EDUCAR EM DIÁLOGO

23-12-2019
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Carlos Amaral Dias, psicanalista, de 73 anos, faleceu a 3 de Dezembro, em circunstâncias ainda não totalmente explicadas pelo SNS/INEM.

Tive a sorte de ser seu aluno. E é essa a ligação de aluno-professor que tenho com ele. Uma ligação-admiração que seria continuada com os seus livros, e com as suas participações e intervenções na comunicação social.
Como já disse noutra altura, foi devido ao trabalho dos meus professores que sou quem sou. E como dizia a grande poetisa brasileira Cecília Meireles:
"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida
e nos marcam para sempre". 

Carlos Amaral Dias foi uma dessas pessoas que nos marcam para sempre.

Leio ou consulto com frequência algum dos livros que publicou. Amaral Dias não é de leitura fácil mas creio que era assim que ele queria. Nada pode ser fácil quando se trata da complexidade do ser humano.
Recordo as aulas de Psicanálise, do curso de Psicologia da Universidade de Coimbra, que leccionava no Centro de estudos e profilaxia da droga da mesma cidade.
Sempre impecavelmente vestido, fato e gravata, relógio de bolso, cigarro na mão... Entre o método expositivo e dialógico, as ideias fluíam de forma atractiva o que me levava a querer ouvir/saber sempre mais.
Embora com alguns conhecimentos na área do desenvolvimento psicossexual de Freud, a cadeira de psicanálise permitiu-me conhecer algumas vertentes do seu pensamento psicanalítico que passavam, necessariamente, por Freud, Melanie Klein, Bion…
Era um professor diferente do que era praticado na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra onde o formalismo de alguns professores doutores chocava um pouco com a informalidade, talvez excessiva, que trazia das minhas aulas do ISPA.
Depois continuei a acompanhar o seu pensamento nos livros que escrevia, cerca de duas dezenas,* e em  textos e entrevistas que resultaram das suas intervenções na comunicação social.

Um dos seus mais pequenos livros, A bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno, é, afinal, o grande livro que, desculpem o paternalismo, todos devíamos ler e meditar.
É de A Bondade e o perdão este extraordinário excerto (ponto 15):
"À violência que quotidianamente é gerada no nosso tempo, e que não pode ser somente denunciada mas essencialmente compreendida como gerada pelas angústias primitivas e pela pulsão de morte existente em cada um de nós, deve o homem não tanto opor, mas propor alternativas criadoras e por isso bondosas de habitar a Terra.
Uma das maiores consequências da prática da psicanálise é precisamente esta, ou seja, a compreensão dia a dia, sessão após sessão, da esterilidade da vingança e da estupidez própria da raiva. Diariamente nos confrontamos, nos nossos actos, nos nossos gestos, nas nossas relações, e nos nossos sonhos, com a obtusão mental derivada quase sempre da destruição interna que Thanatos inflige às partes boas e criadoras do self. Esse é o peso que nos empurra para a doença e para a dor. A bondade e o perdão, farão provavelmente parte das asas que nos esperam quando finalmente conseguirmos ser livres.”

Ele, certamente nas asas da bondade e do perdão, passou a ser definitivamente livre. Amaral Dias é uma referência obrigatória no campo da psicologia. Tenho, no trabalho e na vida, recorrido varias vezes à ajuda do seu pensamento. Só lhe posso estar grato.

_______________________________________

*Bibliografia (incompleta)
O
Inferno somos nós - conversas sobre crianças e adolescentes,

Já posso imaginar que faço, com João Sousa Monteiro, Um psicanalista no expresso do Ocidente, Freud para além de Freud (Vol 1 e vol 2), 
Espaço e relação terapêutica, com prefácio de Jean BergeretTeoria das transformações, Carne e lugar, Modelos de interpretação em psicanálise, (A)Re-pensar - Colectânea psicanalítica, A psicanálise em tempo de mudança - Contribuições teóricas a partir de Bion, com Manuela FlemingVolto já - ensaios sobre o real, Costurando as linhas da psicopatologia borderland (estados -limite), 
O negativo ou o retorno a Freud, Tabela para uma nebulosa - Desenvolvimentos a partir de Wilfred R. Bion, Bion hoje, com A. Muniz de Rezende e David E. ZimermanA bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno.

Carlos Amaral Dias, psicanalista, de 73 anos, faleceu a 3 de Dezembro, em circunstâncias ainda não totalmente explicadas pelo SNS/INEM.

Tive a sorte de ser seu aluno. E é essa a ligação de aluno-professor que tenho com ele. Uma ligação-admiração que seria continuada com os seus livros, e com as suas participações e intervenções na comunicação social.
Como já disse noutra altura, foi devido ao trabalho dos meus professores que sou quem sou. E como dizia a grande poetisa brasileira Cecília Meireles:
"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida
e nos marcam para sempre". 

Carlos Amaral Dias foi uma dessas pessoas que nos marcam para sempre.

Leio ou consulto com frequência algum dos livros que publicou. Amaral Dias não é de leitura fácil mas creio que era assim que ele queria. Nada pode ser fácil quando se trata da complexidade do ser humano.
Recordo as aulas de Psicanálise, do curso de Psicologia da Universidade de Coimbra, que leccionava no Centro de estudos e profilaxia da droga da mesma cidade.
Sempre impecavelmente vestido, fato e gravata, relógio de bolso, cigarro na mão... Entre o método expositivo e dialógico, as ideias fluíam de forma atractiva o que me levava a querer ouvir/saber sempre mais.
Embora com alguns conhecimentos na área do desenvolvimento psicossexual de Freud, a cadeira de psicanálise permitiu-me conhecer algumas vertentes do seu pensamento psicanalítico que passavam, necessariamente, por Freud, Melanie Klein, Bion…
Era um professor diferente do que era praticado na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra onde o formalismo de alguns professores doutores chocava um pouco com a informalidade, talvez excessiva, que trazia das minhas aulas do ISPA.
Depois continuei a acompanhar o seu pensamento nos livros que escrevia, cerca de duas dezenas,* e em  textos e entrevistas que resultaram das suas intervenções na comunicação social.

Um dos seus mais pequenos livros, A bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno, é, afinal, o grande livro que, desculpem o paternalismo, todos devíamos ler e meditar.
É de A Bondade e o perdão este extraordinário excerto (ponto 15):
"À violência que quotidianamente é gerada no nosso tempo, e que não pode ser somente denunciada mas essencialmente compreendida como gerada pelas angústias primitivas e pela pulsão de morte existente em cada um de nós, deve o homem não tanto opor, mas propor alternativas criadoras e por isso bondosas de habitar a Terra.
Uma das maiores consequências da prática da psicanálise é precisamente esta, ou seja, a compreensão dia a dia, sessão após sessão, da esterilidade da vingança e da estupidez própria da raiva. Diariamente nos confrontamos, nos nossos actos, nos nossos gestos, nas nossas relações, e nos nossos sonhos, com a obtusão mental derivada quase sempre da destruição interna que Thanatos inflige às partes boas e criadoras do self. Esse é o peso que nos empurra para a doença e para a dor. A bondade e o perdão, farão provavelmente parte das asas que nos esperam quando finalmente conseguirmos ser livres.”

Ele, certamente nas asas da bondade e do perdão, passou a ser definitivamente livre. Amaral Dias é uma referência obrigatória no campo da psicologia. Tenho, no trabalho e na vida, recorrido varias vezes à ajuda do seu pensamento. Só lhe posso estar grato.

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*Bibliografia (incompleta)
O
Inferno somos nós - conversas sobre crianças e adolescentes,

Já posso imaginar que faço, com João Sousa Monteiro, Um psicanalista no expresso do Ocidente, Freud para além de Freud (Vol 1 e vol 2), 
Espaço e relação terapêutica, com prefácio de Jean BergeretTeoria das transformações, Carne e lugar, Modelos de interpretação em psicanálise, (A)Re-pensar - Colectânea psicanalítica, A psicanálise em tempo de mudança - Contribuições teóricas a partir de Bion, com Manuela FlemingVolto já - ensaios sobre o real, Costurando as linhas da psicopatologia borderland (estados -limite), 
O negativo ou o retorno a Freud, Tabela para uma nebulosa - Desenvolvimentos a partir de Wilfred R. Bion, Bion hoje, com A. Muniz de Rezende e David E. ZimermanA bondade e o perdão - ensaio psicanalítico sobre algumas qualidades do bom objecto interno.

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