Lar triste lar

27-08-2020
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Bom dia. O surto de Reguengos de Monsaraz, que vitimou 17 idosos de um lar, uma funcionária de 42 anos e um motorista da autarquia, foi dado como findo há mais de uma semana, depois de um mês e meio ativo, mas só agora a onda do impacto atingiu o governo . Na entrevista que concedeu ao Expresso , a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, assumiu que não leu pessoalmente o relatório que a Ordem dos Médicos lhe enviou, onde são denunciadas situações de abandono dos utentes da instituição alentejana (80 de 84 apanharam covid), e relativiza a situação atual da pandemia nos lares com a “proporção” de casos registados: “3% do total dos lares e 0,5% dos utentes afetados”. As reações não tardaram. Antes do primeiro mergulho de mar das suas férias no Algarve, Marcelo Rebelo de Sousa , rodeado de jornalistas que o aguardavam junto à praia do Alvor, afirmou que “é preciso ler todos os relatórios” – já existem quatro sobre este surto e o Presidente analisou-os todos –, num claro recado a Ana Mendes Godinho, garantindo haver muita matéria para a Justiça apreciar. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães , classificou como um gesto de “grande insensibilidade a ministra não ter perdido 15 a 20 minutos a ler a auditoria”. Na entrevista, a titular da pasta da Segurança Social garante ter tido sempre o apoio dos membros do Governo , mas a verdade é que nenhum apareceu para a defender no fim-de-semana . A oposição, por seu lado, picou o ponto bem cedo e com exigências concretas. O PSD quer que Ana Mendes Godinho vá ao Parlamento , com carácter de urgência, explicar a situação no lar de Reguengos. Rui Rio fala mesmo de uma “teia de relações partidárias” entre a administração de saúde e segurança social no Alentejo e exige o apuramento de responsabilidades pela morte dos 18 doentes, “que não são redutíveis a percentagens”. Pede também a presença da ministra da Saúde na Assembleia da República, quando se regista um novo surto regional, agora em Mora, com 39 casos positivos na vila. O requerimento é entregue já esta segunda-feira. O CDS apresenta idêntico pedido, mas acrescenta a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, ao rol de presenças parlamentares. E quer mais: o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu a demissão da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na sequência da entrevista ao Expresso. Igualmente crítico foi Marques Mendes . No seu espaço de comentário semanal na SIC, afirmou que “Ana Mendes Godinho tem sido uma desilusão. Parece um caso de inadaptação ao posto de trabalho” . Alheia a trocas de galhardetes e acusações políticas, a covid-19 mantém a sua progressão, nacional e mundial. Por cá, nas últimas 24 horas, houve mais três mortes, 112 recuperados e 121 infetados, e deu-se uma viragem regional: pela primeira vez em mais de três meses (desde 10 maio), o Norte teve mais casos do que a região da capital (veja aqui todos os números e gráficos). Lá fora , o receio de uma segunda vaga aumenta: Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, anunciou o adiamento por um mês das eleições gerais no país, que estavam previstas para 17 de Setembro; a Venezuela está em quarentena estrita com mais de 1.000 casos diários; a Índia ultrapassa os 50 mil mortos desde o início da pandemia; Itália fecha discotecas e obriga ao uso de máscara em lugares públicos à noite ; França fica acima dos 3 mil novos casos pelo segundo dia consecutivo e o Reino Unido regista 1.040 novos contágios em 24 horas.

OUTRAS NOTÍCIAS

Racismo, fascismo e KKK. Explicar o racismo a uma criança de sete anos não é fácil. Como trocar por miúdos um termo sobre o qual nem os crescidos se conseguem por em acordo? Mas ele queria saber – como quer saber tudo e mais um par de botas –, depois de ouvir repetidamente a palavra nos noticiários dos últimos meses. Fui buscar referências dele, falei-lhe da Letícia, a colega de turma de pele mais escura. Perguntei-lhe se achava que ela era menos importante ou diferente dos restantes meninos, se era menos boa aluna, menos divertida, menos amiga, menos alguma coisa só por causa da cor. Ele franziu a testa e o nariz, e pôs no rosto uma mistura de incompreensão e incredibilidade. “Não! É só mais bronzeada”.

Expliquei-lhe, então, que há quem a considere inferior só pela cor, que não lhes dá as mesmas oportunidades só pela cor, que não a considera portuguesa só pela cor, que defende que não pode viver no país (que é o dela) só pela cor, e que a essas pessoas se chamam racistas (vou deixar termos como nacionalistas e fascistas para mais tarde). Ele juntou aos olhos faíscas de fúria e encontrou desde logo a solução: “Eu dava-lhes um murro. Isso é só estúpido”.

A lição foi aprendida no sentido certo e com orgulho incontido da mãe, seguindo-se depois novos ensinamentos sobre a não-violência – não se bate, argumenta-se -, e serve aqui para mostrar como a frontalidade das crianças, inocente, sem dogmas nem contágios sociais e culturais, reduz a questão ao seu essencial: discriminar alguém pela quantidade de melanina da epiderme é só estúpido.

E porque em 2020 ainda é preciso – e parece que cada vez é mais preciso – explicar algo tão simples, ontem centenas de pessoas juntaram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, e na Avenida dos Aliados, no Porto, para garantir a todo o país que os racistas e fascistas portugueses “não passarão”. As manifestações (veja os vídeos e as fotos), organizados pela Frente Unitária Antifascista (FUA), surgiram como resposta aos acontecimentos dos últimos dias: 3 deputadas e 7 ativistas foram ameaçados de morte por grupos nacionais de extrema-direita (Resistência Nacional e Nova Ordem de Avis) e houve ainda uma ‘parada Ku Klux Klan’ em frente à sede da SOS Racismo, em Lisboa.

Cirurgias. Mais de 40% dos doentes estão à espera de cirurgias fora do prazo aceitável, noticia o Público. Há 242 mil pessoas em lista de espera, das quais mais de 100 mil viram já ultrapassado o tempo recomendado. Quase 45 mil aguardavam há mais de um ano pela operação. São dados de Maio, o último mês para o qual há informações.

Saúde Pública vai ter mais 54 vagas para formar novos especialistas, que escasseiam em tempo de pandemia. De acordo com o Diário de Notícias, as Administrações de Saúde tinham pedido apenas 26 mas a ministra da Saúde quis duplicar o número. Ordem dos Médicos e Conselho Nacional do Internato Médico conseguiram negociar 54. Agora só esperam que nenhuma fique por preencher como aconteceu em anos anteriores.

Saúde Mental. Falta de investimento potencia homicídios avança o Jornal de Notícias. Quatro assassínios foram cometidos em menos de um mês em contextos familiares marcados por doenças mentais. Especialistas criticam falta de apoio e temem que o confinamento venha agravar a situação.

Fome. Mais de 89 mil pessoas foram ajudadas pelas câmaras municipais com entregas de refeições, cabazes ou vales para serem trocados por alimentos no comércio local, durante o confinamento — e mesmo após esse período. É o resultado de um inquérito do Jornal de Notícias a 178 autarquias, das quais 87,3% viram-se obrigadas a reforçar a oferta devido ao aumento de pedidos de famílias que perderam rendimentos.

Não (ao) Podemos. Em Espanha, a Investigação ao envolvimento do Podemos num caso de peculato e administração desleal, depois do alegado furto do telemóvel da ex-assessora, levou a oposição espanhola a pedir a demissão do líder do partido, Pablo Iglesias. Os dirigentes e o partido são acusados de administração desleal, na sequência de uma denúncia apresentada pelo ex-advogado do Podemos, José Manuel Calvente.

A mancha negra. Partiu-se em dois o navio que encalhou num recife na Ilha Maurícia, derramando cerca de mil toneladas de óleo combustível na costa, atingindo áreas protegidas com florestas de mangais e espécies ameaçadas. Segundo as autoridades, ainda havia cerca de 90 toneladas de combustível a bordo quando o barco se partiu. Milhares de pessoas têm estado envolvidas nos trabalhos de limpeza, usando bombas improvisadas e folhas de cana-de-açúcar para tentar conter o petróleo.

Sanita Lunar. Os EUA querem regressar à lua com uma missão tripulada, incluindo a primeira mulher, em 2024. E é no âmbito do programa Artémis que a NASA lançou um desafio mundial de design para a criação de uma sanita capaz de funcionar no espaço e na superfície da lua. Terá de ser compacta e leve, unissexo, consumir menos de 70 Watts de energia e ser de fácil manutenção e limpeza. O prémio para a “Lunar Loo” é de 31 mil euros. As inscrições terminam esta segunda-feira.

FRASES

“Engraçado Rui Pinto estar a fazer estas perguntas sobre ‘torre bela’. Pensei que fosse um hacker com 715 mil documentos e provas. Pelos vistos é um mero curioso que vive de fofocas. E é verdade que lhe vão pagar salário como funcionário público e dar casa?”

Isabel dos Santos no Twitter, em resposta ao um anterior tweet do pirata informático em que este levantava a hipótese da família dos Santos ser a real proprietária da Herdade da Torre Bela, antiga propriedade do Duque de Lafões, na região Oeste do país, bem como de cerca de uma dezena de propriedades na zona.

“Estamos numa crise, a pior crise da minha vida desde a Segunda Guerra Mundial. Descrevê-la-ia como um momento revolucionário em que o leque de possibilidades é muito maior do que em tempos normais”.

George Soros, em entrevista ao Público.

“Conseguimos construir um belo país, com suas dificuldades e falhas. A quem o querem entregar? Se alguém o quiser entregar eu não o permito, nem morto”.

Alexandr Lukashenko, presidente da Bielorrúsia, citado pela agência Belta, na sequência dos protestos contra a sua reeleição.

“Foi no domingo de Páscoa que se soube em Leiria, que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem sanguíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comilão dos comilões. Contavam-se histórias singulares da sua voracidade”.

Eça de Queirós, a iniciar o seu ‘Crime do Padre Amaro’. Comemoraram-se ontem os 120 anos da sua morte.

O QUE ANDO A LER

“Para Aquela Que Está Sentada No escuro À Minha Espera”, de António Lobo Antunes.

Não fazia ideia de qual era o enredo deste romance, o 27º do autor, quando o iniciei. Lobo Antunes é um valor seguro, não precisa de me convencer com resumos prévios. Faz-me sorrir invariavelmente com a forma como brinca com as palavras, mesmo que, quase sempre, estas se juntem para contar histórias tristes. Mas estava longe de adivinhar que ia ‘ouvir’ a voz de quem raramente se ouve: os idosos. Com os lares e os grupos de risco da covid-19 todos os dias nas notícias, as personagens da tragédia não têm voz. E só o percebi agora. É certo que a maioria está inacessível por proteção, fechados em casa ou em instituições, mas algo me diz que este silêncio é também resultado da infantilização e menorização dos mais velhos.

Aqui uma mulher de 78 anos conta a sua história, de atriz de teatro da velha guarda, de sucesso, a quem a idade, na forma de pequeninas demências, afastou do palco. Uma deixa esquecida, uma frase trocada, um corpo perdido na boca da cena. É ela fechada em casa a relatar um pouco da vida que tem e muito da que tinha, tal como dita o Alzheimer que lhe apaga o presente e mantém vivo o passado, num discurso cheio de confusões, de mobília que muda de sítio durante a noite, de um galgo cor de rosa estampado num velho avental que insiste em ladrar, dela a arranjar-se para os ensaios onde já ninguém a espera. É ela a lidar com a falta de autonomia, com a mulher velha que cuida dela (e que é, na verdade, mais nova) a enchê-la de comprimidos - um azul e um branco com uma ranhura a meio, enorme - e comida, a vigiá-la como se faz às crianças para ter a certeza que comeu a papa toda e que não se suja outra vez.

Tanto está em Faro, onde cresceu, a lembrar o pai com o bolsinho do lenço cheio de canetas e a mãe a contar as malhas do crochet – “17 não era?" -, como regressa à casa de Lisboa onde sobrevive, um 2º andar que era da madrinha – “paz à sua alma” -, só ela, o roupão, o cabelo às três pancadas e o gato. “Normalmente são dois ou três anos até o cérebro se dissolver por completo”, ouviu o médico a dizer ao sobrinho do marido que já não tem. E ela, que vê os dias lentíssimos, até isso lhe parece demais.

Por hoje é tudo. Tenha uma boa semana e acompanhe toda a atualidade em expresso.pt.

Bom dia. O surto de Reguengos de Monsaraz, que vitimou 17 idosos de um lar, uma funcionária de 42 anos e um motorista da autarquia, foi dado como findo há mais de uma semana, depois de um mês e meio ativo, mas só agora a onda do impacto atingiu o governo . Na entrevista que concedeu ao Expresso , a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, assumiu que não leu pessoalmente o relatório que a Ordem dos Médicos lhe enviou, onde são denunciadas situações de abandono dos utentes da instituição alentejana (80 de 84 apanharam covid), e relativiza a situação atual da pandemia nos lares com a “proporção” de casos registados: “3% do total dos lares e 0,5% dos utentes afetados”. As reações não tardaram. Antes do primeiro mergulho de mar das suas férias no Algarve, Marcelo Rebelo de Sousa , rodeado de jornalistas que o aguardavam junto à praia do Alvor, afirmou que “é preciso ler todos os relatórios” – já existem quatro sobre este surto e o Presidente analisou-os todos –, num claro recado a Ana Mendes Godinho, garantindo haver muita matéria para a Justiça apreciar. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães , classificou como um gesto de “grande insensibilidade a ministra não ter perdido 15 a 20 minutos a ler a auditoria”. Na entrevista, a titular da pasta da Segurança Social garante ter tido sempre o apoio dos membros do Governo , mas a verdade é que nenhum apareceu para a defender no fim-de-semana . A oposição, por seu lado, picou o ponto bem cedo e com exigências concretas. O PSD quer que Ana Mendes Godinho vá ao Parlamento , com carácter de urgência, explicar a situação no lar de Reguengos. Rui Rio fala mesmo de uma “teia de relações partidárias” entre a administração de saúde e segurança social no Alentejo e exige o apuramento de responsabilidades pela morte dos 18 doentes, “que não são redutíveis a percentagens”. Pede também a presença da ministra da Saúde na Assembleia da República, quando se regista um novo surto regional, agora em Mora, com 39 casos positivos na vila. O requerimento é entregue já esta segunda-feira. O CDS apresenta idêntico pedido, mas acrescenta a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, ao rol de presenças parlamentares. E quer mais: o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu a demissão da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na sequência da entrevista ao Expresso. Igualmente crítico foi Marques Mendes . No seu espaço de comentário semanal na SIC, afirmou que “Ana Mendes Godinho tem sido uma desilusão. Parece um caso de inadaptação ao posto de trabalho” . Alheia a trocas de galhardetes e acusações políticas, a covid-19 mantém a sua progressão, nacional e mundial. Por cá, nas últimas 24 horas, houve mais três mortes, 112 recuperados e 121 infetados, e deu-se uma viragem regional: pela primeira vez em mais de três meses (desde 10 maio), o Norte teve mais casos do que a região da capital (veja aqui todos os números e gráficos). Lá fora , o receio de uma segunda vaga aumenta: Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, anunciou o adiamento por um mês das eleições gerais no país, que estavam previstas para 17 de Setembro; a Venezuela está em quarentena estrita com mais de 1.000 casos diários; a Índia ultrapassa os 50 mil mortos desde o início da pandemia; Itália fecha discotecas e obriga ao uso de máscara em lugares públicos à noite ; França fica acima dos 3 mil novos casos pelo segundo dia consecutivo e o Reino Unido regista 1.040 novos contágios em 24 horas.

OUTRAS NOTÍCIAS

Racismo, fascismo e KKK. Explicar o racismo a uma criança de sete anos não é fácil. Como trocar por miúdos um termo sobre o qual nem os crescidos se conseguem por em acordo? Mas ele queria saber – como quer saber tudo e mais um par de botas –, depois de ouvir repetidamente a palavra nos noticiários dos últimos meses. Fui buscar referências dele, falei-lhe da Letícia, a colega de turma de pele mais escura. Perguntei-lhe se achava que ela era menos importante ou diferente dos restantes meninos, se era menos boa aluna, menos divertida, menos amiga, menos alguma coisa só por causa da cor. Ele franziu a testa e o nariz, e pôs no rosto uma mistura de incompreensão e incredibilidade. “Não! É só mais bronzeada”.

Expliquei-lhe, então, que há quem a considere inferior só pela cor, que não lhes dá as mesmas oportunidades só pela cor, que não a considera portuguesa só pela cor, que defende que não pode viver no país (que é o dela) só pela cor, e que a essas pessoas se chamam racistas (vou deixar termos como nacionalistas e fascistas para mais tarde). Ele juntou aos olhos faíscas de fúria e encontrou desde logo a solução: “Eu dava-lhes um murro. Isso é só estúpido”.

A lição foi aprendida no sentido certo e com orgulho incontido da mãe, seguindo-se depois novos ensinamentos sobre a não-violência – não se bate, argumenta-se -, e serve aqui para mostrar como a frontalidade das crianças, inocente, sem dogmas nem contágios sociais e culturais, reduz a questão ao seu essencial: discriminar alguém pela quantidade de melanina da epiderme é só estúpido.

E porque em 2020 ainda é preciso – e parece que cada vez é mais preciso – explicar algo tão simples, ontem centenas de pessoas juntaram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, e na Avenida dos Aliados, no Porto, para garantir a todo o país que os racistas e fascistas portugueses “não passarão”. As manifestações (veja os vídeos e as fotos), organizados pela Frente Unitária Antifascista (FUA), surgiram como resposta aos acontecimentos dos últimos dias: 3 deputadas e 7 ativistas foram ameaçados de morte por grupos nacionais de extrema-direita (Resistência Nacional e Nova Ordem de Avis) e houve ainda uma ‘parada Ku Klux Klan’ em frente à sede da SOS Racismo, em Lisboa.

Cirurgias. Mais de 40% dos doentes estão à espera de cirurgias fora do prazo aceitável, noticia o Público. Há 242 mil pessoas em lista de espera, das quais mais de 100 mil viram já ultrapassado o tempo recomendado. Quase 45 mil aguardavam há mais de um ano pela operação. São dados de Maio, o último mês para o qual há informações.

Saúde Pública vai ter mais 54 vagas para formar novos especialistas, que escasseiam em tempo de pandemia. De acordo com o Diário de Notícias, as Administrações de Saúde tinham pedido apenas 26 mas a ministra da Saúde quis duplicar o número. Ordem dos Médicos e Conselho Nacional do Internato Médico conseguiram negociar 54. Agora só esperam que nenhuma fique por preencher como aconteceu em anos anteriores.

Saúde Mental. Falta de investimento potencia homicídios avança o Jornal de Notícias. Quatro assassínios foram cometidos em menos de um mês em contextos familiares marcados por doenças mentais. Especialistas criticam falta de apoio e temem que o confinamento venha agravar a situação.

Fome. Mais de 89 mil pessoas foram ajudadas pelas câmaras municipais com entregas de refeições, cabazes ou vales para serem trocados por alimentos no comércio local, durante o confinamento — e mesmo após esse período. É o resultado de um inquérito do Jornal de Notícias a 178 autarquias, das quais 87,3% viram-se obrigadas a reforçar a oferta devido ao aumento de pedidos de famílias que perderam rendimentos.

Não (ao) Podemos. Em Espanha, a Investigação ao envolvimento do Podemos num caso de peculato e administração desleal, depois do alegado furto do telemóvel da ex-assessora, levou a oposição espanhola a pedir a demissão do líder do partido, Pablo Iglesias. Os dirigentes e o partido são acusados de administração desleal, na sequência de uma denúncia apresentada pelo ex-advogado do Podemos, José Manuel Calvente.

A mancha negra. Partiu-se em dois o navio que encalhou num recife na Ilha Maurícia, derramando cerca de mil toneladas de óleo combustível na costa, atingindo áreas protegidas com florestas de mangais e espécies ameaçadas. Segundo as autoridades, ainda havia cerca de 90 toneladas de combustível a bordo quando o barco se partiu. Milhares de pessoas têm estado envolvidas nos trabalhos de limpeza, usando bombas improvisadas e folhas de cana-de-açúcar para tentar conter o petróleo.

Sanita Lunar. Os EUA querem regressar à lua com uma missão tripulada, incluindo a primeira mulher, em 2024. E é no âmbito do programa Artémis que a NASA lançou um desafio mundial de design para a criação de uma sanita capaz de funcionar no espaço e na superfície da lua. Terá de ser compacta e leve, unissexo, consumir menos de 70 Watts de energia e ser de fácil manutenção e limpeza. O prémio para a “Lunar Loo” é de 31 mil euros. As inscrições terminam esta segunda-feira.

FRASES

“Engraçado Rui Pinto estar a fazer estas perguntas sobre ‘torre bela’. Pensei que fosse um hacker com 715 mil documentos e provas. Pelos vistos é um mero curioso que vive de fofocas. E é verdade que lhe vão pagar salário como funcionário público e dar casa?”

Isabel dos Santos no Twitter, em resposta ao um anterior tweet do pirata informático em que este levantava a hipótese da família dos Santos ser a real proprietária da Herdade da Torre Bela, antiga propriedade do Duque de Lafões, na região Oeste do país, bem como de cerca de uma dezena de propriedades na zona.

“Estamos numa crise, a pior crise da minha vida desde a Segunda Guerra Mundial. Descrevê-la-ia como um momento revolucionário em que o leque de possibilidades é muito maior do que em tempos normais”.

George Soros, em entrevista ao Público.

“Conseguimos construir um belo país, com suas dificuldades e falhas. A quem o querem entregar? Se alguém o quiser entregar eu não o permito, nem morto”.

Alexandr Lukashenko, presidente da Bielorrúsia, citado pela agência Belta, na sequência dos protestos contra a sua reeleição.

“Foi no domingo de Páscoa que se soube em Leiria, que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem sanguíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comilão dos comilões. Contavam-se histórias singulares da sua voracidade”.

Eça de Queirós, a iniciar o seu ‘Crime do Padre Amaro’. Comemoraram-se ontem os 120 anos da sua morte.

O QUE ANDO A LER

“Para Aquela Que Está Sentada No escuro À Minha Espera”, de António Lobo Antunes.

Não fazia ideia de qual era o enredo deste romance, o 27º do autor, quando o iniciei. Lobo Antunes é um valor seguro, não precisa de me convencer com resumos prévios. Faz-me sorrir invariavelmente com a forma como brinca com as palavras, mesmo que, quase sempre, estas se juntem para contar histórias tristes. Mas estava longe de adivinhar que ia ‘ouvir’ a voz de quem raramente se ouve: os idosos. Com os lares e os grupos de risco da covid-19 todos os dias nas notícias, as personagens da tragédia não têm voz. E só o percebi agora. É certo que a maioria está inacessível por proteção, fechados em casa ou em instituições, mas algo me diz que este silêncio é também resultado da infantilização e menorização dos mais velhos.

Aqui uma mulher de 78 anos conta a sua história, de atriz de teatro da velha guarda, de sucesso, a quem a idade, na forma de pequeninas demências, afastou do palco. Uma deixa esquecida, uma frase trocada, um corpo perdido na boca da cena. É ela fechada em casa a relatar um pouco da vida que tem e muito da que tinha, tal como dita o Alzheimer que lhe apaga o presente e mantém vivo o passado, num discurso cheio de confusões, de mobília que muda de sítio durante a noite, de um galgo cor de rosa estampado num velho avental que insiste em ladrar, dela a arranjar-se para os ensaios onde já ninguém a espera. É ela a lidar com a falta de autonomia, com a mulher velha que cuida dela (e que é, na verdade, mais nova) a enchê-la de comprimidos - um azul e um branco com uma ranhura a meio, enorme - e comida, a vigiá-la como se faz às crianças para ter a certeza que comeu a papa toda e que não se suja outra vez.

Tanto está em Faro, onde cresceu, a lembrar o pai com o bolsinho do lenço cheio de canetas e a mãe a contar as malhas do crochet – “17 não era?" -, como regressa à casa de Lisboa onde sobrevive, um 2º andar que era da madrinha – “paz à sua alma” -, só ela, o roupão, o cabelo às três pancadas e o gato. “Normalmente são dois ou três anos até o cérebro se dissolver por completo”, ouviu o médico a dizer ao sobrinho do marido que já não tem. E ela, que vê os dias lentíssimos, até isso lhe parece demais.

Por hoje é tudo. Tenha uma boa semana e acompanhe toda a atualidade em expresso.pt.

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