado de direito. É urgente "levar os direitos a sério" (Dworkin). O princípio maioritário tem limites que, como exige o princípio da separação de poderes, são, entre nós, garantidos sobretudo pelo Tribunal Constitucional (TC). Falar de excesso de direitos ou de judicialização da política é apenas um modo de defender que o poder político não deve ter limites quando aja em favor do poder económico não democrático. É jurisprudência assente nos planos internacional e interno que, sempre que estejam em causa medidas restritivas de direitos fundamentais dos cidadãos em nome do interesse público, deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade: essas medidas devem ser sempre fundadas numa avaliação da sua necessidade e à luz de alternativas que podendo alcançar os mesmos fins se revelem menos gravosas para as pessoas. Acórdãos recentes do TC alemão (2010) explicitaram de forma precisa as exigências substantivas e procedimentais a cumprir nestas circunstâncias, entre outras: a garantia de níveis mínimos de proteção social compatíveis com a dignidade humana, no plano físico e no da participação social, cultural e política dos indivíduos, e a divulgação dos métodos de cálculo das prestações sociais ou cortes. Na mesma linha, numa decisão modelar, o TC da Letónia (2009) declarou inconstitucional uma legislação (recomendada pelo FMI) que, a fim de conter o défice público, determinava reduções nas pensões. Argumentou o tribunal que o governo deveria ter ponderado alternativas menos restritivas e garantido períodos de transição ou compensações futuras pelos cortes, frisando ainda o imperativo de garantir níveis sociais mínimos para os pensionistas, independentemente dos recursos disponíveis. A "refundação" tecnoburocrática do Estado promovida pelo governo não respeita minimamente estes princípios. É, de resto, paradoxal que o governo seja tão solícito para incorporar na Constituição limites ao défice e à dívida (no fundo, a constitucionalização da austeridade) e tão pouco diligente quando se trata de cumprir os deveres constitucionais que lhe cabem em matéria de direitos fundamentais dos cidadãos.’


• Maria Eduarda Gonçalves, António Carlos Santos e João Pato, "Refundação" do Estado e direitos fundamentais [hoje no Público]: ‘A intervenção do Estado para combater a crise financeira, socializando custos, e a pretensão de cortar, a fundo e sem critério, na despesa social fazem perigar direitos fundamentais inerentes aos valores da democracia e do Estado de direito. É urgente "levar os direitos a sério" (Dworkin). O princípio maioritário tem limites que, como exige o princípio da separação de poderes, são, entre nós, garantidos sobretudo pelo Tribunal Constitucional (TC). Falar de excesso de direitos ou de judicialização da política é apenas um modo de defender que o poder político não deve ter limites quando aja em favor do poder económico não democrático. É jurisprudência assente nos planos internacional e interno que, sempre que estejam em causa medidas restritivas de direitos fundamentais dos cidadãos em nome do interesse público, deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade: essas medidas devem ser sempre fundadas numa avaliação da sua necessidade e à luz de alternativas que podendo alcançar os mesmos fins se revelem menos gravosas para as pessoas. Acórdãos recentes do TC alemão (2010) explicitaram de forma precisa as exigências substantivas e procedimentais a cumprir nestas circunstâncias, entre outras: a garantia de níveis mínimos de proteção social compatíveis com a dignidade humana, no plano físico e no da participação social, cultural e política dos indivíduos, e a divulgação dos métodos de cálculo das prestações sociais ou cortes. Na mesma linha, numa decisão modelar, o TC da Letónia (2009) declarou inconstitucional uma legislação (recomendada pelo FMI) que, a fim de conter o défice público, determinava reduções nas pensões. Argumentou o tribunal que o governo deveria ter ponderado alternativas menos restritivas e garantido períodos de transição ou compensações futuras pelos cortes, frisando ainda o imperativo de garantir níveis sociais mínimos para os pensionistas, independentemente dos recursos disponíveis. A "refundação" tecnoburocrática do Estado promovida pelo governo não respeita minimamente estes princípios. É, de resto, paradoxal que o governo seja tão solícito para incorporar na Constituição limites ao défice e à dívida (no fundo, a constitucionalização da austeridade) e tão pouco diligente quando se trata de cumprir os deveres constitucionais que lhe cabem em matéria de direitos fundamentais dos cidadãos.’

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