O Pafúncio

15-12-2019
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imagem daquiChina: Manifestações em Lhasa há mais de uma semanaAlgumas Questões a Propósito do Tibete(Artigo de François Forge, traduzido de Informations ouvrières – semanário editado pelo Partido dos Trabalhadores de França – nº 838, 24 de Março de 2008)A grande imprensa internacional fixou bruscamente, nestes últimos dias, toda a sua atenção sobre as manifestações que têm abalado a capital da província autónoma chinesa do Tibete (1). Porquê? O que se passa na realidade?As autoridades chinesas filtram as informações a seu gosto, e as proclamações de organizações de exilados tibetanos, na Índia e noutros sítios, não são verificáveis. Uma coisa é certa: a repressão fez numerosas vítimas (20 mortos segundo as autoridades chinesas, 130 segundo as organizações de exilados tibetanos). Aquilo que está igualmente estabelecido é que o sinal para as manifestações, no próprio Tibete, partiu de grupos de exilados na Índia que celebraram o 49º aniversário dos acontecimentos de 1959 – os quais conduziram, nessa época, ao exílio do Dalai Lama. As manifestações foram desencadeadas, em primeiro lugar, pelo facto dos monges budistas tibetanos terem saído dos seus mosteiros em cortejo.A dispersão destes desfiles foi seguida de manifestações, as quais o semanário britânico The Economist – que era o único a ter um correspondente no local – sublinha que “elas foram acompanhadas de violências raciais contra os comerciantes chineses e que são acompanhadas de violências de carácter religioso contra os muçulmanos chineses”.O jornalista britânico acrescenta que “os chineses de Lhasa estavam estupefactos e furiosos, face à reacção lenta das forças da ordem” e, a partir do momento em que estas entraram em acção, foram “os tibetanos que ficaram sujeitos ao temor de uma vaga de detenções indiscriminadas e arbitrárias”.Depois do Kosovo…Será por acaso que – no dia seguinte à proclamação da independência do Kosovo – toda a imprensa internacional se pôs a fazer um grande alarido em torno dos acontecimentos do Tibete? Aquilo que se passa hoje em dia nesta região chinesa autónoma e nas províncias vizinhas – onde residem minorias tibetanas importantes – não está a ser utilizado para preparar o desmantelamento da China?Qual o papel do Dalai Lama? Em Setembro de 2007, ele recebeu a medalha de ouro do Congresso norte-americano e foi saudado, em Outubro do mesmo ano, como campeão da democracia por Angela Merkel… E, no momento em que se desenvolvem as manifestações em Lhasa, Nancy Pelosi – presidente democrata do Congresso dos EUA (que recusou votar o fim dos créditos para a guerra no Iraque) – encontrou-se com “sua santidade”, num mosteiro na Índia. Pouco antes, a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, também o tinha saudado.Esta proliferação de homenagens também encontrou um reforço, quase caricatural, em certos sectores que proclamam ser “alter-mundialistas” ou “anti-capitalistas”.É assim que Politis – jornal da Esquerda Alternativa – não hesita em dizer que o Tibete constitui a maior injustiça colonial, em conjunto com a Palestina! E que Rouge, semanário da LCR (Liga Comunista Revolucionária, de França), apela à ONU para assegurar o direito à autodeterminação dos Tibetanos (2). Partir dos Factos Restabeleçamos alguns factos.Todas as nações constituíram-se englobando componentes diversas, ao longo do seu desenvolvimento. O Tibete está associado à China desde o século XIII (Ver “Referências cronológicas”), e foi apenas durante a decomposição do império chinês – e nas condições criadas pela intervenção imperialista – que o Tibete conheceu uma pretensa independência, a qual era na realidade uma dependência do imperialismo britânico. Foi assim muito naturalmente que a revolução chinesa de 1949 – destruindo o feudalismo, acabando com a dominação estrangeira e iniciando a colectivização dos meios de produção – englobou o Tibete.A raiz dos problemas actuais não se encontra no desprezo pelas tradições religiosas locais (3), mas muito mais no facto da camada dirigente do Partido Comunista e do Estado chinês ter procurado – num acordo com o clero tibetano, depois da vitória da revolução chinesa de 1949 – preservar o sistema social fundado sobre a escravidão da grande massa dos camponeses, que assegurava a dominação do alto clero budista nessa região da China. É o desenvolvimento da revolução agrária, da colectivização das terras de toda a China que levou, por volta do final da década de 1950, à quebra deste compromisso. Foi então, com o apoio da CIA, que foi desencadeada uma insurreição, no seguimento da qual o Dalai Lama foi exilado.Onde está o futuro?Os problemas reais das minorias nacionais linguísticas não podem ser resolvidos positivamente sem ser através da democracia. A burocracia dirigente chinesa – que se arroga o monopólio do poder político e que, para manter os seus privilégios, recusa qualquer expressão independente à classe operária – é incapaz de o fazer. Tirar a conclusão, como o fazem alguns, que o futuro dos tibetanos está num retorno a um feudalismo teocrático e no desmantelamento da China, é considerar que não há futuro para os povos – e, nomeadamente, para o povo chinês – senão submetendo-se ao imperialismo. Para defender hoje aquilo que resta das conquistas da revolução – e, antes de tudo, a propriedade do Estado dos grandes meios de produção e a unidade do país – a classe operária chinesa, no seu conjunto tem, mais do que nunca, necessidade de democracia.E isso vale tanto para a componente tibetana como para todas as outras.Notas 1) No Tibete coabitam tibetanos – com a sua própria língua e cultura – e chineses, em maioria Han, que se instalaram no Tibete depois de 1950.2) Num segundo comunicado, a LCR arrepende-se: «A reacção dos diferentes governos, à imagem do de Nicolas Sarkozy, é de uma grande timidez, limitando-se a pedir ao Governo chinês “mais moderação”.»3) Uma nota a este respeito: O Governo chinês tem sido vezes acusado de espezinhar as tradições religiosas no Tibete; parece, no entanto, que os mosteiros foram preservados e continuam a juntar um número considerável de monges que “beneficiam da caridade pública” e, portanto, da tolerância do poder.REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS· Segundo as estatísticas oficiais chinesas, o número de tibetanos é cerca de 5,2 milhões, dos quais há 2,5 milhões que se encontram na região autónoma do Tibete (cuja capital é Lhasa), estando o resto repartido pelas províncias do Qinghai, do Gansu e do Sichuan. Os tibetanos são uma minoria nacional, com uma língua e uma cultura próprias. · A superfície da região autónoma é de 1 221 000 km2.· O Tibete sempre esteve sujeito a um regime teocrático, no qual a esmagadora maioria do campesinato vivia numa situação de escravidão.· Desde o século XIII, que está associado à China.· Em 1720, tornou-se um protectorado do império chinês, mas as suas estruturas particulares foram preservadas.· Em 1904, as forças militares sob direcção britânica tornaram o Tibete numa dependência do imperialismo inglês.· Em Outubro de 1950, o Tibete foi integrado (no momento da guerra da Coreia) na República Popular da China, mas o sistema feudal manteve-se até 1959.Apelo do Comité Internacional para a Defesa da Propriedade Social na China, para a Defesa dos Trabalhadores Chineses (extractos)Constituído em Mumbai (Índia), a 20 de Janeiro de 2008, por militantes operários da Ásia


imagem daquiChina: Manifestações em Lhasa há mais de uma semanaAlgumas Questões a Propósito do Tibete(Artigo de François Forge, traduzido de Informations ouvrières – semanário editado pelo Partido dos Trabalhadores de França – nº 838, 24 de Março de 2008)A grande imprensa internacional fixou bruscamente, nestes últimos dias, toda a sua atenção sobre as manifestações que têm abalado a capital da província autónoma chinesa do Tibete (1). Porquê? O que se passa na realidade?As autoridades chinesas filtram as informações a seu gosto, e as proclamações de organizações de exilados tibetanos, na Índia e noutros sítios, não são verificáveis. Uma coisa é certa: a repressão fez numerosas vítimas (20 mortos segundo as autoridades chinesas, 130 segundo as organizações de exilados tibetanos). Aquilo que está igualmente estabelecido é que o sinal para as manifestações, no próprio Tibete, partiu de grupos de exilados na Índia que celebraram o 49º aniversário dos acontecimentos de 1959 – os quais conduziram, nessa época, ao exílio do Dalai Lama. As manifestações foram desencadeadas, em primeiro lugar, pelo facto dos monges budistas tibetanos terem saído dos seus mosteiros em cortejo.A dispersão destes desfiles foi seguida de manifestações, as quais o semanário britânico The Economist – que era o único a ter um correspondente no local – sublinha que “elas foram acompanhadas de violências raciais contra os comerciantes chineses e que são acompanhadas de violências de carácter religioso contra os muçulmanos chineses”.O jornalista britânico acrescenta que “os chineses de Lhasa estavam estupefactos e furiosos, face à reacção lenta das forças da ordem” e, a partir do momento em que estas entraram em acção, foram “os tibetanos que ficaram sujeitos ao temor de uma vaga de detenções indiscriminadas e arbitrárias”.Depois do Kosovo…Será por acaso que – no dia seguinte à proclamação da independência do Kosovo – toda a imprensa internacional se pôs a fazer um grande alarido em torno dos acontecimentos do Tibete? Aquilo que se passa hoje em dia nesta região chinesa autónoma e nas províncias vizinhas – onde residem minorias tibetanas importantes – não está a ser utilizado para preparar o desmantelamento da China?Qual o papel do Dalai Lama? Em Setembro de 2007, ele recebeu a medalha de ouro do Congresso norte-americano e foi saudado, em Outubro do mesmo ano, como campeão da democracia por Angela Merkel… E, no momento em que se desenvolvem as manifestações em Lhasa, Nancy Pelosi – presidente democrata do Congresso dos EUA (que recusou votar o fim dos créditos para a guerra no Iraque) – encontrou-se com “sua santidade”, num mosteiro na Índia. Pouco antes, a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, também o tinha saudado.Esta proliferação de homenagens também encontrou um reforço, quase caricatural, em certos sectores que proclamam ser “alter-mundialistas” ou “anti-capitalistas”.É assim que Politis – jornal da Esquerda Alternativa – não hesita em dizer que o Tibete constitui a maior injustiça colonial, em conjunto com a Palestina! E que Rouge, semanário da LCR (Liga Comunista Revolucionária, de França), apela à ONU para assegurar o direito à autodeterminação dos Tibetanos (2). Partir dos Factos Restabeleçamos alguns factos.Todas as nações constituíram-se englobando componentes diversas, ao longo do seu desenvolvimento. O Tibete está associado à China desde o século XIII (Ver “Referências cronológicas”), e foi apenas durante a decomposição do império chinês – e nas condições criadas pela intervenção imperialista – que o Tibete conheceu uma pretensa independência, a qual era na realidade uma dependência do imperialismo britânico. Foi assim muito naturalmente que a revolução chinesa de 1949 – destruindo o feudalismo, acabando com a dominação estrangeira e iniciando a colectivização dos meios de produção – englobou o Tibete.A raiz dos problemas actuais não se encontra no desprezo pelas tradições religiosas locais (3), mas muito mais no facto da camada dirigente do Partido Comunista e do Estado chinês ter procurado – num acordo com o clero tibetano, depois da vitória da revolução chinesa de 1949 – preservar o sistema social fundado sobre a escravidão da grande massa dos camponeses, que assegurava a dominação do alto clero budista nessa região da China. É o desenvolvimento da revolução agrária, da colectivização das terras de toda a China que levou, por volta do final da década de 1950, à quebra deste compromisso. Foi então, com o apoio da CIA, que foi desencadeada uma insurreição, no seguimento da qual o Dalai Lama foi exilado.Onde está o futuro?Os problemas reais das minorias nacionais linguísticas não podem ser resolvidos positivamente sem ser através da democracia. A burocracia dirigente chinesa – que se arroga o monopólio do poder político e que, para manter os seus privilégios, recusa qualquer expressão independente à classe operária – é incapaz de o fazer. Tirar a conclusão, como o fazem alguns, que o futuro dos tibetanos está num retorno a um feudalismo teocrático e no desmantelamento da China, é considerar que não há futuro para os povos – e, nomeadamente, para o povo chinês – senão submetendo-se ao imperialismo. Para defender hoje aquilo que resta das conquistas da revolução – e, antes de tudo, a propriedade do Estado dos grandes meios de produção e a unidade do país – a classe operária chinesa, no seu conjunto tem, mais do que nunca, necessidade de democracia.E isso vale tanto para a componente tibetana como para todas as outras.Notas 1) No Tibete coabitam tibetanos – com a sua própria língua e cultura – e chineses, em maioria Han, que se instalaram no Tibete depois de 1950.2) Num segundo comunicado, a LCR arrepende-se: «A reacção dos diferentes governos, à imagem do de Nicolas Sarkozy, é de uma grande timidez, limitando-se a pedir ao Governo chinês “mais moderação”.»3) Uma nota a este respeito: O Governo chinês tem sido vezes acusado de espezinhar as tradições religiosas no Tibete; parece, no entanto, que os mosteiros foram preservados e continuam a juntar um número considerável de monges que “beneficiam da caridade pública” e, portanto, da tolerância do poder.REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS· Segundo as estatísticas oficiais chinesas, o número de tibetanos é cerca de 5,2 milhões, dos quais há 2,5 milhões que se encontram na região autónoma do Tibete (cuja capital é Lhasa), estando o resto repartido pelas províncias do Qinghai, do Gansu e do Sichuan. Os tibetanos são uma minoria nacional, com uma língua e uma cultura próprias. · A superfície da região autónoma é de 1 221 000 km2.· O Tibete sempre esteve sujeito a um regime teocrático, no qual a esmagadora maioria do campesinato vivia numa situação de escravidão.· Desde o século XIII, que está associado à China.· Em 1720, tornou-se um protectorado do império chinês, mas as suas estruturas particulares foram preservadas.· Em 1904, as forças militares sob direcção britânica tornaram o Tibete numa dependência do imperialismo inglês.· Em Outubro de 1950, o Tibete foi integrado (no momento da guerra da Coreia) na República Popular da China, mas o sistema feudal manteve-se até 1959.Apelo do Comité Internacional para a Defesa da Propriedade Social na China, para a Defesa dos Trabalhadores Chineses (extractos)Constituído em Mumbai (Índia), a 20 de Janeiro de 2008, por militantes operários da Ásia

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