Infarmed proíbe distribuição de testes que já estão a ser usados em lares e creches. Parecer positivo foi recusado

24-05-2020
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“Nós não somos uma instituição lucrativa, somos um centro académico que está a fazer o que é necessário para que o país responda numa altura de pandemia como esta. Tendo nós um produto devidamente testado, com os testes todos feitos, não seria ético não o pôr à disposição para ser usado e permitir a realização dos testes numa altura em que tão necessários são.”

O Observador questionou ainda o Infarmed sobre quais as consequências para o consórcio de estarem a distribuir um produto sem o seu parecer, mas até ao momento não obteve resposta. “Do ponto de vista moral, se uma coisa destas tivesse consequências para nós, parecer-me-ia algo inaceitável — alguém que resolve uma situação destas ao país, numa altura de rutura completa [de zaragatoas], ter consequências legais a seguir por causa disto, já com todos os testes feitos”, considerava Nuno Marques ao Observador, antes de se saber da decisão do Infarmed.

“Acho que ninguém deixaria de fornecer um produto já testado desta forma e que pode ser usado, colocando em causa a realização dos testes num país e as consequência em termos de mortes que isso poderia ter. Do ponto de vista ético, moral, isso seria inaceitável e eu, como médico, jamais conseguiria dormir descansado se alguma vez fizesse isso. É mesma coisa que ter um doente à nossa frente, ter o tratamento para ele e não lhe dar.”

Marta Temido: “É sinal de que as autoridades reguladoras estão a fazer o seu papel”

O assunto foi levado à conferência de imprensa diária para atualizar a situação epidemiológica em Portugal. Marta Temido voltou a insistir na ideia de que a descoberta de falhas deve levar à “tranquilidade de que quem tem a função de avaliar o está a fazer”.

Segundo Marta Temido, é preciso “distinguir” entre os “critérios de realização de testagem e critérios de introdução no mercado”. Ou seja, os equipamentos, mesmo não estando ainda aprovados para comercialização, podem ser usados para “produção de determinados resultados” segundo “uma metodologia aprovada pelo INSA”.

“A circunstância de nós termos as nossas autoridades reguladoras a referirem que determinados artigos ainda não estão em condições de serem comercializados é apenas sinal de que estão a funcionar e a fazer o seu papel”, disse a ministra, lembrando que o país passou por um “período de grande dificuldade” no acesso ao mercado para adquirir equipamentos e que isso levou a que novos operadores entrassem para colmatar as falhas.

Governo dá garantias sem testes completos e sem parecer do Infarmed

A precipitação com estes kits e respetivas zaragatoas começou ainda antes da distribuição. Logo na visita dos ministros do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Coesão Territorial à Hidrofer — empresa de Vila Nova de Famalicão que produz as zaragatoas —, que decorreu no dia 8 de abril, se começou a falar na capacidade de produção daquele instrumento de recolha de amostras. “Portugal passa agora a dispor de uma capacidade de produção de zaragatoas superior a 50 mil unidades por dia, suficiente para as atuais necessidades (o consumo diário atualmente ronda as 12 mil unidades) e para exportação”, lê-se numa notícia no site do Governo. No entanto, nessa altura, as zaragatoas ainda não tinham sido submetidas a qualquer teste, ou seja, não havia nada que comprovasse a eficácia e segurança deste produto.

Mais: os mesmos ministros presidiram à criação do consórcio semanas mais tarde, mais concretamente a 23 de abril, e também nessa altura não só ainda não estavam concluídos todos os testes às zaragatoas, como o relatório final estava longe de chegar às mãos do Infarmed.

Isso não impediu, contudo, a ministra do Trabalho e da Segurança Social de afirmar que estes kits iriam ser utilizados para fazer testes a funcionários de lares de idosos. “O objetivo é ir testando as equipas e os profissionais que estão a trabalhar nos lares, garantindo chegar ao máximo de cobertura possível”, afirmou Ana Mendes Godinho à comunicação social, no dia da assinatura do consórcio. Ou o ministro Manuel Heitor de afirmar que os portugueses tinham passado de estar “totalmente dependentes de zaragatoas, para incentivar a produção nacional e, eventualmente, garantir até a exportação de zaragatoas.”

De acordo com Nuno Marques, os primeiros testes que realizou às zaragatoas só foram feitos no dia 10 de abril, ou seja, dias depois da visita dos ministros à Hidrofer. Este foi o primeiro de quatro testes feitos pelo ABC às zaragatoas e que consistiu em comparar estes produtos às já existentes no mercado e ver se os resultados eram iguais. “É preciso ver se naqueles casos que são positivos, elas dão positivo, tal como as outras, e naqueles que são negativos, dão negativo”, explicou o presidente do ABC ao Observador. “Não há melhor teste do que esse, que é uma aplicação. Depois houve outra coisa: demos às nossas equipas que têm grande treino no terreno — nessa altura já tinham feito acima de cinco mil colheitas — para que elas, do ponto de vista prático, identificassem alguma dificuldade na utilização [das zaragatoas] e não identificaram nenhuma.”

Este teste foi feito a uma amostra pequena — oito amostras mais concretamente, quatro a doentes positivos e quatro a doentes negativos. “Como era um número pequeno, ainda antes de ser estarem a ser utilizadas, fizemos o mesmo teste num número maior de casos e deu exatamente a mesma coisa: as que eram positivas numas zaragatoas também era positivas noutras e as que eram negativas também e isto estando usar mesmo laboratório a fazer análises, que é para não haver aqui mais nenhuma variável.” Este segundo teste, onde foram usadas 250 zaragatoas, foi feito no início da semana seguinte.

“Dois ou três dias depois”, foi feito um teste de “determinação indireta da carga viral” a cerca de 10 amostras. “Este método que é utilizado, que é o método da PCR, faz a amplificação do RNA do vírus, é assim que ele deteta. Consoante número de ciclos que são necessários para estarmos a ter amplificação e detetar o vírus no teste, conseguimos determinar a carga viral. Ou seja, se forem muito pouco ciclos, é porque a carga viral é muito alta. Se forem muito ciclos, é porque a carga viral é mais baixa. Ora, o que nós queremos numa zaragatoa é que ela tenha mais ou menos a mesma performance que outras que estão a ser usadas. Ou seja, que o número de ciclos em que ela deteta o vírus seja o mesmo”. Este estudo concluiu que, “em média, o número de ciclos em que esta zaragatoa detetava [o vírus] era muito idêntico aos outros, ou seja, esta zaragatoa colhe a mesma carga viral quando usada na mesma pessoa, na mesma altura, do que outras”. Em todos estes testes, os resultados surgem 24 horas depois.

A seguir, foi necessário aplicar o mesmo teste, mas a uma amostra maior. Um teste que só foi feito depois da assinatura do consórcio porque, de acordo com Nuno Marques, não havia zaragatoas para testar. “A Hidrofer não tinha hastes e não havendo hastes, não há zaragatoas. As hastes só chegaram naqueles dias e só quando chegaram é que eu pude fazer o teste maior”. Quando regressou ao Algarve, foi então feito este quarto teste e 24 horas depois, já havia resultado.

“Nós não somos uma instituição lucrativa, somos um centro académico que está a fazer o que é necessário para que o país responda numa altura de pandemia como esta. Tendo nós um produto devidamente testado, com os testes todos feitos, não seria ético não o pôr à disposição para ser usado e permitir a realização dos testes numa altura em que tão necessários são.”

O Observador questionou ainda o Infarmed sobre quais as consequências para o consórcio de estarem a distribuir um produto sem o seu parecer, mas até ao momento não obteve resposta. “Do ponto de vista moral, se uma coisa destas tivesse consequências para nós, parecer-me-ia algo inaceitável — alguém que resolve uma situação destas ao país, numa altura de rutura completa [de zaragatoas], ter consequências legais a seguir por causa disto, já com todos os testes feitos”, considerava Nuno Marques ao Observador, antes de se saber da decisão do Infarmed.

“Acho que ninguém deixaria de fornecer um produto já testado desta forma e que pode ser usado, colocando em causa a realização dos testes num país e as consequência em termos de mortes que isso poderia ter. Do ponto de vista ético, moral, isso seria inaceitável e eu, como médico, jamais conseguiria dormir descansado se alguma vez fizesse isso. É mesma coisa que ter um doente à nossa frente, ter o tratamento para ele e não lhe dar.”

Marta Temido: “É sinal de que as autoridades reguladoras estão a fazer o seu papel”

O assunto foi levado à conferência de imprensa diária para atualizar a situação epidemiológica em Portugal. Marta Temido voltou a insistir na ideia de que a descoberta de falhas deve levar à “tranquilidade de que quem tem a função de avaliar o está a fazer”.

Segundo Marta Temido, é preciso “distinguir” entre os “critérios de realização de testagem e critérios de introdução no mercado”. Ou seja, os equipamentos, mesmo não estando ainda aprovados para comercialização, podem ser usados para “produção de determinados resultados” segundo “uma metodologia aprovada pelo INSA”.

“A circunstância de nós termos as nossas autoridades reguladoras a referirem que determinados artigos ainda não estão em condições de serem comercializados é apenas sinal de que estão a funcionar e a fazer o seu papel”, disse a ministra, lembrando que o país passou por um “período de grande dificuldade” no acesso ao mercado para adquirir equipamentos e que isso levou a que novos operadores entrassem para colmatar as falhas.

Governo dá garantias sem testes completos e sem parecer do Infarmed

A precipitação com estes kits e respetivas zaragatoas começou ainda antes da distribuição. Logo na visita dos ministros do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Coesão Territorial à Hidrofer — empresa de Vila Nova de Famalicão que produz as zaragatoas —, que decorreu no dia 8 de abril, se começou a falar na capacidade de produção daquele instrumento de recolha de amostras. “Portugal passa agora a dispor de uma capacidade de produção de zaragatoas superior a 50 mil unidades por dia, suficiente para as atuais necessidades (o consumo diário atualmente ronda as 12 mil unidades) e para exportação”, lê-se numa notícia no site do Governo. No entanto, nessa altura, as zaragatoas ainda não tinham sido submetidas a qualquer teste, ou seja, não havia nada que comprovasse a eficácia e segurança deste produto.

Mais: os mesmos ministros presidiram à criação do consórcio semanas mais tarde, mais concretamente a 23 de abril, e também nessa altura não só ainda não estavam concluídos todos os testes às zaragatoas, como o relatório final estava longe de chegar às mãos do Infarmed.

Isso não impediu, contudo, a ministra do Trabalho e da Segurança Social de afirmar que estes kits iriam ser utilizados para fazer testes a funcionários de lares de idosos. “O objetivo é ir testando as equipas e os profissionais que estão a trabalhar nos lares, garantindo chegar ao máximo de cobertura possível”, afirmou Ana Mendes Godinho à comunicação social, no dia da assinatura do consórcio. Ou o ministro Manuel Heitor de afirmar que os portugueses tinham passado de estar “totalmente dependentes de zaragatoas, para incentivar a produção nacional e, eventualmente, garantir até a exportação de zaragatoas.”

De acordo com Nuno Marques, os primeiros testes que realizou às zaragatoas só foram feitos no dia 10 de abril, ou seja, dias depois da visita dos ministros à Hidrofer. Este foi o primeiro de quatro testes feitos pelo ABC às zaragatoas e que consistiu em comparar estes produtos às já existentes no mercado e ver se os resultados eram iguais. “É preciso ver se naqueles casos que são positivos, elas dão positivo, tal como as outras, e naqueles que são negativos, dão negativo”, explicou o presidente do ABC ao Observador. “Não há melhor teste do que esse, que é uma aplicação. Depois houve outra coisa: demos às nossas equipas que têm grande treino no terreno — nessa altura já tinham feito acima de cinco mil colheitas — para que elas, do ponto de vista prático, identificassem alguma dificuldade na utilização [das zaragatoas] e não identificaram nenhuma.”

Este teste foi feito a uma amostra pequena — oito amostras mais concretamente, quatro a doentes positivos e quatro a doentes negativos. “Como era um número pequeno, ainda antes de ser estarem a ser utilizadas, fizemos o mesmo teste num número maior de casos e deu exatamente a mesma coisa: as que eram positivas numas zaragatoas também era positivas noutras e as que eram negativas também e isto estando usar mesmo laboratório a fazer análises, que é para não haver aqui mais nenhuma variável.” Este segundo teste, onde foram usadas 250 zaragatoas, foi feito no início da semana seguinte.

“Dois ou três dias depois”, foi feito um teste de “determinação indireta da carga viral” a cerca de 10 amostras. “Este método que é utilizado, que é o método da PCR, faz a amplificação do RNA do vírus, é assim que ele deteta. Consoante número de ciclos que são necessários para estarmos a ter amplificação e detetar o vírus no teste, conseguimos determinar a carga viral. Ou seja, se forem muito pouco ciclos, é porque a carga viral é muito alta. Se forem muito ciclos, é porque a carga viral é mais baixa. Ora, o que nós queremos numa zaragatoa é que ela tenha mais ou menos a mesma performance que outras que estão a ser usadas. Ou seja, que o número de ciclos em que ela deteta o vírus seja o mesmo”. Este estudo concluiu que, “em média, o número de ciclos em que esta zaragatoa detetava [o vírus] era muito idêntico aos outros, ou seja, esta zaragatoa colhe a mesma carga viral quando usada na mesma pessoa, na mesma altura, do que outras”. Em todos estes testes, os resultados surgem 24 horas depois.

A seguir, foi necessário aplicar o mesmo teste, mas a uma amostra maior. Um teste que só foi feito depois da assinatura do consórcio porque, de acordo com Nuno Marques, não havia zaragatoas para testar. “A Hidrofer não tinha hastes e não havendo hastes, não há zaragatoas. As hastes só chegaram naqueles dias e só quando chegaram é que eu pude fazer o teste maior”. Quando regressou ao Algarve, foi então feito este quarto teste e 24 horas depois, já havia resultado.

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