Vaná, guarda-redes
do F.C. do Porto partilha, de forma um tanto ou quanto ingénua, “o futebol não é isso”.
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional emite um comunicado onde se lê “Os executores destes
comportamentos não são adeptos de futebol, mas sim criminosos” (aparentemente, por um qualquer imperativo filosófico, quem é uma coisa não pode ser a outra). Pedro Proença, segue à risca o
depoimento do organismo a que preside e diz que “aquilo
que hoje se passou não é um caso... desportivo, é um caso obviamente, um caso
de polícia”. Pedro Ivo Carvalho, subdirector do JN, baptiza
o seu artigo de opinião com um retumbante “Eles
não gostam de futebol”. Nuno Correia da Silva, vice-presidente da Holdimo e
administrador não executivo da Sporting SAD apresenta uma versão um pouco mais idiota que as anteriores. Segundo ele “quem
fez isto não é do Sporting, apesar de poder julgar que é”. Se passasse mais
tempo no Google ou deixasse a televisão ligada em um dos canais de
informação encontraria mais pessoas, com diferentes graus de responsabilidade
na matéria, a empobrecer o discurso com comentários que alinham na retórica negacionista
de que aqueles tipos e aqueles actos nada têm a ver com futebol.
Questiono-me se
o guarda-redes do Porto, o alto dirigente do Sporting Clube de Portugal (e do seu accionista) ou o presidente da liga estão atentos ao futebol. Dá a sensação que
estas pessoas não vão à bola nem consomem os conteúdos que a ela dizem respeito.
Que não assistem à violência e à falta de civismo à porta dos estádios, que não ouvem os comentários que
saem das bancadas ou que não se dão conta da merda que lá acontece, semana sim
semana não. Já para não falar dos disparates que presidentes, técnicos e
directores de comunicação proferem e do impacto que essas declarações têm no
discurso de boa parte dos adeptos. No
caso de Pedro Proença parece ainda mais estranho uma vez que, nos seus tempos de árbitro, foi agredido à cabeçada em pleno Centro Comercial
Colombo, por um suposto associado benfiquista. Talvez se tenham esquecido todos que, em
Maio de 1996, no mesmo Estádio do Jamor de que tanto se tem falado esta semana,
quando aos 8 minutos da 1ª parte Mauro Airez inaugurou o marcador, um outro benfiquista optou por festejar o momento com o disparo de um very light que voou até à bancada 13 do Estádio Nacional e
assassinou um adepto sportinguista. É particularmente estranho que não se
recordem porque, ainda há três anos, houve quem fizesse questão de gabar
a ocorrência: foi exibida, num jogo de futsal entre os dois clubes, uma faixa com a inscrição “VERY LIGHT 96”.
E já no ano passado, em outro derby
(desta feita de andebol), foram entoados os versos “Foi no Jamor que o lagarto
ardeu / Na final da taça, o very light é que o fodeu” (se é possível
estabelecer uma hierarquia da miséria humana parece-me, dadas as circunstâncias, que esta lírica é ainda mais repugnante que a do cântico dos Super Dragões, no qual –
pretendendo insultar o Benfica – acabam por demonstrar o mais bárbaro desrespeito
pela morte dos atletas do Chapacoense).
A ideia de que a
merda que acontece no futebol ou em seu torno não diz respeito à modalidade é a
forma mais imbecil de continuar a fingir que os problemas não existem. Mas as
mais elementares faltas de honestidade intelectual partem de pessoas com um
peso ainda maior no futebol. Sugiro que se pense em alguns dos portugueses com
maior sucesso na modalidade. Jorge Nuno Pinto da Costa é o presidente, em
actividade, com o maior número de troféus em todo o mundo. É o dirigente, cuja absolvição no
Apito Dourado, custará tanto a aceitar quanto a presunção de inocência a que José Sócrates
tem direito na Operação Marquês. É o homem sobre quem, Rui Moreira, disse no
fim-de-semana passado qualquer coisa como: “é tão espectacular que não me vou sequer atrever a falar sobre ele”. E é o portuense a quem a Câmara Municipal do
Porto entregou, por deliberação unânime de toda a Vereação e Assembleia
Municipal, a Medalha de Honra da Cidade. Permitam-me um pequeno exemplo da sua total falta de empenho em seguir qualquer padrão de transparência, honestidade ou desportivismo. No dia 22 de Setembro do ano passado o Presidente
da Federação Portuguesa de Futebol publicou nos 3 jornais desportivos nacionais
um artigo intitulado “É
TEMPO DE RESPONDER AOS SINAIS DE ALARME” que, entre outras coisas, alertava
para a forma como o discurso dos agentes desportivos promove a
hostilidade dos adeptos para com os árbitros. O Presidente do Futebol Clube do
Porto (que tem um longo histórico de discursos que promovem a revolta de adeptos
contra árbitros e jornalistas) respondeu, depois da dose habitual de ironia, “Os
árbitros não correm risco nenhum e acho ridículo”. É uma opinião curiosa de se expressar quando 5 meses antes um jogador do Canelas Futebol Clube 2010 (e, curiosamente, membro dos Super Dragões) agrediu barbaramente o árbitro José Rodrigues. As imagens são claras e
passaram em todo o mundo, tenho a certeza que Pinto da Costa terá tido oportunidade
de as espreitar. No início dessa mesma temporada de 2016/2017 houve 12 equipas
(de um total de 15 adversários) a anunciar que não iriam comparecer aos jogos
com o Canelas. Fernando Madureira (capitão do Canelas e, curiosamente, líder dos Super Dragões) disse na altura que a equipa está “magoada,
revoltada e triste com toda esta situação”. Se aceder ao YouTube e escrever Canelas fica como uma ideia do quão “magoados, revoltados e tristes” deveriam
ficar os adversários daquela equipa. Das 24 vitórias do Canelas (num total de 26
jogos) na Série 1 da Divisão Elite Pró-Nacional, 16 foram obtidas por falta de
comparência. Há relatos de coacção e intimação. Se aceder ao YouTube e
escrever Canelas vai acreditar que elas existiram.
Apesar do clima de aparente terror, nem Associação de Futebol do Porto nem Federação
Portuguesa de Futebol terão tomado grandes medidas (se é que tomaram alguma). O Canelas ascendeu ao
Campeonato de Portugal, 3ª escalão das ligas nacionais (na verdade, alcançou consecutivamente a promoção a escalões superiores nas duas últimas épocas desportivas). Como diria ontem o Presidente da República “Nós
portugueses somos muito bons a fazer de conta. A fazer de conta que o que é
grave não é grave. Fazer de conta que aquilo que não é normal é normal”. É
isso que acontece, a um ritmo diário, no futebol. É isso que as
declarações que abrem este texto promovem. Que não se reconheça os problemas. E um deles é o seguinte. A
concepção e o entendimento que temos sobre o que é ser adepto de um clube. Sobre o que é "defender esse emblema até ao fim". Ao ponto de se dizer ou fazer o que quer que seja necessário para o beneficiar. Só ouvi um amigo
benfiquista reconhecer que os e-mails
o envergonham. Os meus amigos portistas, consoante o grau de cegueira que se permitem atingir, posicionam-se entre o sarcasmo e a irritação quando se fala no portfólio online de escutas caricatas e vídeos com situações de jogo absolutamente inacreditáveis. E de todas as
comunicações publicadas a propósito da Operação Cashball, há uma que parece
bem elucidativa da dualidade de valores que o fanatismo desportivo gera. Um dirigente sportinguista, alegado corruptor, partilha a sua emoção com aquele que, alegadamente, seria o seu intermediário para levar a cabo actos de corrupção. Isto, sobre um jogo cuja arbitragem haveria sido condicionada pelo esforço conjunto de ambos: ”Foi, foi, foi, foi muito bom. Liguei para o
meu pai a chorar, porque a última vez que fomos campeões estava com ele na nave
de Alvalade. Eu era pequenino na altura. E foi muito bom. É este o caminho que
a gente tem que…temos de ganhar em todas as modalidades, como no hóquei e no
andebol e urgentemente temos de que ser campeões no futebol também. É este o
caminho. Grande abraço. Disfrute!”. Reparem como este indivíduo consegue juntar, num discurso uno, a paixão pelo clube e a expressão do seu amor paternal (apoiada naquilo que parece ser uma bonita recordação de infância), com a alegada prática
abjecta de condicionar resultados desportivos. O pensamento deste dirigente leonino, a comprovar-se o que está em causa, parece ser um exemplo paradigmático de como, para alguns, a felicidade que certas conquistas lhes despertam é pouco ou nada condicionada pelos crimes que possam ter sido necessários para as assegurar.
Pinto da Costa
está onde está ao tempo que está porque todos permitimos que isso aconteça. Da
mesma forma que, apesar da cobertura televisiva que houve, ninguém ter parecido
verdadeiramente incomodado com o espectáculo miserável que, depois da derrota ante o Paços de Ferreira, o grande responsável pela vitória (totalmente justa) do F. C. do Porto na Primeira
Liga protagonizou. De resto, em uma entrevista descontraída ao Porto Canal em jeito de consagração (distante, no tempo e no espaço, das emoções da Mata Real) Sérgio Conceição não se coíbe de dizer, sobre o colega de profissão que lhe infligiu a primeira derrota no campeonato: "Agora ele com certeza não teve... a atenção que devia ter durante os treinos para conseguir manter o Paços na 1ª Divisão". Mas que importa a
dimensão humana de Conceição (ou a falta dela) aos adeptos do Porto? Foi campeão. O mesmo se aplicaria a Vitória ou Jesus aos olhos dos seus respectivos
clubes e adeptos. E haverá melhor exemplo que José Mourinho? Aquele que é tido de forma consensual como o
melhor treinador português de todos os tempos tem no seu historial, comportamentos e declarações completamente inaceitáveis. Lembram-se de Miklós Fehér? Morreu em campo, no Estádio Dom Afonso Henriques em Guimarães, no Domingo 25 de
Janeiro de 2004. No dia 27 de Janeiro José Mourinho esteve em Lisboa, em representação do F. C. do Porto, no velório do jogador. No Sábado seguinte, dia 31 de Janeiro, Mourinho – depois de um clássico emocionante que não conseguiu vencer (José Mourinho demorou alguns anos até conseguir reagir
de forma civilizada à superioridade alheia) – terá desejado que “Rui Jorge
morresse em campo”. Parece
que há umas quantas testemunhas, inclusive o actual seleccionador nacional. É
complicado qualificar, de forma civilizada, um insulto inspirado na morte de um atleta que o próprio
Mourinho havia supostamente homenageado 4 dias antes. Meses mais tarde, em Londres, autodeclarava-se a special one. Anos depois, enfia um dedo no olho de Tito Vilanova...
Ontem, Rodrigo Guedes de Carvalho, numa edição antecipada do Jornal da Noite por via da
transmissão da final da Liga Europa, passava a palavra ao seu colega que cobria os últimos desenvolvimentos leoninos com um
semblante carregado, a projectar uma aparente tristeza pelo que acontecera na véspera. Mas talvez esteja esquecido que há 4 meses
anunciou, de forma enérgica em pleno Jornal da Noite, a polémica
entre Manuel Fernandes, Rodolfo Reis e Bruno de Carvalho na qual os dois últimos
se expressavam de uma forma que tenho, com toda a sinceridade, dificuldade em adjectivar. Com a agravante que Rodolfo Reis colabora com aquela estação televisiva semanalmente no PLAY-OFF onde, na edição subsequente à discussão que Rodrigo Guedes de Carvalho deu destaque em horário nobre, João Abreu pivot
da SIC, protagonizou um dos momentos mais infelizes da televisão portuguesa. Abriu o programa a
declamar uma publicação de Bruno de Carvalho no Facebook. No momento
subsequente, o “direito de resposta” que João Abreu concede a Rodolfo Reis
deixa duas coisas bem claras: o jornalista da SIC não sabe o que é o “direito de
resposta”; Rodolfo Reis não devia ter voz no espaço público.
Podemos
continuar a fazer-nos de parvos. Podemos fingir que as agressões no contexto
futebolístico são raras (a SIC já parece ter esquecido o quanto sofreram os seus profissionais nos primeiros anos de vida daquela estação e do quanto terá contribuído para isso o discurso de alguns dirigentes desportivos). Podemos fingir que, a grande novidade no episódio de
Alcochete, não é o facto de as vítimas serem um plantel inteiro e respectiva
equipa técnica. Podemos fingir que, quem faz parte de um ataque organizado a um
complexo desportivo de um clube com a notoriedade do Sporting, não tem um
histórico a aviar inocentes em condições bastante mais discretas. E podemos
continuar a fingir que Bruno de Carvalho não vinha dando, há muito tempo e com
maior ou menor frequência, provas de que, qualquer que seja o seu perfil, não parece ser o adequado para liderar uma entidade de utilidade pública. E uma vez que a sua
legitimidade democrática era inquestionável, talvez se deva reflectir também sobre que tipo de pensamento e dinâmicas são cultivadas e partilhadas na militância
desportiva.
Há menos de dois
meses Maurício (ex-jogador do Sporting) declarou “Quem
não tem uma boa visão do Bruno de Carvalho são aqueles que não são
sportinguistas. Como sou sportinguista tenho uma impressão boa dele”. Esta
afirmação imbecil não é propriamente um acto isolado. Há um conjunto de
personalidades mui valorizadas socialmente (a quem os media se costumam referir como “notáveis”) que, de forma
mais ou menos explícita, partilharam idiotices de natureza idêntica. Parece-me que o que realmente
importa agora é que Bruno de Carvalho saia de cena. Mas idealmente não seria o único. O facto de pessoas como ele
ocuparem o espaço público nacional diz muito mal, não apenas sobre o Sporting e
os sportinguistas, mas também sobre Portugal e os portugueses
Categorias
Entidades
Vaná, guarda-redes
do F.C. do Porto partilha, de forma um tanto ou quanto ingénua, “o futebol não é isso”.
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional emite um comunicado onde se lê “Os executores destes
comportamentos não são adeptos de futebol, mas sim criminosos” (aparentemente, por um qualquer imperativo filosófico, quem é uma coisa não pode ser a outra). Pedro Proença, segue à risca o
depoimento do organismo a que preside e diz que “aquilo
que hoje se passou não é um caso... desportivo, é um caso obviamente, um caso
de polícia”. Pedro Ivo Carvalho, subdirector do JN, baptiza
o seu artigo de opinião com um retumbante “Eles
não gostam de futebol”. Nuno Correia da Silva, vice-presidente da Holdimo e
administrador não executivo da Sporting SAD apresenta uma versão um pouco mais idiota que as anteriores. Segundo ele “quem
fez isto não é do Sporting, apesar de poder julgar que é”. Se passasse mais
tempo no Google ou deixasse a televisão ligada em um dos canais de
informação encontraria mais pessoas, com diferentes graus de responsabilidade
na matéria, a empobrecer o discurso com comentários que alinham na retórica negacionista
de que aqueles tipos e aqueles actos nada têm a ver com futebol.
Questiono-me se
o guarda-redes do Porto, o alto dirigente do Sporting Clube de Portugal (e do seu accionista) ou o presidente da liga estão atentos ao futebol. Dá a sensação que
estas pessoas não vão à bola nem consomem os conteúdos que a ela dizem respeito.
Que não assistem à violência e à falta de civismo à porta dos estádios, que não ouvem os comentários que
saem das bancadas ou que não se dão conta da merda que lá acontece, semana sim
semana não. Já para não falar dos disparates que presidentes, técnicos e
directores de comunicação proferem e do impacto que essas declarações têm no
discurso de boa parte dos adeptos. No
caso de Pedro Proença parece ainda mais estranho uma vez que, nos seus tempos de árbitro, foi agredido à cabeçada em pleno Centro Comercial
Colombo, por um suposto associado benfiquista. Talvez se tenham esquecido todos que, em
Maio de 1996, no mesmo Estádio do Jamor de que tanto se tem falado esta semana,
quando aos 8 minutos da 1ª parte Mauro Airez inaugurou o marcador, um outro benfiquista optou por festejar o momento com o disparo de um very light que voou até à bancada 13 do Estádio Nacional e
assassinou um adepto sportinguista. É particularmente estranho que não se
recordem porque, ainda há três anos, houve quem fizesse questão de gabar
a ocorrência: foi exibida, num jogo de futsal entre os dois clubes, uma faixa com a inscrição “VERY LIGHT 96”.
E já no ano passado, em outro derby
(desta feita de andebol), foram entoados os versos “Foi no Jamor que o lagarto
ardeu / Na final da taça, o very light é que o fodeu” (se é possível
estabelecer uma hierarquia da miséria humana parece-me, dadas as circunstâncias, que esta lírica é ainda mais repugnante que a do cântico dos Super Dragões, no qual –
pretendendo insultar o Benfica – acabam por demonstrar o mais bárbaro desrespeito
pela morte dos atletas do Chapacoense).
A ideia de que a
merda que acontece no futebol ou em seu torno não diz respeito à modalidade é a
forma mais imbecil de continuar a fingir que os problemas não existem. Mas as
mais elementares faltas de honestidade intelectual partem de pessoas com um
peso ainda maior no futebol. Sugiro que se pense em alguns dos portugueses com
maior sucesso na modalidade. Jorge Nuno Pinto da Costa é o presidente, em
actividade, com o maior número de troféus em todo o mundo. É o dirigente, cuja absolvição no
Apito Dourado, custará tanto a aceitar quanto a presunção de inocência a que José Sócrates
tem direito na Operação Marquês. É o homem sobre quem, Rui Moreira, disse no
fim-de-semana passado qualquer coisa como: “é tão espectacular que não me vou sequer atrever a falar sobre ele”. E é o portuense a quem a Câmara Municipal do
Porto entregou, por deliberação unânime de toda a Vereação e Assembleia
Municipal, a Medalha de Honra da Cidade. Permitam-me um pequeno exemplo da sua total falta de empenho em seguir qualquer padrão de transparência, honestidade ou desportivismo. No dia 22 de Setembro do ano passado o Presidente
da Federação Portuguesa de Futebol publicou nos 3 jornais desportivos nacionais
um artigo intitulado “É
TEMPO DE RESPONDER AOS SINAIS DE ALARME” que, entre outras coisas, alertava
para a forma como o discurso dos agentes desportivos promove a
hostilidade dos adeptos para com os árbitros. O Presidente do Futebol Clube do
Porto (que tem um longo histórico de discursos que promovem a revolta de adeptos
contra árbitros e jornalistas) respondeu, depois da dose habitual de ironia, “Os
árbitros não correm risco nenhum e acho ridículo”. É uma opinião curiosa de se expressar quando 5 meses antes um jogador do Canelas Futebol Clube 2010 (e, curiosamente, membro dos Super Dragões) agrediu barbaramente o árbitro José Rodrigues. As imagens são claras e
passaram em todo o mundo, tenho a certeza que Pinto da Costa terá tido oportunidade
de as espreitar. No início dessa mesma temporada de 2016/2017 houve 12 equipas
(de um total de 15 adversários) a anunciar que não iriam comparecer aos jogos
com o Canelas. Fernando Madureira (capitão do Canelas e, curiosamente, líder dos Super Dragões) disse na altura que a equipa está “magoada,
revoltada e triste com toda esta situação”. Se aceder ao YouTube e escrever Canelas fica como uma ideia do quão “magoados, revoltados e tristes” deveriam
ficar os adversários daquela equipa. Das 24 vitórias do Canelas (num total de 26
jogos) na Série 1 da Divisão Elite Pró-Nacional, 16 foram obtidas por falta de
comparência. Há relatos de coacção e intimação. Se aceder ao YouTube e
escrever Canelas vai acreditar que elas existiram.
Apesar do clima de aparente terror, nem Associação de Futebol do Porto nem Federação
Portuguesa de Futebol terão tomado grandes medidas (se é que tomaram alguma). O Canelas ascendeu ao
Campeonato de Portugal, 3ª escalão das ligas nacionais (na verdade, alcançou consecutivamente a promoção a escalões superiores nas duas últimas épocas desportivas). Como diria ontem o Presidente da República “Nós
portugueses somos muito bons a fazer de conta. A fazer de conta que o que é
grave não é grave. Fazer de conta que aquilo que não é normal é normal”. É
isso que acontece, a um ritmo diário, no futebol. É isso que as
declarações que abrem este texto promovem. Que não se reconheça os problemas. E um deles é o seguinte. A
concepção e o entendimento que temos sobre o que é ser adepto de um clube. Sobre o que é "defender esse emblema até ao fim". Ao ponto de se dizer ou fazer o que quer que seja necessário para o beneficiar. Só ouvi um amigo
benfiquista reconhecer que os e-mails
o envergonham. Os meus amigos portistas, consoante o grau de cegueira que se permitem atingir, posicionam-se entre o sarcasmo e a irritação quando se fala no portfólio online de escutas caricatas e vídeos com situações de jogo absolutamente inacreditáveis. E de todas as
comunicações publicadas a propósito da Operação Cashball, há uma que parece
bem elucidativa da dualidade de valores que o fanatismo desportivo gera. Um dirigente sportinguista, alegado corruptor, partilha a sua emoção com aquele que, alegadamente, seria o seu intermediário para levar a cabo actos de corrupção. Isto, sobre um jogo cuja arbitragem haveria sido condicionada pelo esforço conjunto de ambos: ”Foi, foi, foi, foi muito bom. Liguei para o
meu pai a chorar, porque a última vez que fomos campeões estava com ele na nave
de Alvalade. Eu era pequenino na altura. E foi muito bom. É este o caminho que
a gente tem que…temos de ganhar em todas as modalidades, como no hóquei e no
andebol e urgentemente temos de que ser campeões no futebol também. É este o
caminho. Grande abraço. Disfrute!”. Reparem como este indivíduo consegue juntar, num discurso uno, a paixão pelo clube e a expressão do seu amor paternal (apoiada naquilo que parece ser uma bonita recordação de infância), com a alegada prática
abjecta de condicionar resultados desportivos. O pensamento deste dirigente leonino, a comprovar-se o que está em causa, parece ser um exemplo paradigmático de como, para alguns, a felicidade que certas conquistas lhes despertam é pouco ou nada condicionada pelos crimes que possam ter sido necessários para as assegurar.
Pinto da Costa
está onde está ao tempo que está porque todos permitimos que isso aconteça. Da
mesma forma que, apesar da cobertura televisiva que houve, ninguém ter parecido
verdadeiramente incomodado com o espectáculo miserável que, depois da derrota ante o Paços de Ferreira, o grande responsável pela vitória (totalmente justa) do F. C. do Porto na Primeira
Liga protagonizou. De resto, em uma entrevista descontraída ao Porto Canal em jeito de consagração (distante, no tempo e no espaço, das emoções da Mata Real) Sérgio Conceição não se coíbe de dizer, sobre o colega de profissão que lhe infligiu a primeira derrota no campeonato: "Agora ele com certeza não teve... a atenção que devia ter durante os treinos para conseguir manter o Paços na 1ª Divisão". Mas que importa a
dimensão humana de Conceição (ou a falta dela) aos adeptos do Porto? Foi campeão. O mesmo se aplicaria a Vitória ou Jesus aos olhos dos seus respectivos
clubes e adeptos. E haverá melhor exemplo que José Mourinho? Aquele que é tido de forma consensual como o
melhor treinador português de todos os tempos tem no seu historial, comportamentos e declarações completamente inaceitáveis. Lembram-se de Miklós Fehér? Morreu em campo, no Estádio Dom Afonso Henriques em Guimarães, no Domingo 25 de
Janeiro de 2004. No dia 27 de Janeiro José Mourinho esteve em Lisboa, em representação do F. C. do Porto, no velório do jogador. No Sábado seguinte, dia 31 de Janeiro, Mourinho – depois de um clássico emocionante que não conseguiu vencer (José Mourinho demorou alguns anos até conseguir reagir
de forma civilizada à superioridade alheia) – terá desejado que “Rui Jorge
morresse em campo”. Parece
que há umas quantas testemunhas, inclusive o actual seleccionador nacional. É
complicado qualificar, de forma civilizada, um insulto inspirado na morte de um atleta que o próprio
Mourinho havia supostamente homenageado 4 dias antes. Meses mais tarde, em Londres, autodeclarava-se a special one. Anos depois, enfia um dedo no olho de Tito Vilanova...
Ontem, Rodrigo Guedes de Carvalho, numa edição antecipada do Jornal da Noite por via da
transmissão da final da Liga Europa, passava a palavra ao seu colega que cobria os últimos desenvolvimentos leoninos com um
semblante carregado, a projectar uma aparente tristeza pelo que acontecera na véspera. Mas talvez esteja esquecido que há 4 meses
anunciou, de forma enérgica em pleno Jornal da Noite, a polémica
entre Manuel Fernandes, Rodolfo Reis e Bruno de Carvalho na qual os dois últimos
se expressavam de uma forma que tenho, com toda a sinceridade, dificuldade em adjectivar. Com a agravante que Rodolfo Reis colabora com aquela estação televisiva semanalmente no PLAY-OFF onde, na edição subsequente à discussão que Rodrigo Guedes de Carvalho deu destaque em horário nobre, João Abreu pivot
da SIC, protagonizou um dos momentos mais infelizes da televisão portuguesa. Abriu o programa a
declamar uma publicação de Bruno de Carvalho no Facebook. No momento
subsequente, o “direito de resposta” que João Abreu concede a Rodolfo Reis
deixa duas coisas bem claras: o jornalista da SIC não sabe o que é o “direito de
resposta”; Rodolfo Reis não devia ter voz no espaço público.
Podemos
continuar a fazer-nos de parvos. Podemos fingir que as agressões no contexto
futebolístico são raras (a SIC já parece ter esquecido o quanto sofreram os seus profissionais nos primeiros anos de vida daquela estação e do quanto terá contribuído para isso o discurso de alguns dirigentes desportivos). Podemos fingir que, a grande novidade no episódio de
Alcochete, não é o facto de as vítimas serem um plantel inteiro e respectiva
equipa técnica. Podemos fingir que, quem faz parte de um ataque organizado a um
complexo desportivo de um clube com a notoriedade do Sporting, não tem um
histórico a aviar inocentes em condições bastante mais discretas. E podemos
continuar a fingir que Bruno de Carvalho não vinha dando, há muito tempo e com
maior ou menor frequência, provas de que, qualquer que seja o seu perfil, não parece ser o adequado para liderar uma entidade de utilidade pública. E uma vez que a sua
legitimidade democrática era inquestionável, talvez se deva reflectir também sobre que tipo de pensamento e dinâmicas são cultivadas e partilhadas na militância
desportiva.
Há menos de dois
meses Maurício (ex-jogador do Sporting) declarou “Quem
não tem uma boa visão do Bruno de Carvalho são aqueles que não são
sportinguistas. Como sou sportinguista tenho uma impressão boa dele”. Esta
afirmação imbecil não é propriamente um acto isolado. Há um conjunto de
personalidades mui valorizadas socialmente (a quem os media se costumam referir como “notáveis”) que, de forma
mais ou menos explícita, partilharam idiotices de natureza idêntica. Parece-me que o que realmente
importa agora é que Bruno de Carvalho saia de cena. Mas idealmente não seria o único. O facto de pessoas como ele
ocuparem o espaço público nacional diz muito mal, não apenas sobre o Sporting e
os sportinguistas, mas também sobre Portugal e os portugueses