Economistas elogiam suspensão da disciplina orçamental, mas dizem que “é o mínimo” – O Jornal Económico

31-03-2020
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As divisões entre o Norte e o Sul não ficaram confinadas ao passado, e depois da crise das dívidas soberanas, voltam a ameaçar uma resposta comum europeia ao impacto do novo coronavírus na economia, apesar do pacote de apoio económico de 37 mil milhões de euros e da ação do Banco Central Europeu (BCE). O acordo alcançado pelo Conselho Europeu, desta quinta-feira, foi “manifestamente insuficiente” – nas palavras do primeiro-ministro, António Costa -, e os economistas ouvidos pelo Jornal Económico elogiam decisão da Comissão Europeia em suspender as regras de disciplina orçamental, mas dividem-se sobre a eficácia prática da decisão.

“A ativação da cláusula [geral de salvaguarda] é ousada, como nunca foi feita antes, mas continua a ser o mínimo que a União Europeia pode fazer numa situação tão extraordinária”, diz Marta Pilati​, analista de políticas económicas e regionais no European Policy Centre (EPC). Ao JE, sublinha que pode esperar-se que agora todos os Estados-membros aumentem a despesa pública, com os vários programas de apoio à economia que têm sido apresentados por cada país.

“Consequentemente, os défices do Governo irão aumentar em todos os países. Da mesma forma, como os países provavelmente emprestarão mais, os níveis da dívida pública também irão aumentar”, realça, recordando que o rácio da dívida pública é calculado em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB). “Como o PIB irá cair devido à desaceleração económica, o rácio da dívida pública irá aumentar automaticamente”, sublinha.

Nicolas Véron, economista e membro sénior do Peterson Institute for International Economics e do Bruegel, diz ao JE que “a proposta e a decisão são apropriadas dadas as circunstâncias atuais, mas não tenho certeza se fazem uma enorme diferença”. “O Pacto de Estabilidade e Crescimento não tem sido uma estrutura eficaz para restringir o comportamento orçamental. Portugal foi uma boa ilustração disso. Quando os Estados não cumprem, a Comissão avisa que não é bom, mas não existe uma sanção financeira”, justifica.

Ao JE, um porta voz da Comissão Europeia, em Bruxelas, sublinha que “a Comissão está plenamente consciente de que as medidas adotadas pelos Estados-membros, juntamente com a queda da atividade económica, irão contribuir para défices orçamentais substancialmente mais altos, em alguns casos ultrapassando o limite do défice nominal de 3%”.

“A ativação da cláusula geral de salvaguarda tem como objetivo ajudar os Estados-Membros, permitindo-lhes seguir uma política orçamental que facilite a implementação de todas as medidas necessárias para lidar adequadamente com a crise, mantendo-se dentro do quadro de regras do PEC – cujos procedimentos continuam a aplicar-se”, acrescenta.

Vêm aí uma nova crise das dívidas soberanas?

As diferentes margens de manobra orçamental dos Estados para responder à atua crise pode, no entanto, conduzir a capacidades de respostas desiguais. Nicolas Véron sublinha que a resposta dos países irá criar algum “stress, incluindo possivelmente em termos de sustentabilidade das dívidas públicas”, mas a questão “será muito mais quanto custará resolver a pandemia”.

“E não há dúvida de que esse custo será muito diferente entre os Estados-membros. O fato de o custo não ser o mesmo para todos os países é o que torna a discussão atual sobre a partilha de risco tão difícil”.

Para Marta Pilati, “países com uma posição orçamental melhor, como a Alemanha e a Holanda, têm mais espaço orçamental para medidas extraordinárias, ou seja, podem oferecer um estímulo maior, sabendo que o nível geral de dívida é atualmente relativamente baixo”, enquanto “outros países podem enfrentar restrições mais fortes”. E exemplifica com o caso italiano, considerando que mesmo que Itália possa avançar com estímulos orçamentais sem ter que se preocupar com as restrições de disciplina europeia, o nível de dívida irá aumentar como consequência e alcançar níveis ainda mais altos”

“É importante que essa “nova” dívida incorrida para enfrentar a crise da saúde esteja em condições muito favoráveis (isto é, maturidades longas e baixas taxas de juros), para que não crie uma carga pesada para as finanças do Estado. É por isso que o programa de compra de ativos de 750 mil milhões de euros anunciado pelo BCE é extremamente importante, pois é exatamente isso”, justifica, acrescentando o exemplo da linha de crédito do MEE, ainda em discussão.

“No entanto, essas medidas continuam baseadas em crédito, ou seja, os Estados-membros terão mais dívida. Isso pode ser problemático a longo prazo se nos próximos anos os países com níveis elevados de dívida forem forçados a adotar medidas de ‘austeridade’ para melhorar a sua posição orçamental. Isso poderia dificultar a recuperação económica para a qual estão a dar estímulos neste momento”, defende.

Grégory Claeys, analista especialista em macroeconomia e governança europeia no Bruegel, considera ainda, assim, que os países o devem fazer, porque “não fazer nada será pior”. “Em termos de vidas humanas seria horrível, mas também da perspetiva económica. Se os governos não agirem, os custos serão ainda maiores porque grande parte da economia iria colapsar e seria ainda mais difícil para os Governos pagarem a dívida posteriormente”, adverte.

Apesar de Nicolas Véron sublinhar que “não temos nenhum tipo de visibilidade sobre o impacto económico e o impacto correspondente na sustentabilidade da dívida terá para os Estados-membros da zona do euro”, Marta Pilati sugere, além de uma mutualização de dívida conjunta, que a Comissão Europeia poderia criar uma categoria de “dívida especial”, a qual permitiria que “a nova dívida contraída pelos países para enfrentar a crise da saúde não surja nas contas orçamentais do país”, que ainda assim teria que ser paga – permitiria apenas na ‘alivar’ os países mais tarde na avaliação dos critérios macroeconómicos.

“A próxima avaliação dos Programas de Estabilidade e Convergência dos Estados-Membros, as Previsões da Primavera da Comissão e as propostas subsequentes da Comissão para recomendações específicas por país e a adoção pelo Conselho irão dar orientações para cada Estado-membro a fim de alcançar uma orientação orçamental de apoio apropriada a nível nacional e a nível agregado”, garante um porta-voz da Comissão Europeia ao JE.

As divisões entre o Norte e o Sul não ficaram confinadas ao passado, e depois da crise das dívidas soberanas, voltam a ameaçar uma resposta comum europeia ao impacto do novo coronavírus na economia, apesar do pacote de apoio económico de 37 mil milhões de euros e da ação do Banco Central Europeu (BCE). O acordo alcançado pelo Conselho Europeu, desta quinta-feira, foi “manifestamente insuficiente” – nas palavras do primeiro-ministro, António Costa -, e os economistas ouvidos pelo Jornal Económico elogiam decisão da Comissão Europeia em suspender as regras de disciplina orçamental, mas dividem-se sobre a eficácia prática da decisão.

“A ativação da cláusula [geral de salvaguarda] é ousada, como nunca foi feita antes, mas continua a ser o mínimo que a União Europeia pode fazer numa situação tão extraordinária”, diz Marta Pilati​, analista de políticas económicas e regionais no European Policy Centre (EPC). Ao JE, sublinha que pode esperar-se que agora todos os Estados-membros aumentem a despesa pública, com os vários programas de apoio à economia que têm sido apresentados por cada país.

“Consequentemente, os défices do Governo irão aumentar em todos os países. Da mesma forma, como os países provavelmente emprestarão mais, os níveis da dívida pública também irão aumentar”, realça, recordando que o rácio da dívida pública é calculado em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB). “Como o PIB irá cair devido à desaceleração económica, o rácio da dívida pública irá aumentar automaticamente”, sublinha.

Nicolas Véron, economista e membro sénior do Peterson Institute for International Economics e do Bruegel, diz ao JE que “a proposta e a decisão são apropriadas dadas as circunstâncias atuais, mas não tenho certeza se fazem uma enorme diferença”. “O Pacto de Estabilidade e Crescimento não tem sido uma estrutura eficaz para restringir o comportamento orçamental. Portugal foi uma boa ilustração disso. Quando os Estados não cumprem, a Comissão avisa que não é bom, mas não existe uma sanção financeira”, justifica.

Ao JE, um porta voz da Comissão Europeia, em Bruxelas, sublinha que “a Comissão está plenamente consciente de que as medidas adotadas pelos Estados-membros, juntamente com a queda da atividade económica, irão contribuir para défices orçamentais substancialmente mais altos, em alguns casos ultrapassando o limite do défice nominal de 3%”.

“A ativação da cláusula geral de salvaguarda tem como objetivo ajudar os Estados-Membros, permitindo-lhes seguir uma política orçamental que facilite a implementação de todas as medidas necessárias para lidar adequadamente com a crise, mantendo-se dentro do quadro de regras do PEC – cujos procedimentos continuam a aplicar-se”, acrescenta.

Vêm aí uma nova crise das dívidas soberanas?

As diferentes margens de manobra orçamental dos Estados para responder à atua crise pode, no entanto, conduzir a capacidades de respostas desiguais. Nicolas Véron sublinha que a resposta dos países irá criar algum “stress, incluindo possivelmente em termos de sustentabilidade das dívidas públicas”, mas a questão “será muito mais quanto custará resolver a pandemia”.

“E não há dúvida de que esse custo será muito diferente entre os Estados-membros. O fato de o custo não ser o mesmo para todos os países é o que torna a discussão atual sobre a partilha de risco tão difícil”.

Para Marta Pilati, “países com uma posição orçamental melhor, como a Alemanha e a Holanda, têm mais espaço orçamental para medidas extraordinárias, ou seja, podem oferecer um estímulo maior, sabendo que o nível geral de dívida é atualmente relativamente baixo”, enquanto “outros países podem enfrentar restrições mais fortes”. E exemplifica com o caso italiano, considerando que mesmo que Itália possa avançar com estímulos orçamentais sem ter que se preocupar com as restrições de disciplina europeia, o nível de dívida irá aumentar como consequência e alcançar níveis ainda mais altos”

“É importante que essa “nova” dívida incorrida para enfrentar a crise da saúde esteja em condições muito favoráveis (isto é, maturidades longas e baixas taxas de juros), para que não crie uma carga pesada para as finanças do Estado. É por isso que o programa de compra de ativos de 750 mil milhões de euros anunciado pelo BCE é extremamente importante, pois é exatamente isso”, justifica, acrescentando o exemplo da linha de crédito do MEE, ainda em discussão.

“No entanto, essas medidas continuam baseadas em crédito, ou seja, os Estados-membros terão mais dívida. Isso pode ser problemático a longo prazo se nos próximos anos os países com níveis elevados de dívida forem forçados a adotar medidas de ‘austeridade’ para melhorar a sua posição orçamental. Isso poderia dificultar a recuperação económica para a qual estão a dar estímulos neste momento”, defende.

Grégory Claeys, analista especialista em macroeconomia e governança europeia no Bruegel, considera ainda, assim, que os países o devem fazer, porque “não fazer nada será pior”. “Em termos de vidas humanas seria horrível, mas também da perspetiva económica. Se os governos não agirem, os custos serão ainda maiores porque grande parte da economia iria colapsar e seria ainda mais difícil para os Governos pagarem a dívida posteriormente”, adverte.

Apesar de Nicolas Véron sublinhar que “não temos nenhum tipo de visibilidade sobre o impacto económico e o impacto correspondente na sustentabilidade da dívida terá para os Estados-membros da zona do euro”, Marta Pilati sugere, além de uma mutualização de dívida conjunta, que a Comissão Europeia poderia criar uma categoria de “dívida especial”, a qual permitiria que “a nova dívida contraída pelos países para enfrentar a crise da saúde não surja nas contas orçamentais do país”, que ainda assim teria que ser paga – permitiria apenas na ‘alivar’ os países mais tarde na avaliação dos critérios macroeconómicos.

“A próxima avaliação dos Programas de Estabilidade e Convergência dos Estados-Membros, as Previsões da Primavera da Comissão e as propostas subsequentes da Comissão para recomendações específicas por país e a adoção pelo Conselho irão dar orientações para cada Estado-membro a fim de alcançar uma orientação orçamental de apoio apropriada a nível nacional e a nível agregado”, garante um porta-voz da Comissão Europeia ao JE.

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