a sombra das palavras - CRÓNICAS

20-06-2020
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Assim estamos, fechados. Alguns de nós, muitos não o podem fazer, há trabalhos que simplesmente não se podem parar, quer seja pela sua importância (médicos, enfermeiros, forças de segurança), quer seja pelo facto de ser a única fonte de rendimento que muitas pessoas têm. 

Escrevo esta crónica no meu 4.º dia de clausura, após o anúncio por parte do 1.º Ministro António Costa de uma série de medidas para travar o avanço da Covid-19. Gostei de o ouvir, mas devia ter ido um “poucochinho” mais longe, e devia tê-lo feito há mais tempo. Estar fechado em casa não é para mim um grande sacrifício, mas ainda que o fosse, a minha obrigação é cumprir. Hoje é o dia em que ocorreu a primeira morte em Portugal provocada pela Covid-19. Ontem tive oportunidade de ouvir uma entrevista de um médico que afirmava que a situação é muito mais grave do que aquilo que se ouve na comunicação social. Afirmou que as pessoas podiam esquecer o europeu de futebol e os jogos olímpicos, e que este ano não haveria mais escola para ninguém. A situação está a entrar numa fase em que já não interessa saber a origem da infecção, já se perdeu o controlo à expansão da doença, devemos ficar em casa, tratar os sintomas e só mesmo em último caso ir às urgências. O Serviço Nacional de Saúde poderá entrar em colapso em poucos dias, e com a falta de ventiladores caberá aos médicos “escolher” quem salvar. São momentos terríveis os que vivemos, e ainda há dois meses a Diretora Geral de Saúde, Graça Freitas, declarava que “não havia grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”. Ainda hoje, Marta Temido, Ministra da Saúde, apelou aos portugueses que reflictam sobre os seus comportamentos, e bem. Não esteve bem quando os mandou trabalhar, lembrando que “os Ingleses também não deixaram de trabalhar quando estavam a ser bombardeados na 2.ª guerra mundial”. Obviamente que a Senhora está a fazer o melhor que sabe e pode, mas é em situações destas que se exigem ministros com experiência e sentido de Estado, infelizmente são poucos neste executivo. 

Entretanto, o Senhor Presidente da República voltou a dar sinal de vida. Afirmou ter estado a acompanhar a situação minuto a minuto e declarou que vai reunir o Conselho de Estado para daí a 3 dias. Neste país nunca nada é para já, nem numa situação destas. Decide-se numa quinta-feira o fecho das escolas, mas só para segunda-feira. A Assembleia da República tem de reunir para aprovar a dispensa do visto do Tribunal de Contas para a compra de material médico urgente (máscaras, luvas, ventiladores), decide-se ao sábado, marca-se o plenário para quarta-feira. O Presidente da República tem de reunir o Conselho de Estado para a hipótese de se declarar o estado de emergência, sabe-se no domingo que só acontecerá na quarta-feira. “É para amanhã, deixa lá não faças hoje, que amanhã tudo se há-de arranjar.”

No dia em que escrevo esta crónica, Portugal tem 331 casos confirmados, 1 morte, 3 recuperados e 2908 casos suspeitos. Quando daqui a uma semana o jornal vos chegar às mãos estes números serão superiores, muito superiores. 

Não sei o que aí vem. Mas sinto medo, não especialmente por mim mas principalmente pelos que me são mais queridos. Portugal vai passar por dificuldades, e muitas, a situação que enfrentamos exige de todos uma atitude de responsabilidade e respeito, por nós e pelos outros. Este vírus coloca em perigo qualquer um, independentemente da raça, do estatuto ou da riqueza, todos estamos expostos, para ele, somos mesmo todos iguais.

Sejamos iguais na luta.

Crónica publicada na edição 383 do Notícias de Coura, 24 de março de 2020.

Assim estamos, fechados. Alguns de nós, muitos não o podem fazer, há trabalhos que simplesmente não se podem parar, quer seja pela sua importância (médicos, enfermeiros, forças de segurança), quer seja pelo facto de ser a única fonte de rendimento que muitas pessoas têm. 

Escrevo esta crónica no meu 4.º dia de clausura, após o anúncio por parte do 1.º Ministro António Costa de uma série de medidas para travar o avanço da Covid-19. Gostei de o ouvir, mas devia ter ido um “poucochinho” mais longe, e devia tê-lo feito há mais tempo. Estar fechado em casa não é para mim um grande sacrifício, mas ainda que o fosse, a minha obrigação é cumprir. Hoje é o dia em que ocorreu a primeira morte em Portugal provocada pela Covid-19. Ontem tive oportunidade de ouvir uma entrevista de um médico que afirmava que a situação é muito mais grave do que aquilo que se ouve na comunicação social. Afirmou que as pessoas podiam esquecer o europeu de futebol e os jogos olímpicos, e que este ano não haveria mais escola para ninguém. A situação está a entrar numa fase em que já não interessa saber a origem da infecção, já se perdeu o controlo à expansão da doença, devemos ficar em casa, tratar os sintomas e só mesmo em último caso ir às urgências. O Serviço Nacional de Saúde poderá entrar em colapso em poucos dias, e com a falta de ventiladores caberá aos médicos “escolher” quem salvar. São momentos terríveis os que vivemos, e ainda há dois meses a Diretora Geral de Saúde, Graça Freitas, declarava que “não havia grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”. Ainda hoje, Marta Temido, Ministra da Saúde, apelou aos portugueses que reflictam sobre os seus comportamentos, e bem. Não esteve bem quando os mandou trabalhar, lembrando que “os Ingleses também não deixaram de trabalhar quando estavam a ser bombardeados na 2.ª guerra mundial”. Obviamente que a Senhora está a fazer o melhor que sabe e pode, mas é em situações destas que se exigem ministros com experiência e sentido de Estado, infelizmente são poucos neste executivo. 

Entretanto, o Senhor Presidente da República voltou a dar sinal de vida. Afirmou ter estado a acompanhar a situação minuto a minuto e declarou que vai reunir o Conselho de Estado para daí a 3 dias. Neste país nunca nada é para já, nem numa situação destas. Decide-se numa quinta-feira o fecho das escolas, mas só para segunda-feira. A Assembleia da República tem de reunir para aprovar a dispensa do visto do Tribunal de Contas para a compra de material médico urgente (máscaras, luvas, ventiladores), decide-se ao sábado, marca-se o plenário para quarta-feira. O Presidente da República tem de reunir o Conselho de Estado para a hipótese de se declarar o estado de emergência, sabe-se no domingo que só acontecerá na quarta-feira. “É para amanhã, deixa lá não faças hoje, que amanhã tudo se há-de arranjar.”

No dia em que escrevo esta crónica, Portugal tem 331 casos confirmados, 1 morte, 3 recuperados e 2908 casos suspeitos. Quando daqui a uma semana o jornal vos chegar às mãos estes números serão superiores, muito superiores. 

Não sei o que aí vem. Mas sinto medo, não especialmente por mim mas principalmente pelos que me são mais queridos. Portugal vai passar por dificuldades, e muitas, a situação que enfrentamos exige de todos uma atitude de responsabilidade e respeito, por nós e pelos outros. Este vírus coloca em perigo qualquer um, independentemente da raça, do estatuto ou da riqueza, todos estamos expostos, para ele, somos mesmo todos iguais.

Sejamos iguais na luta.

Crónica publicada na edição 383 do Notícias de Coura, 24 de março de 2020.

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