A nova ala pediátrica do S. João continua por construir. As situações chocantes (com fotos), as suspeitas sobre o dinheiro e o passa-culpas

12-05-2020
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O porta-voz da associação de pais revela o caso de uma criança “que estava a fazer radioterapia, estava em estado muito débil, infelizmente, e foi fazer radioterapia nestas condições. Sabe quantas horas esteve à espera da ambulância para voltar para o quarto? Quatro horas. Isto é desumano, é criminoso fazer isto a uma criança que está em perigo de vida”. Jorge Pires avança que, na altura, foi aberto um inquérito dentro do hospital a esta situação.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ofereceu uma ambulância nova para o transporte, mas, segundo o fundador da APOHSJ, o risco que ocorre com esta deslocalização dos doentes mantém-se. Jorge Pires questiona ainda qual é o papel da Entidade Reguladora de Saúde nestes casos e não percebe como não há relatórios de inspeções.

António Oliveira e Silva, na altura em final de mandato no conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, nega esta informação e afirma que não tem conhecimento da espera de quatro horas de uma criança pelo transporte para a levar ao quarto dentro do próprio hospital. Diz até que um caso destes “seria muito estranho”, até porque sempre houve uma ambulância dedicada em exclusivo a esse tipo de transportes, mesmo antes de o hospital receber a nova ambulância oferecida pela Câmara do Porto, que tem melhores condições.

Sobre as obras que Jorge Pires afirma que foram feitas com o objetivo de maquilhar as más condições e tapar os buracos por altura da visita do Presidente da República, António Oliveira e Silva garante que os melhoramentos já estavam anunciados, foram feitos ao longo de meses “e alguns, provavelmente, acabaram nessa semana”. O ex-administrador revela que nas casas de banho também estavam previstas recuperações e melhoria das condições, tal como a requalificação de um espaço para servir de sala para os pais e uma ludoteca só para as crianças que estão com as defesas em baixo e que estão separadas das outras.”Isso tudo ficou em andamento. Isso nunca foi esquecido. As pessoas não podem pensar que estão ali meia dúzia de sádicos que não fazem nada com o objetivo de tornar isto assim tão dramático”, refere Oliveira e Silva ao Observador. Ainda assim, o ex presidente do conselho de administração faz o mea culpa: “Não estou a dizer que as condições são boas, porque eu próprio assumi que as condições eram miseráveis, porque eram mesmo, e era preciso chamar a atenção de uma maneira forte para se conseguir aquilo que se conseguiu, embora tenha demorado tempo”.

Associação O Joãozinho abandona a obra

A 15 de abril, depois de anos de luta entre a Associação O Joãozinho e o Hospital de São João, surgiu o anúncio que deita por terra a construção da ala pediátrica com recurso a financiamento de mecenas. Na prática, Pedro Arroja e o projeto que lidera anunciam publicamente que vão abandonar definitivamente a construção da ala pediátrica, da qual, até aqui, tinham a titularidade. Justificam que levaram ao “limite a sua missão mecenática”, como anunciou Pedro Arroja à Lusa.

Ao Observador, o responsável aponta o dedo ao hospital: “Nunca cumpriu a cláusula primeira do acordo que celebrou connosco, de nos ceder o espaço para que nós pudéssemos fazer a obra”, através da deslocalização do Serviço de Sangue, o que chegou a motivar uma ação em tribunal. O hospital também chegou a avançar para a justiça com o objetivo de obter de volta a parcela do terreno.

Segundo Pedro Arroja, o Governo anda há um ano, desde o escândalo público da denúncia dos pais, a afirmar que fará a obra. Assim, decidiram tomar uma decisão “em nome do bem das crianças”: “Já que o Governo não nos deixa a nós fazer a obra, entendemos não ser um impedimento para que o Governo a possa fazer”. Isso não significa, porém, que Arroja acredite mesmo que a construção vai avançar como agora é anunciado. Diz que “os timings têm sempre escorregado” e que continuarão a escorregar.

Depois de muitos diferendos e de o hospital ter pedido reiteradamente para que a associação devolvesse os terrenos, Pedro Arroja assume a frustração e afirma que a obra estava encaminhada para se fazer por via mecenática com o apoio das grandes empresas do país. Para o presidente da Associação O Joãozinho, o grande obstáculo foi sempre o Governo, que “boicotou” a empreitada desde que a obra parou em março de 2016. A espera terminou e agora o terreno está aberto, “lutámos, falámos com a administração do hospital, com dois ministros, a pedir por favor obriguem o hospital a desocupar o espaço, a cumprir aquilo que assinou para que nós possamos continuar a obra. Nada feito, disseram sempre que não. Não vale a pena bater contra uma parede”, desabafa Pedro Arroja.

Se a associação tivesse tido a possibilidade de avançar com a obra, garante que “a esta hora já estaria pronta e paga. Não tenho dúvida nenhuma acerca disso, havia um plano financeiro, havia consórcio construtor, e estava tudo a andar maravilhosamente bem mas o governo escolher sacrificar as crianças mais três anos aquelas condições miseráveis e indignas, palavras do ex presidente do hospital de São João”.

Ora, António Oliveira e Silva tem outra versão dos factos. “O que foi pedido à associação O Joãozinho, um mês depois de eu ter entrado, foi que nos desse garantias de construção. Que nos dissessem assim “nós temos este dinheiro, temos timings para cumprir e garantimos a construção”. Garantias essas nunca foram dadas, segundo o ex administrador. De acordo com Oliveira e Silva, “a associação argumentava sempre que tinha mecenas, mas o que é certo é que nós não podíamos ficar por aí. Tínhamos que ter garantias, que não tínhamos.” O receio era de que houvesse um “pretexto para o Estado nunca se envolver diretamente no assunto”.

Jorge Pires da APOHSJ, afirma ao Observador que a Associação Joãozinho podia não ter “todo dinheiro todo de uma vez, porque a obra seria paga em três exercícios fiscais. Uma empresa em vez de se descapitalizar num ano só, vai distribuindo por vários exercícios. Não dá para pedir às empresas que ponham o dinheiro na conta se a obra está parada”. Contudo, observa que nunca houve da parte da construtora acusação de que havia falta de dinheiro para a obra e que até estava previsto que o consórcio recebesse adiantado. O porta-voz considera que a associação e Pedro Arroja não tinham qualquer tipo de postura clandestina, pelo contrário, tiveram apoio institucional para se tornarem os impulsionadores da construção.

A Associação Joãozinho decidiu, finalmente, doar a frente de obra, tal como está, já com os primeiros trabalhos de demolição efetuados, conforme o acordo de cooperação que foi celebrado. A associação humanitária garante que vai continuar a ajudar as crianças, e está em conversações com a associação de pais, para que indique as carências mais graves, com o objetivo de canalizar verbas para a ajuda de situações específicas e para quem mais precisa, as crianças e as suas famílias.

“Uma vez que o hospital não quis a construção com dinheiro privado, esse dinheiro privado não deve ser doado ao hospital. O dinheiro deve ser canalizado para ajudar as crianças” afirma Jorge Pires da APOHSJ, que acedeu ao repto lançado por Pedro Arroja para fazer uma proposta para identificar os casos mais sensíveis. Vamos colaborar, não queremos dinheiro nenhum para nós, nunca quisemos. Temos aqui o papel de denunciantes e de acompanhantes deste processo, e não vamos querer que passe por nós um cêntimo sequer. Vamos fazer a ponte só”, diz o porta-voz dos pais.

As dúvidas sobre as verbas de donativos

Jorge Pires, o porta-voz da APOHSJ, afirmou ao Observador que tem dúvidas sobre o dinheiro que foi angariado quando foi criado o projeto “Um Lugar para o Joãozinho”, por iniciativa do próprio hospital, tendo depois sido criada a associação O Joãozinho que ficou encarregue da angariação de fundos privados. O projeto inicial, lançado em 2009, já previa uma campanha de financiamento que chegou a ir para o terreno. Em outubro de 2010, o Jornal de Notícias publicava que o projeto “Joãozinho” já tinha angariado 4 milhões de euros.

Jorge Pires pergunta: “Quanto dinheiro foi transferido do hospital para associação Joãozinho?”, e responde, “foram transferidos 549 mil euros”. Se foi assim, volta a questionar “o que foi feito dos outros 3 milhões e qualquer coisa da diferença que havia para os 4 milhões que havia angariado para a obra?”.

António Oliveira e Silva, anterior presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, nega esta versão. Afirma ao Observador, que o centro hospitalar conseguiu angariar à volta de 580 mil euros, “o que para uma construção que estava orçamentada em 25 milhões de euros era irrelevante”. Nunca houve quatro milhões, assegura Oliveira e Silva, que reconhece, contudo que houve um anúncio público de haver essa possibilidade que nunca se concretizou. Os 580 mil euros, garante, que foram transferidos para O Joãozinho, aquando da constituição da associação.

Jorge Pires ainda afirma que foram feitos programas de televisão com números pagos a contribuir para a obra do Joãozinho e pergunta quem controlou esse dinheiro, que considera que foi desnorteado. Entre as iniciativas de apoio e obtenção de financiamento solidário que foram levadas a cabo, Oliveira e Silva destaca a contribuição com um euro do salário por parte dos funcionários do hospital, ou fundos conseguidos em corridas e meias-maratonas, e até, a ajuda para conseguir o trabalho de educadoras para dar apoio às crianças internadas ao fim de semana. Sobre chamadas de valor acrescentado, só tem conhecimento de um caso desse tipo de apoio que ocorreu durante a Gala dos 50 anos do Hospital de São João, em 2009.

Transferência provisória para edifício principal só em junho, mas esteve prevista para abril

Antes de deixar o cargo, António Oliveira e Silva fez mais um anúncio que sofreu um recuo. A 3 de janeiro deste ano, o então presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, afirmava que as crianças com doença oncológica internadas em contentores iriam ser transferidas para o edifício principal em abril. O mês já chegou ao fim e nada disso se verificou.

O hospital anunciou, posteriormente, que essa transferência ocorrerá agora em junho. Esta é mais uma situação alvo da revolta de Jorge Pires. O presidente da APOHSJ reclama que “O Dr. Oliveira e Silva garantiu-me que estava tudo a decorrer dentro dos prazos até ele sair. Estavam agendadas duas semanas no mês de abril para limpeza e reabilitação no novo espaço que iria acolher as crianças, mas que achava estranho esta mudança radical de prazos”. António Oliveira e Silva tinha assumido um compromisso, que não foi cumprido. O Hospital de São João é agora liderado por Fernando Araújo, ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde.

Jorge Pires considera que na base do problema está a falta de funcionários para assegurar os serviços na ala oncológica remodelada do edifício central, e no internamento de pediatria, que para já irá continuar nas instalações dos contentores. “Como é que vão mudar as crianças de oncologia para o internamento lá dentro, se para o fazer precisam de deslocalizar auxiliares, médicos, enfermeiros? Se não contratarem auxiliares que não têm, não podem mudar as crianças”. Uma contratação nova precisa de um a três meses para se integrar no serviço, perguntei eu no hospital. O pai, afirma que os profissionais já deviam ter sido contratados, porque segundo sabe, os funcionários precisam de ganhar ritmos. Mais uma vez, acusa os responsáveis políticos de “criar uma expectativa positiva nas pessoas, numa altura eleitoral. Na prática quem está lá dentro sabe que não vai acontecer nada. É uma manobra política para cativar votos”.

Oliveira e Silva tem outra explicação. Apesar de já ter deixado a liderança dos destinos do São João, afirma que a transferência das crianças está dependente de duas obras nos pisos 7 e 8, para onde vão os serviços de neurocirurgia – que está em contentores há mais tempo de que a pediatria e em condições muito piores – e o serviço de hematologia clínica. A transferência deste último serviço já está concluída. Esta terça-feira, o hospital anunciou que “após o término das obras no piso 8 conseguiu-se finalmente concluir a união das duas vertentes do Serviço de Hematologia Clínica, separadas desde há mais de 10 anos, no mesmo espaço físico. O novo serviço integra a Unidade de Transplantação com oito quartos de isolamento, uma área de tratamento de doentes leucémicos e hemato-oncológicos com 10 quartos de isolamento e 14 camas de enfermaria”.

Para o antigo presidente do conselho de administração do hospital, “é uma questão de instalações. A obra está pronta”, mas a transferência já não volta atrás. Sobre as questões levantadas acerca de falta de pessoal de enfermagem e auxiliar, Oliveira e Silva afirma que as contratações estão garantidas pelo Ministério da Saúde, já que “a pulverização dos serviços, o facto de ter o serviço só num sítio e passar a tê-lo em dois ou três, obriga a ter mais profissionais”.

Governo e hospital garantem: obra começa até ao final do ano, mas as dúvidas continuam

“Fui à Assembleia da República pedir o ajuste direto, todos me deram razão. Quiseram ficar com os louros da proposta de alteração ao Orçamento de Estado, que lançaram mais tarde. As politiquices têm destas coisas”. A afirmação é de Jorge Pires que lidera a APOHSJ, que reclamava uma medida de exceção face à gravidade da situação.

Jorge Pires foi ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde a 10 de outubro de 2018, exatamente seis meses depois de ter denunciado as más condições do internamento pediátrico oncológico no Hospital de São João. No dia 20 do mesmo mês, a associação promoveu um cordão humano como forma de protesto e para chamar a atenção para o problema. Ainda sem garantias de financiamento ou de um mecanismo que assegurasse a obra, oito dias depois, Fernando Jesus, deputado do PS, anunciou que as obras de construção da nova ala pediátrica iriam começar em janeiro de 2019. A 7 de novembro do ano passado, o PSD sugeriu que o ajuste direto deveria ser considerado neste caso. No dia 15 desse mês, o PS, através do líder parlamentar e presidente do partido, Carlos César, anunciou a proposta socialista para o efeito. O ajuste direto, que implicou uma alteração ao Orçamento de Estado de 2018, foi aprovado por unanimidade no parlamento a 27 de novembro. No dia seguinte, José Artur Paiva, diretor clínico do Centro Hospitalar e Universitário de São João afirma, em declarações aos jornalistas na unidade hospitalar, “as obras arrancam já em 2019 e prevê-se que fiquem concluídas em 2021”.

Antes da aprovação do ajuste direto, a APOHSJ estudava uma queixa-crime contra quem mandou parar a obra, e acusava a ministra da saúde Marta Temido de deixar o projeto na gaveta. Essa queixa não foi para a frente.

No dia de Natal, Marta Temido acompanhou a visita de Marcelo Rebelo de Sousa à pediatria, e afirmou, que as obras deviam arrancar em 2019 e ficar prontas em 24 meses. O Presidente da República disse que o projeto já estava “numa nova fase”, com um “calendário muito preciso”, afirmando-se convicto de que as obras arrancariam este ano. A 3 de janeiro, no dia em que a Câmara do Porto entregou uma ambulância nova para transporte das crianças, António Oliveira e Silva prestes a sair do cargo de liderança da administração da unidade hospitalar, referiu que a construção devia arrancar no início do segundo semestre deste ano. Ainda hoje mantém a convicção de que “o processo está nos prazos que estavam previstos”. A 22 de fevereiro, no final de uma reunião com as várias partes envolvidas no processo, a ministra da Saude afirmava que as obras começam no final deste ano ou no início do próximo e que o Governo já tinha canalizado “23 milhões de euros”, 19 milhões para a empreitada, e 3 milhões para o capital estatutário da nova pediatria. Entretanto, o projeto para a construção teve que ser revisto, e estava previsto que fosse entregue até ao final deste mês de abril, o que de facto aconteceu.

O porta-voz da associação de pais revela o caso de uma criança “que estava a fazer radioterapia, estava em estado muito débil, infelizmente, e foi fazer radioterapia nestas condições. Sabe quantas horas esteve à espera da ambulância para voltar para o quarto? Quatro horas. Isto é desumano, é criminoso fazer isto a uma criança que está em perigo de vida”. Jorge Pires avança que, na altura, foi aberto um inquérito dentro do hospital a esta situação.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ofereceu uma ambulância nova para o transporte, mas, segundo o fundador da APOHSJ, o risco que ocorre com esta deslocalização dos doentes mantém-se. Jorge Pires questiona ainda qual é o papel da Entidade Reguladora de Saúde nestes casos e não percebe como não há relatórios de inspeções.

António Oliveira e Silva, na altura em final de mandato no conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, nega esta informação e afirma que não tem conhecimento da espera de quatro horas de uma criança pelo transporte para a levar ao quarto dentro do próprio hospital. Diz até que um caso destes “seria muito estranho”, até porque sempre houve uma ambulância dedicada em exclusivo a esse tipo de transportes, mesmo antes de o hospital receber a nova ambulância oferecida pela Câmara do Porto, que tem melhores condições.

Sobre as obras que Jorge Pires afirma que foram feitas com o objetivo de maquilhar as más condições e tapar os buracos por altura da visita do Presidente da República, António Oliveira e Silva garante que os melhoramentos já estavam anunciados, foram feitos ao longo de meses “e alguns, provavelmente, acabaram nessa semana”. O ex-administrador revela que nas casas de banho também estavam previstas recuperações e melhoria das condições, tal como a requalificação de um espaço para servir de sala para os pais e uma ludoteca só para as crianças que estão com as defesas em baixo e que estão separadas das outras.”Isso tudo ficou em andamento. Isso nunca foi esquecido. As pessoas não podem pensar que estão ali meia dúzia de sádicos que não fazem nada com o objetivo de tornar isto assim tão dramático”, refere Oliveira e Silva ao Observador. Ainda assim, o ex presidente do conselho de administração faz o mea culpa: “Não estou a dizer que as condições são boas, porque eu próprio assumi que as condições eram miseráveis, porque eram mesmo, e era preciso chamar a atenção de uma maneira forte para se conseguir aquilo que se conseguiu, embora tenha demorado tempo”.

Associação O Joãozinho abandona a obra

A 15 de abril, depois de anos de luta entre a Associação O Joãozinho e o Hospital de São João, surgiu o anúncio que deita por terra a construção da ala pediátrica com recurso a financiamento de mecenas. Na prática, Pedro Arroja e o projeto que lidera anunciam publicamente que vão abandonar definitivamente a construção da ala pediátrica, da qual, até aqui, tinham a titularidade. Justificam que levaram ao “limite a sua missão mecenática”, como anunciou Pedro Arroja à Lusa.

Ao Observador, o responsável aponta o dedo ao hospital: “Nunca cumpriu a cláusula primeira do acordo que celebrou connosco, de nos ceder o espaço para que nós pudéssemos fazer a obra”, através da deslocalização do Serviço de Sangue, o que chegou a motivar uma ação em tribunal. O hospital também chegou a avançar para a justiça com o objetivo de obter de volta a parcela do terreno.

Segundo Pedro Arroja, o Governo anda há um ano, desde o escândalo público da denúncia dos pais, a afirmar que fará a obra. Assim, decidiram tomar uma decisão “em nome do bem das crianças”: “Já que o Governo não nos deixa a nós fazer a obra, entendemos não ser um impedimento para que o Governo a possa fazer”. Isso não significa, porém, que Arroja acredite mesmo que a construção vai avançar como agora é anunciado. Diz que “os timings têm sempre escorregado” e que continuarão a escorregar.

Depois de muitos diferendos e de o hospital ter pedido reiteradamente para que a associação devolvesse os terrenos, Pedro Arroja assume a frustração e afirma que a obra estava encaminhada para se fazer por via mecenática com o apoio das grandes empresas do país. Para o presidente da Associação O Joãozinho, o grande obstáculo foi sempre o Governo, que “boicotou” a empreitada desde que a obra parou em março de 2016. A espera terminou e agora o terreno está aberto, “lutámos, falámos com a administração do hospital, com dois ministros, a pedir por favor obriguem o hospital a desocupar o espaço, a cumprir aquilo que assinou para que nós possamos continuar a obra. Nada feito, disseram sempre que não. Não vale a pena bater contra uma parede”, desabafa Pedro Arroja.

Se a associação tivesse tido a possibilidade de avançar com a obra, garante que “a esta hora já estaria pronta e paga. Não tenho dúvida nenhuma acerca disso, havia um plano financeiro, havia consórcio construtor, e estava tudo a andar maravilhosamente bem mas o governo escolher sacrificar as crianças mais três anos aquelas condições miseráveis e indignas, palavras do ex presidente do hospital de São João”.

Ora, António Oliveira e Silva tem outra versão dos factos. “O que foi pedido à associação O Joãozinho, um mês depois de eu ter entrado, foi que nos desse garantias de construção. Que nos dissessem assim “nós temos este dinheiro, temos timings para cumprir e garantimos a construção”. Garantias essas nunca foram dadas, segundo o ex administrador. De acordo com Oliveira e Silva, “a associação argumentava sempre que tinha mecenas, mas o que é certo é que nós não podíamos ficar por aí. Tínhamos que ter garantias, que não tínhamos.” O receio era de que houvesse um “pretexto para o Estado nunca se envolver diretamente no assunto”.

Jorge Pires da APOHSJ, afirma ao Observador que a Associação Joãozinho podia não ter “todo dinheiro todo de uma vez, porque a obra seria paga em três exercícios fiscais. Uma empresa em vez de se descapitalizar num ano só, vai distribuindo por vários exercícios. Não dá para pedir às empresas que ponham o dinheiro na conta se a obra está parada”. Contudo, observa que nunca houve da parte da construtora acusação de que havia falta de dinheiro para a obra e que até estava previsto que o consórcio recebesse adiantado. O porta-voz considera que a associação e Pedro Arroja não tinham qualquer tipo de postura clandestina, pelo contrário, tiveram apoio institucional para se tornarem os impulsionadores da construção.

A Associação Joãozinho decidiu, finalmente, doar a frente de obra, tal como está, já com os primeiros trabalhos de demolição efetuados, conforme o acordo de cooperação que foi celebrado. A associação humanitária garante que vai continuar a ajudar as crianças, e está em conversações com a associação de pais, para que indique as carências mais graves, com o objetivo de canalizar verbas para a ajuda de situações específicas e para quem mais precisa, as crianças e as suas famílias.

“Uma vez que o hospital não quis a construção com dinheiro privado, esse dinheiro privado não deve ser doado ao hospital. O dinheiro deve ser canalizado para ajudar as crianças” afirma Jorge Pires da APOHSJ, que acedeu ao repto lançado por Pedro Arroja para fazer uma proposta para identificar os casos mais sensíveis. Vamos colaborar, não queremos dinheiro nenhum para nós, nunca quisemos. Temos aqui o papel de denunciantes e de acompanhantes deste processo, e não vamos querer que passe por nós um cêntimo sequer. Vamos fazer a ponte só”, diz o porta-voz dos pais.

As dúvidas sobre as verbas de donativos

Jorge Pires, o porta-voz da APOHSJ, afirmou ao Observador que tem dúvidas sobre o dinheiro que foi angariado quando foi criado o projeto “Um Lugar para o Joãozinho”, por iniciativa do próprio hospital, tendo depois sido criada a associação O Joãozinho que ficou encarregue da angariação de fundos privados. O projeto inicial, lançado em 2009, já previa uma campanha de financiamento que chegou a ir para o terreno. Em outubro de 2010, o Jornal de Notícias publicava que o projeto “Joãozinho” já tinha angariado 4 milhões de euros.

Jorge Pires pergunta: “Quanto dinheiro foi transferido do hospital para associação Joãozinho?”, e responde, “foram transferidos 549 mil euros”. Se foi assim, volta a questionar “o que foi feito dos outros 3 milhões e qualquer coisa da diferença que havia para os 4 milhões que havia angariado para a obra?”.

António Oliveira e Silva, anterior presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, nega esta versão. Afirma ao Observador, que o centro hospitalar conseguiu angariar à volta de 580 mil euros, “o que para uma construção que estava orçamentada em 25 milhões de euros era irrelevante”. Nunca houve quatro milhões, assegura Oliveira e Silva, que reconhece, contudo que houve um anúncio público de haver essa possibilidade que nunca se concretizou. Os 580 mil euros, garante, que foram transferidos para O Joãozinho, aquando da constituição da associação.

Jorge Pires ainda afirma que foram feitos programas de televisão com números pagos a contribuir para a obra do Joãozinho e pergunta quem controlou esse dinheiro, que considera que foi desnorteado. Entre as iniciativas de apoio e obtenção de financiamento solidário que foram levadas a cabo, Oliveira e Silva destaca a contribuição com um euro do salário por parte dos funcionários do hospital, ou fundos conseguidos em corridas e meias-maratonas, e até, a ajuda para conseguir o trabalho de educadoras para dar apoio às crianças internadas ao fim de semana. Sobre chamadas de valor acrescentado, só tem conhecimento de um caso desse tipo de apoio que ocorreu durante a Gala dos 50 anos do Hospital de São João, em 2009.

Transferência provisória para edifício principal só em junho, mas esteve prevista para abril

Antes de deixar o cargo, António Oliveira e Silva fez mais um anúncio que sofreu um recuo. A 3 de janeiro deste ano, o então presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, afirmava que as crianças com doença oncológica internadas em contentores iriam ser transferidas para o edifício principal em abril. O mês já chegou ao fim e nada disso se verificou.

O hospital anunciou, posteriormente, que essa transferência ocorrerá agora em junho. Esta é mais uma situação alvo da revolta de Jorge Pires. O presidente da APOHSJ reclama que “O Dr. Oliveira e Silva garantiu-me que estava tudo a decorrer dentro dos prazos até ele sair. Estavam agendadas duas semanas no mês de abril para limpeza e reabilitação no novo espaço que iria acolher as crianças, mas que achava estranho esta mudança radical de prazos”. António Oliveira e Silva tinha assumido um compromisso, que não foi cumprido. O Hospital de São João é agora liderado por Fernando Araújo, ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde.

Jorge Pires considera que na base do problema está a falta de funcionários para assegurar os serviços na ala oncológica remodelada do edifício central, e no internamento de pediatria, que para já irá continuar nas instalações dos contentores. “Como é que vão mudar as crianças de oncologia para o internamento lá dentro, se para o fazer precisam de deslocalizar auxiliares, médicos, enfermeiros? Se não contratarem auxiliares que não têm, não podem mudar as crianças”. Uma contratação nova precisa de um a três meses para se integrar no serviço, perguntei eu no hospital. O pai, afirma que os profissionais já deviam ter sido contratados, porque segundo sabe, os funcionários precisam de ganhar ritmos. Mais uma vez, acusa os responsáveis políticos de “criar uma expectativa positiva nas pessoas, numa altura eleitoral. Na prática quem está lá dentro sabe que não vai acontecer nada. É uma manobra política para cativar votos”.

Oliveira e Silva tem outra explicação. Apesar de já ter deixado a liderança dos destinos do São João, afirma que a transferência das crianças está dependente de duas obras nos pisos 7 e 8, para onde vão os serviços de neurocirurgia – que está em contentores há mais tempo de que a pediatria e em condições muito piores – e o serviço de hematologia clínica. A transferência deste último serviço já está concluída. Esta terça-feira, o hospital anunciou que “após o término das obras no piso 8 conseguiu-se finalmente concluir a união das duas vertentes do Serviço de Hematologia Clínica, separadas desde há mais de 10 anos, no mesmo espaço físico. O novo serviço integra a Unidade de Transplantação com oito quartos de isolamento, uma área de tratamento de doentes leucémicos e hemato-oncológicos com 10 quartos de isolamento e 14 camas de enfermaria”.

Para o antigo presidente do conselho de administração do hospital, “é uma questão de instalações. A obra está pronta”, mas a transferência já não volta atrás. Sobre as questões levantadas acerca de falta de pessoal de enfermagem e auxiliar, Oliveira e Silva afirma que as contratações estão garantidas pelo Ministério da Saúde, já que “a pulverização dos serviços, o facto de ter o serviço só num sítio e passar a tê-lo em dois ou três, obriga a ter mais profissionais”.

Governo e hospital garantem: obra começa até ao final do ano, mas as dúvidas continuam

“Fui à Assembleia da República pedir o ajuste direto, todos me deram razão. Quiseram ficar com os louros da proposta de alteração ao Orçamento de Estado, que lançaram mais tarde. As politiquices têm destas coisas”. A afirmação é de Jorge Pires que lidera a APOHSJ, que reclamava uma medida de exceção face à gravidade da situação.

Jorge Pires foi ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde a 10 de outubro de 2018, exatamente seis meses depois de ter denunciado as más condições do internamento pediátrico oncológico no Hospital de São João. No dia 20 do mesmo mês, a associação promoveu um cordão humano como forma de protesto e para chamar a atenção para o problema. Ainda sem garantias de financiamento ou de um mecanismo que assegurasse a obra, oito dias depois, Fernando Jesus, deputado do PS, anunciou que as obras de construção da nova ala pediátrica iriam começar em janeiro de 2019. A 7 de novembro do ano passado, o PSD sugeriu que o ajuste direto deveria ser considerado neste caso. No dia 15 desse mês, o PS, através do líder parlamentar e presidente do partido, Carlos César, anunciou a proposta socialista para o efeito. O ajuste direto, que implicou uma alteração ao Orçamento de Estado de 2018, foi aprovado por unanimidade no parlamento a 27 de novembro. No dia seguinte, José Artur Paiva, diretor clínico do Centro Hospitalar e Universitário de São João afirma, em declarações aos jornalistas na unidade hospitalar, “as obras arrancam já em 2019 e prevê-se que fiquem concluídas em 2021”.

Antes da aprovação do ajuste direto, a APOHSJ estudava uma queixa-crime contra quem mandou parar a obra, e acusava a ministra da saúde Marta Temido de deixar o projeto na gaveta. Essa queixa não foi para a frente.

No dia de Natal, Marta Temido acompanhou a visita de Marcelo Rebelo de Sousa à pediatria, e afirmou, que as obras deviam arrancar em 2019 e ficar prontas em 24 meses. O Presidente da República disse que o projeto já estava “numa nova fase”, com um “calendário muito preciso”, afirmando-se convicto de que as obras arrancariam este ano. A 3 de janeiro, no dia em que a Câmara do Porto entregou uma ambulância nova para transporte das crianças, António Oliveira e Silva prestes a sair do cargo de liderança da administração da unidade hospitalar, referiu que a construção devia arrancar no início do segundo semestre deste ano. Ainda hoje mantém a convicção de que “o processo está nos prazos que estavam previstos”. A 22 de fevereiro, no final de uma reunião com as várias partes envolvidas no processo, a ministra da Saude afirmava que as obras começam no final deste ano ou no início do próximo e que o Governo já tinha canalizado “23 milhões de euros”, 19 milhões para a empreitada, e 3 milhões para o capital estatutário da nova pediatria. Entretanto, o projeto para a construção teve que ser revisto, e estava previsto que fosse entregue até ao final deste mês de abril, o que de facto aconteceu.

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