Nós os Poucos...: A nova guerra das trincheiras

23-06-2020
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O
que mais me impressiona na sociedade contemporânea é ver como a mentalidade de
trincheira vive cada vez mais profundamente enraizada. Ou seja, a mentalidade
de que estamos numa guerra, dentro das trincheiras estão os bons, lá fora os
maus. E tudo aquilo que o que estão supostamente do nosso lado da trincheira fazem é bom,
justificável, ou em último caso aceitável porque estamos em guerra e tudo o que
os de fora fazem é mau.
Cada
vez mais na discussão pública os factos em si mesmo parecem importar pouco para
o juízo que se faz deles. Mais importante que os factos é quem os pratica. E
isto não se aplica apenas a um “grupo” ou a um “lado”. É cada vez mais geral.
Exemplos
não faltam. Basta ver como as mesmas pessoas que apoiaram com toda a força tudo
o que foi feito pelos coletes amarelos em França, agora condenam veemente o que
se está a passar nos Estados Unidos. Por outro lado, aqueles que durante meses
descreveram os coletes amarelos como fascistas, agora recorrem a todo o tipo de
contorcionismo para explicar que o vandalismo, os roubos e a violência nas ruas
americanas são simples protestos. Ou ver como aqueles que condenam o governo
Espanhol pela sua irresponsabilidade no 8 de Março tentam justificar todas as
acções de Bolsonaro. Ou como os que acusam Bolsonaro de tentar interferir na
justiça, ignoram o facto do governo Espanhol ter demitido o responsável da
Guarda Civil que estava a investigar a responsabilidade do dito governo no 8 de
Março.
Dentro
desta mentalidade o máximo que alguém está disposto a admitir é que o “seu” fez
um erro, mas logo justifica com um suposto erro de alguém do outro lado: o
Trump fez aquilo mas o Obama fez aqueloutro, o Sanchez fez assim mas o Abascal
fez assado. Chegamos ao cúmulo de ser impossível falar de regimes totalitários
sem ter que condenar todos, para não ser acusado de estar a apoiar um lado da
barricada: é verdade o Hitler matou judeus, mas o Estaline matou ucranianos, o
Castro fuzilou os adversários, mas o Pinochet também!
Esta
mentalidade de trincheira é absolutamente destrutiva. Destrutiva porque acaba
por subjugar a realidade à ideologia. Aquilo que era um meio para um fim (uma
doutrina para alcançar o bem comum) torna-se num fim em si mesmo. E a imposição
dessa ideologia tudo justifica, até a violação dessa doutrina. E destrutiva
porque desumaniza o outro, torna-o num inimigo. A mentalidade de trincheira não
contempla que aquele que discorda de mim também procura o bem comum,
simplesmente acha que o caminho é outro. A partir do momento em que a ideologia
é tudo o que interessa então quem não está connosco é do mal!
E
assim temos a política reduzida a trincheiras que vão despejando todas o
armamentos que possuem sobre o adversário. O resultado? Terra queimada,
destruída, vazia. A impossibilidade de construir o quer que seja, até o inimigo
estar completamente derrotada e destroçado.
Mas
a história ensina-nos qual o preço a pagar por essa vitória total contra o
inimigo da trincheira adversária. A Europa e os Estados Unidos ensinaram essa
lição ao mundo, a um elevado preço, no fim da Iª Grande Guerra, quando os
aliados destruíram o Império Austríaco e a Alemanha, humilhando assim os seus
adversários e impondo-lhes a sua vontade. Da humilhação germânica nasceu o
nacional-socialismo e uma nova destruição da Europa. E nos escombros da Rússia
Imperial nasceu um monstro que havia de assolar a Europa e o mundo o resto do
século.
E
como foi possível reconstruir um continente, ou a parte dele que ainda era
livre, após duas guerras devastadoras, uma crise económica sem precedentes e
uma pandemia devastadora? Quando dois países que tinham lutado mortalmente
poucos anos antes, decidiram pôr em comum a produção principal da guerra: o
carvão e o aço. Foi a decisão da França e da Alemanha, de colocar de lado uma
inimizade e desconfiança milenar, e de criar uma comunidade de nações, que
possibilitou não apenas reconstrução da Europa ocidental, mas também lhe garantiu um dos
maiores períodos de paz da História. Foi a primeira vez na história da Europa
onde a paz não foi construída pela força, mas pela boa vontade entre nações.
Hoje temos a possibilidade de escolher que
caminho que queremos seguir. Podemos insistir na mentalidade de trincheira, fazendo
com que a política fique sempre mais polarizada, entregue a extremistas,
incapaz de construir. Ou então podemos arriscar olhar para o outro como um bem, como alguém que me pode ajudar a construir algo de bom para a sociedade.
Evidentemente que este caminho tem uma grande dificuldade: não depende apenas
de mim, depende sempre da liberdade do outro, mas é o único que permite de
facto construir algo.
Não
se trata de ceder princípios, ou de ser relativista. Não se trata de ceder a
verdade. Trata-se apenas de mudar o nosso olhar sobre o outro. De tentar encontrar
no outro nem que seja um vislumbre de terreno comum sobre o qual se possa
construir. Não é um caminho fácil, mas parece-me a única alternativa
à destruição que as trincheiras provocam.


O
que mais me impressiona na sociedade contemporânea é ver como a mentalidade de
trincheira vive cada vez mais profundamente enraizada. Ou seja, a mentalidade
de que estamos numa guerra, dentro das trincheiras estão os bons, lá fora os
maus. E tudo aquilo que o que estão supostamente do nosso lado da trincheira fazem é bom,
justificável, ou em último caso aceitável porque estamos em guerra e tudo o que
os de fora fazem é mau.
Cada
vez mais na discussão pública os factos em si mesmo parecem importar pouco para
o juízo que se faz deles. Mais importante que os factos é quem os pratica. E
isto não se aplica apenas a um “grupo” ou a um “lado”. É cada vez mais geral.
Exemplos
não faltam. Basta ver como as mesmas pessoas que apoiaram com toda a força tudo
o que foi feito pelos coletes amarelos em França, agora condenam veemente o que
se está a passar nos Estados Unidos. Por outro lado, aqueles que durante meses
descreveram os coletes amarelos como fascistas, agora recorrem a todo o tipo de
contorcionismo para explicar que o vandalismo, os roubos e a violência nas ruas
americanas são simples protestos. Ou ver como aqueles que condenam o governo
Espanhol pela sua irresponsabilidade no 8 de Março tentam justificar todas as
acções de Bolsonaro. Ou como os que acusam Bolsonaro de tentar interferir na
justiça, ignoram o facto do governo Espanhol ter demitido o responsável da
Guarda Civil que estava a investigar a responsabilidade do dito governo no 8 de
Março.
Dentro
desta mentalidade o máximo que alguém está disposto a admitir é que o “seu” fez
um erro, mas logo justifica com um suposto erro de alguém do outro lado: o
Trump fez aquilo mas o Obama fez aqueloutro, o Sanchez fez assim mas o Abascal
fez assado. Chegamos ao cúmulo de ser impossível falar de regimes totalitários
sem ter que condenar todos, para não ser acusado de estar a apoiar um lado da
barricada: é verdade o Hitler matou judeus, mas o Estaline matou ucranianos, o
Castro fuzilou os adversários, mas o Pinochet também!
Esta
mentalidade de trincheira é absolutamente destrutiva. Destrutiva porque acaba
por subjugar a realidade à ideologia. Aquilo que era um meio para um fim (uma
doutrina para alcançar o bem comum) torna-se num fim em si mesmo. E a imposição
dessa ideologia tudo justifica, até a violação dessa doutrina. E destrutiva
porque desumaniza o outro, torna-o num inimigo. A mentalidade de trincheira não
contempla que aquele que discorda de mim também procura o bem comum,
simplesmente acha que o caminho é outro. A partir do momento em que a ideologia
é tudo o que interessa então quem não está connosco é do mal!
E
assim temos a política reduzida a trincheiras que vão despejando todas o
armamentos que possuem sobre o adversário. O resultado? Terra queimada,
destruída, vazia. A impossibilidade de construir o quer que seja, até o inimigo
estar completamente derrotada e destroçado.
Mas
a história ensina-nos qual o preço a pagar por essa vitória total contra o
inimigo da trincheira adversária. A Europa e os Estados Unidos ensinaram essa
lição ao mundo, a um elevado preço, no fim da Iª Grande Guerra, quando os
aliados destruíram o Império Austríaco e a Alemanha, humilhando assim os seus
adversários e impondo-lhes a sua vontade. Da humilhação germânica nasceu o
nacional-socialismo e uma nova destruição da Europa. E nos escombros da Rússia
Imperial nasceu um monstro que havia de assolar a Europa e o mundo o resto do
século.
E
como foi possível reconstruir um continente, ou a parte dele que ainda era
livre, após duas guerras devastadoras, uma crise económica sem precedentes e
uma pandemia devastadora? Quando dois países que tinham lutado mortalmente
poucos anos antes, decidiram pôr em comum a produção principal da guerra: o
carvão e o aço. Foi a decisão da França e da Alemanha, de colocar de lado uma
inimizade e desconfiança milenar, e de criar uma comunidade de nações, que
possibilitou não apenas reconstrução da Europa ocidental, mas também lhe garantiu um dos
maiores períodos de paz da História. Foi a primeira vez na história da Europa
onde a paz não foi construída pela força, mas pela boa vontade entre nações.
Hoje temos a possibilidade de escolher que
caminho que queremos seguir. Podemos insistir na mentalidade de trincheira, fazendo
com que a política fique sempre mais polarizada, entregue a extremistas,
incapaz de construir. Ou então podemos arriscar olhar para o outro como um bem, como alguém que me pode ajudar a construir algo de bom para a sociedade.
Evidentemente que este caminho tem uma grande dificuldade: não depende apenas
de mim, depende sempre da liberdade do outro, mas é o único que permite de
facto construir algo.
Não
se trata de ceder princípios, ou de ser relativista. Não se trata de ceder a
verdade. Trata-se apenas de mudar o nosso olhar sobre o outro. De tentar encontrar
no outro nem que seja um vislumbre de terreno comum sobre o qual se possa
construir. Não é um caminho fácil, mas parece-me a única alternativa
à destruição que as trincheiras provocam.

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