Eles próprios, mas quem são eles?

11-02-2020
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Boa terça-feira!

Nos últimos três anos o mundo ficou a saber quem era Leo Varadkar. O primeiro-ministro da República da Irlanda ganhou notoriedade durante as negociações da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), já que o seu país é dos mais afetados por esse processo. O taoiseach (nome do cargo no idioma irlandês) conseguiu o apoio inquebrantável dos 27 à manutenção da fronteira aberta, sem controlos, entre o seu país, membro da UE, e a Irlanda do Norte, que é como quem diz as seis províncias que ficaram do lado da coroa britânica aquando da partição e independência da Irlanda, no início do século XX. Ainda se lembra do backstop que deu pesadelos a Theresa May (e que Boris Johnson meteu na gaveta)? Pois bem, consumado o ‘Brexit’, Varadkar decidiu ir a votos e... perdeu.

Nas legislativas do passado sábado, cujos resultados só foram anunciados segunda à noite (devido ao complexo sistema de contagem a várias voltas), a vitória sorriu pela primeira vez ao Sinn Féin, que quase duplicou a votação desde a anterior ida às urnas. Este partido, cujo nome significa algo como “Nós próprios”, é de centro-esquerda nas questões socioeconómicas mas define-se sobretudo como republicano e partidário da reunificação das Irlandas. Foi também, convém recordar, o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA), responsável por atos de terrorismo durante o sangrento conflito que sacudiu a ilha no século XX.

O Sinn Féin (SF) declarou vitória. Com 37 dos 160 deputados, foi a formação mais votada (23%), praticamente empatado com o Fianna Fáil (FF, Soldados do Destino, centro-direita), que elegeu outros tantos (tem mais um mas é o speaker, que não vai a votos). O Fine Gael (FG, Família Irlandesa, liberal) de Varadkar ficou em terceiro (22%, 35 lugares), o que deve ditar a queda daquele que foi o primeiro chefe de Governo irlandês de origem imigrante (o pai é indiano) e homossexual, num país tendencialmente conservador e católico. “Parece que agora temos um sistema de três partidos… e isso vai dificultar bastante a formação do Governo”, admitiu Varadkar, no poder desde 2017. Vale a pena ler este artigo de Fintan O’Toole, um dos melhores colunistas irlandeses, no “Irish Times”.

A líder do SF, Mary Lou McDonald, anunciou querer conversar com os demais partidos para formar um Governo de coligação, pois “é isso que os adultos fazem”. FG e FF tinham prometido durante a campanha jamais aliar-se aos republicanos, mas pelo menos o líder do FF, Micheál Martin, já admitiu rever tal posição. É o fim de um duopólio entre forças políticas que alternaram no poder desde 1932, e isto quando o SF, que tinha poucas esperanças nestas legislativas, apresentou apenas 42 candidatos. Se tivesse concorrido em todos os círculos a reviravolta eleitoral seria gigante.

“O que é democrático é falarem comigo e pararem com isso de dizer que o Sinn Féin pode ser marginalizado”, afirma McDonald, que acredita poder ser primeira-ministra (seria a primeira mulher a chefiar o Executivo irlandês, tendo já havido duas persidentes da República). Passados 21 anos sobre o Acordo de Sexta-feira Santa, que trouxe uma paz sempre periclitante, a líder do SF acha que é tempo de desassociar esta sigla da do temível IRA. O certo é que o partido faz parte do governo regional da Irlanda do Norte, tem sido um parceiro indispensável para a concórdia e tanto os seus atuais dirigentes como muito do eleitorado já não vive marcado pelas bombas e assassínios da era dos Troubles.

Ainda assim, não será fácil formar o próximo Executivo. McDonald interpreta o mandato popular como instrução para conseguir uma plataforma que não inclua o FF nem o FG, o que é dificílimo, pois implicaria envolver muitos pequenos partidos. No Parlamento (Dáil Éireann) estarão verdes (12), trabalhistas (6), sociais-democratas (6), anticapitalistas (5), um do partido Aontú (conservador e pró-reunificação), outro dos Independentes pela Mudança e 19 deputados sem partido. A participação eleitoral foi de 62.9%.

Ao contrário do que possa esperar um europeu que anda a ouvir falar do ‘Brexit’ desde 2016, não foi essa saga que decidiu a eleição de sábado. Só 1% dos eleitores declararam que esse fator influenciou a sua escolha. Tampouco o triunfo do SF se deve à questão norte-irlandesa. “Foi a economia, estúpido!”, como se dizia na América nos anos 90. Saúde, habitação e desigualdade são assuntos que a agenda progressista e antiausteridade do SF cobriu com êxito, como explica neste podcast da revista “The Spectator” um editor do jornal “The Irish Times”, de Dublin.

Não significa isto que a mudança política na Irlanda não afete o que falta do processo de saída do Reino Unido da UE (o SF é o partido irlandês mais hostil a Londres) ou o destino da ilha dividida (o SF é a favor de um referendo de reunificação, que a lei permite quando houver sinais de que o povo assim deseja, sendo que 57% dos inquiridos numa sondagem recente se declararam a favor de tal consulta e um ex-primeiro-ministro conservador acha que é inevitável). Para já, é preciso formar Governo. Os partidos “do costume” estarão céticos, mas sabem também que um impasse que conduzisse a novas eleições só daria mais força aos republicanos, que concorreriam em todos os círculos e se aproximariam da maioria parlamentar.

CORONA MATA MAIS DE MIL A crise do coronavírus já ceifou 1016 vidas e provocou demissões na China, conta a BBC. A epidemia é o tema do episódio 11 do podcast O Mundo a Seus Pés, da secção internacional do Expresso, que pode ouvir aqui. Nele a jornalista Vera Lúcia Arreigoso, versada em temas de saúde, e o editor de Economia deste jornal, João Silvestre, ajudam a perceber os cuidados a ter e as consequências do surto iniciado na cidade chinesa de Wuhan. Entretanto, dois casos suspeitos em Portugal não se confirmam.

PRIMÁRIAS DE NOVO... HAMPSHIRE Nos Estados Unidos o Partido Democrata continua à procura de candidato para enfrentar Donald Trump nas presidenciais de novembro (e este já está em campanha, se é que alguma vez deixou de estar). Após a vitória de Pete Buttigieg no Iowa (que demorou uma eternidade a apurar devido a problemas técnicos), vota-se hoje no Novo Hampshire, onde o senador Bernie Sanders parece ser favorito. O camarada Hélder Gomes explica o que está em causa. E o Luís M. Faria alerta para manipulações eleitorais.

POR FALAR EM PRIMÁRIAS Rui Rio não desdenha esse processo, que vários companheiros do seu PSD querem adotar. Mas o líder laranja recentemente reconduzido não tem pressa, escreve a Ângela Silva. Na sua coluna de opinião, Henrique Raposo tem conselhos para o presidente do maior partido da oposição.

PARTIU UM HOMEM DE BOM HUMOR O PSD está, entretanto, de luto pela morte de Álvaro Barreto, aos 84 anos. O antigo ministro é recordado como divertido, inteligente e dialogante.

RENOVAÇÃO SINDICAL Isabel Camarinha será a primeira mulher a chefiar a CGTP. Rosa Pedroso lima traça-lhe o perfil.

SANITÄRKABEL Annegret Kramp-Karrenbauer, mais conhecida pela sigla AKK, foi a sucessora escolhida de Angela Merkel para liderar a democrata-cristã CDU e um futuro Governo alemão. Foi, mas já não é. A nova líder sucumbiu à crise da Turíngia, onde o ramo local do partido decidiu, contra a vontade da direção nacional e da chanceler, unir votos com a Alternativa para a Alemanha (extrema-direita) para eleger ministro-presidente daquele Länd um liberal, afastando a esquerda do poder. Qualquer aliança com os extremistas era, até agora, tabu na Alemanha. Também já foi mas deixou de ser em França, Espanha ou Itália. A Cristina Peres conta tudo sobre a crise e recorda o percurso acidentado de AKK. De Londres, “The Guardian ” refere ecos de Weimar.

SOL DE INVERNO Um satélite com tecnologia portuguesa vai ajudar a conhecer melhor os polos da nossa estrela. Saiba mais neste texto da Maria João Bourbon.

ÓSCAR DE MELHOR TRADUÇÃO Ainda a recordar a noite de domingo em Hollywood, o João Pedro Barros dá a conhecer uma figura invulgar que protagonizou a cerimónia dos óscares. Nunca uma intérprete tivera tanto palco, mas lá está: nunca uma obra em língua estrangeira ganhara o prémio de melhor filme. Sharon Choi é o nome da mulher que traduziu as intervenções do premiado realizador Bong Joon-ho, autor do maravilhoso filme “Parasitas”.

ELECCIÓNS E HAUTESKUNDEAK Galegos e bascos vão às urnas a 5 de abril, escreve “El País”. Ambas as regiões espanholas deveriam ter eleições autonómicas no outono, mas os respetivos líderes, Alberto Núñez Feijóo (Galiza) e Íñigo Urkullu (País Basco) resolveram antecipá-las, para evitar colisões de calendário (e, logo, riscos de contaminação política) com a Catalunha, que, tudo indica, também votará antes do verão. Nem Feijóo nem Urkullu parecem em risco de perder o cargo.

VAMOS AO JAMOR, ’MOR? Três dias após o desaire no Dragão, o Benfica tenta hoje (20h45) em Famalicão segurar a vantagem que traz da primeira mão da meia-final da Taça de Portugal (3-2). Amanhã à mesma hora é a vez de FC Porto e Académico de Viseu desfazerem o empate a uma bola registado em casa deste último. Ambos os jogos são transmitidos na RTP1.

DESPORTO NÃO É SÓ FUTEBOL Rui Gustavo recorda na Tribuna o combate perdido pelo pugilista Mike Tyson há 30 anos, contra James “Buster” Douglas. Ninguém esperava, muito menos o próprio.

Frases

“Esses dinheiros não ficarão por utilizar até 2023”, garantiu o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, referindo-se às verbas da agora suspensa linha circular do metro de Lisboa

“Tudo farei para cumprir as responsabilidades que eventualmente irei assumir com toda a determinação”, assegura Isabel Camarinha, futuramente a primeira secretária-geral da CGTP, que assume tal cargo “com muita honra”

“Uma exigência de ética republicana”, escreve num parecer o constitucionalista Jorge Miranda, para defender que os políticos revelem se pertencem a organizações secretas como a maçonaria ou o Opus Dei.

“Até março teremos uma decisão”, promete Pedro Santana Lopes no tocante às eleições presidenciais de janeiro de 2021. Certo é que o líder da Aliança não pretende candidatar-se ao Palácio de Belém nem a qualquer câmara municipal, embora espere que o seu partido conquiste algumas

“A vossa voz foi ouvida bem alto e com clareza. Façam parte da mudança. Ajudem a construir uma Irlanda nova, igual e unida”, é o apelo de Michelle O’Neill, líder do partido republicano Sinn Féin na Irlanda do Norte, que continua parte do Reino Unido

“Não tenho a maior conta bancária desta corrida. Não tinha o maior nome ao entrar nisto. O que tenho é fibra”, afirmou ontem Amy Klobuchar, candidata às primárias do Partido Democrata. Hoje no Novo Hampshire pode jogar-se o futuro da sua candidatura. No Iowa ficou em quinto, com apenas um dos 40 delegados eleitos por aquele estado

O que ando a ler

De publicação recente e sobre um assunto tão atual quanto do meu interesse, “Sobre o Politicamente Correcto” (editora Objectiva) é das obras mais intelectualmente estimulantes com que me cruzei nos últimos tempos. Escreveu-a Manuel Monteiro, que o leitor não deve confundir com o ex-líder do CDS e da malograda Nova Democracia, pois que aqui se trata de revisor linguístico e formador de revisão de texto, que é como quem diz um potencial melhor amigo de qualquer jornalista. Frequentámos a mesma escola lisboeta ao mesmo tempo, mas não soube dele desde então.

Autor de um celebrado “Por amor à língua” que desconhecia mas já encomendei, Monteiro atira-se a uma análise demorada, fundamentada e tão séria quanto bem-humorada da linguagem que envolve aquilo a que chamamos politicamente correto — no seu caso, ‘correcto’, pois usa a ortografia anterior ao (des)acordo.

O autor tem sobre outros críticos do politicamente correto a vantagem de não querer fazer dessa crítica porta aberta a toda e qualquer alarvidade xenófoba, sexista ou apenas imbecil. Monteiro sabe que a forma como falamos das coisas importa. Defende que tenhamos isso em conta, constata o muito que há a fazer pela igualdade de direitos e não lhe passam despercebidos os vieses que a linguagem conserva, da ‘ciganice’ à ‘judiaria’. Execra, porém, excessos que limitam a liberdade de expressão e pensamento ou que impõem formas antinaturais de falar ou escrever, por vezes impraticáveis ou até ridículas.

Monteiro discute o tema com equilíbrio e sem respostas fáceis, o que é bom de constatar num “Caleidoscópio” final em que cita opiniões contrastantes, nacionais e estrangeiras, sobre essa coisa do politicamente correto. Antes disso está o cerne do livro, seguido de apontamentos importantes sobre punhaladas no português, que aconselha a “gramáticos e beatos da língua” — e que me encheu de ganas de ler o seu livro anterior —, e uma análise de “casos particulares do nosso idioma”, no que toca ao assunto que aqui nos traz. Tudo somado, 200 e poucas páginas que voam sob o nosso olhar. Serviço público.

O que ando a ouvir

Ontem foi noite de Martha Argerich e Mischa Maisky na Gulbenkian. A pianista argentina e o violoncelista israelita trouxeram ao Grande Auditório a Sonata para Violoncelo e Piano n.º 2 em Fá maior, op. 99 de Johannes Brahms; as Peças de Fantasia, op. 73 de Robert Schumann e a Sonata para Violoncelo e Piano em Ré menor, op. 40 de Dmitri Chostakovitch. Os intérpretes foram sublimes e não se esperava menos. Para quem não foi, sirva de alento saber que a Antena 2 gravou o recital, o que significa que um dia destes há de transmiti-lo. Até lá pode ouvir este álbum do mesmo duo, que inclui a obra do compositor russo ontem tocada e peças de Prokofiev e Stravinski. Ou estoutro, em que se atiram a Beethoven.

E com estes sons me despeço, recordando que os sites do Expresso estão cá todo o dia para vos manter informados. Até breve!

Boa terça-feira!

Nos últimos três anos o mundo ficou a saber quem era Leo Varadkar. O primeiro-ministro da República da Irlanda ganhou notoriedade durante as negociações da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), já que o seu país é dos mais afetados por esse processo. O taoiseach (nome do cargo no idioma irlandês) conseguiu o apoio inquebrantável dos 27 à manutenção da fronteira aberta, sem controlos, entre o seu país, membro da UE, e a Irlanda do Norte, que é como quem diz as seis províncias que ficaram do lado da coroa britânica aquando da partição e independência da Irlanda, no início do século XX. Ainda se lembra do backstop que deu pesadelos a Theresa May (e que Boris Johnson meteu na gaveta)? Pois bem, consumado o ‘Brexit’, Varadkar decidiu ir a votos e... perdeu.

Nas legislativas do passado sábado, cujos resultados só foram anunciados segunda à noite (devido ao complexo sistema de contagem a várias voltas), a vitória sorriu pela primeira vez ao Sinn Féin, que quase duplicou a votação desde a anterior ida às urnas. Este partido, cujo nome significa algo como “Nós próprios”, é de centro-esquerda nas questões socioeconómicas mas define-se sobretudo como republicano e partidário da reunificação das Irlandas. Foi também, convém recordar, o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA), responsável por atos de terrorismo durante o sangrento conflito que sacudiu a ilha no século XX.

O Sinn Féin (SF) declarou vitória. Com 37 dos 160 deputados, foi a formação mais votada (23%), praticamente empatado com o Fianna Fáil (FF, Soldados do Destino, centro-direita), que elegeu outros tantos (tem mais um mas é o speaker, que não vai a votos). O Fine Gael (FG, Família Irlandesa, liberal) de Varadkar ficou em terceiro (22%, 35 lugares), o que deve ditar a queda daquele que foi o primeiro chefe de Governo irlandês de origem imigrante (o pai é indiano) e homossexual, num país tendencialmente conservador e católico. “Parece que agora temos um sistema de três partidos… e isso vai dificultar bastante a formação do Governo”, admitiu Varadkar, no poder desde 2017. Vale a pena ler este artigo de Fintan O’Toole, um dos melhores colunistas irlandeses, no “Irish Times”.

A líder do SF, Mary Lou McDonald, anunciou querer conversar com os demais partidos para formar um Governo de coligação, pois “é isso que os adultos fazem”. FG e FF tinham prometido durante a campanha jamais aliar-se aos republicanos, mas pelo menos o líder do FF, Micheál Martin, já admitiu rever tal posição. É o fim de um duopólio entre forças políticas que alternaram no poder desde 1932, e isto quando o SF, que tinha poucas esperanças nestas legislativas, apresentou apenas 42 candidatos. Se tivesse concorrido em todos os círculos a reviravolta eleitoral seria gigante.

“O que é democrático é falarem comigo e pararem com isso de dizer que o Sinn Féin pode ser marginalizado”, afirma McDonald, que acredita poder ser primeira-ministra (seria a primeira mulher a chefiar o Executivo irlandês, tendo já havido duas persidentes da República). Passados 21 anos sobre o Acordo de Sexta-feira Santa, que trouxe uma paz sempre periclitante, a líder do SF acha que é tempo de desassociar esta sigla da do temível IRA. O certo é que o partido faz parte do governo regional da Irlanda do Norte, tem sido um parceiro indispensável para a concórdia e tanto os seus atuais dirigentes como muito do eleitorado já não vive marcado pelas bombas e assassínios da era dos Troubles.

Ainda assim, não será fácil formar o próximo Executivo. McDonald interpreta o mandato popular como instrução para conseguir uma plataforma que não inclua o FF nem o FG, o que é dificílimo, pois implicaria envolver muitos pequenos partidos. No Parlamento (Dáil Éireann) estarão verdes (12), trabalhistas (6), sociais-democratas (6), anticapitalistas (5), um do partido Aontú (conservador e pró-reunificação), outro dos Independentes pela Mudança e 19 deputados sem partido. A participação eleitoral foi de 62.9%.

Ao contrário do que possa esperar um europeu que anda a ouvir falar do ‘Brexit’ desde 2016, não foi essa saga que decidiu a eleição de sábado. Só 1% dos eleitores declararam que esse fator influenciou a sua escolha. Tampouco o triunfo do SF se deve à questão norte-irlandesa. “Foi a economia, estúpido!”, como se dizia na América nos anos 90. Saúde, habitação e desigualdade são assuntos que a agenda progressista e antiausteridade do SF cobriu com êxito, como explica neste podcast da revista “The Spectator” um editor do jornal “The Irish Times”, de Dublin.

Não significa isto que a mudança política na Irlanda não afete o que falta do processo de saída do Reino Unido da UE (o SF é o partido irlandês mais hostil a Londres) ou o destino da ilha dividida (o SF é a favor de um referendo de reunificação, que a lei permite quando houver sinais de que o povo assim deseja, sendo que 57% dos inquiridos numa sondagem recente se declararam a favor de tal consulta e um ex-primeiro-ministro conservador acha que é inevitável). Para já, é preciso formar Governo. Os partidos “do costume” estarão céticos, mas sabem também que um impasse que conduzisse a novas eleições só daria mais força aos republicanos, que concorreriam em todos os círculos e se aproximariam da maioria parlamentar.

CORONA MATA MAIS DE MIL A crise do coronavírus já ceifou 1016 vidas e provocou demissões na China, conta a BBC. A epidemia é o tema do episódio 11 do podcast O Mundo a Seus Pés, da secção internacional do Expresso, que pode ouvir aqui. Nele a jornalista Vera Lúcia Arreigoso, versada em temas de saúde, e o editor de Economia deste jornal, João Silvestre, ajudam a perceber os cuidados a ter e as consequências do surto iniciado na cidade chinesa de Wuhan. Entretanto, dois casos suspeitos em Portugal não se confirmam.

PRIMÁRIAS DE NOVO... HAMPSHIRE Nos Estados Unidos o Partido Democrata continua à procura de candidato para enfrentar Donald Trump nas presidenciais de novembro (e este já está em campanha, se é que alguma vez deixou de estar). Após a vitória de Pete Buttigieg no Iowa (que demorou uma eternidade a apurar devido a problemas técnicos), vota-se hoje no Novo Hampshire, onde o senador Bernie Sanders parece ser favorito. O camarada Hélder Gomes explica o que está em causa. E o Luís M. Faria alerta para manipulações eleitorais.

POR FALAR EM PRIMÁRIAS Rui Rio não desdenha esse processo, que vários companheiros do seu PSD querem adotar. Mas o líder laranja recentemente reconduzido não tem pressa, escreve a Ângela Silva. Na sua coluna de opinião, Henrique Raposo tem conselhos para o presidente do maior partido da oposição.

PARTIU UM HOMEM DE BOM HUMOR O PSD está, entretanto, de luto pela morte de Álvaro Barreto, aos 84 anos. O antigo ministro é recordado como divertido, inteligente e dialogante.

RENOVAÇÃO SINDICAL Isabel Camarinha será a primeira mulher a chefiar a CGTP. Rosa Pedroso lima traça-lhe o perfil.

SANITÄRKABEL Annegret Kramp-Karrenbauer, mais conhecida pela sigla AKK, foi a sucessora escolhida de Angela Merkel para liderar a democrata-cristã CDU e um futuro Governo alemão. Foi, mas já não é. A nova líder sucumbiu à crise da Turíngia, onde o ramo local do partido decidiu, contra a vontade da direção nacional e da chanceler, unir votos com a Alternativa para a Alemanha (extrema-direita) para eleger ministro-presidente daquele Länd um liberal, afastando a esquerda do poder. Qualquer aliança com os extremistas era, até agora, tabu na Alemanha. Também já foi mas deixou de ser em França, Espanha ou Itália. A Cristina Peres conta tudo sobre a crise e recorda o percurso acidentado de AKK. De Londres, “The Guardian ” refere ecos de Weimar.

SOL DE INVERNO Um satélite com tecnologia portuguesa vai ajudar a conhecer melhor os polos da nossa estrela. Saiba mais neste texto da Maria João Bourbon.

ÓSCAR DE MELHOR TRADUÇÃO Ainda a recordar a noite de domingo em Hollywood, o João Pedro Barros dá a conhecer uma figura invulgar que protagonizou a cerimónia dos óscares. Nunca uma intérprete tivera tanto palco, mas lá está: nunca uma obra em língua estrangeira ganhara o prémio de melhor filme. Sharon Choi é o nome da mulher que traduziu as intervenções do premiado realizador Bong Joon-ho, autor do maravilhoso filme “Parasitas”.

ELECCIÓNS E HAUTESKUNDEAK Galegos e bascos vão às urnas a 5 de abril, escreve “El País”. Ambas as regiões espanholas deveriam ter eleições autonómicas no outono, mas os respetivos líderes, Alberto Núñez Feijóo (Galiza) e Íñigo Urkullu (País Basco) resolveram antecipá-las, para evitar colisões de calendário (e, logo, riscos de contaminação política) com a Catalunha, que, tudo indica, também votará antes do verão. Nem Feijóo nem Urkullu parecem em risco de perder o cargo.

VAMOS AO JAMOR, ’MOR? Três dias após o desaire no Dragão, o Benfica tenta hoje (20h45) em Famalicão segurar a vantagem que traz da primeira mão da meia-final da Taça de Portugal (3-2). Amanhã à mesma hora é a vez de FC Porto e Académico de Viseu desfazerem o empate a uma bola registado em casa deste último. Ambos os jogos são transmitidos na RTP1.

DESPORTO NÃO É SÓ FUTEBOL Rui Gustavo recorda na Tribuna o combate perdido pelo pugilista Mike Tyson há 30 anos, contra James “Buster” Douglas. Ninguém esperava, muito menos o próprio.

Frases

“Esses dinheiros não ficarão por utilizar até 2023”, garantiu o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, referindo-se às verbas da agora suspensa linha circular do metro de Lisboa

“Tudo farei para cumprir as responsabilidades que eventualmente irei assumir com toda a determinação”, assegura Isabel Camarinha, futuramente a primeira secretária-geral da CGTP, que assume tal cargo “com muita honra”

“Uma exigência de ética republicana”, escreve num parecer o constitucionalista Jorge Miranda, para defender que os políticos revelem se pertencem a organizações secretas como a maçonaria ou o Opus Dei.

“Até março teremos uma decisão”, promete Pedro Santana Lopes no tocante às eleições presidenciais de janeiro de 2021. Certo é que o líder da Aliança não pretende candidatar-se ao Palácio de Belém nem a qualquer câmara municipal, embora espere que o seu partido conquiste algumas

“A vossa voz foi ouvida bem alto e com clareza. Façam parte da mudança. Ajudem a construir uma Irlanda nova, igual e unida”, é o apelo de Michelle O’Neill, líder do partido republicano Sinn Féin na Irlanda do Norte, que continua parte do Reino Unido

“Não tenho a maior conta bancária desta corrida. Não tinha o maior nome ao entrar nisto. O que tenho é fibra”, afirmou ontem Amy Klobuchar, candidata às primárias do Partido Democrata. Hoje no Novo Hampshire pode jogar-se o futuro da sua candidatura. No Iowa ficou em quinto, com apenas um dos 40 delegados eleitos por aquele estado

O que ando a ler

De publicação recente e sobre um assunto tão atual quanto do meu interesse, “Sobre o Politicamente Correcto” (editora Objectiva) é das obras mais intelectualmente estimulantes com que me cruzei nos últimos tempos. Escreveu-a Manuel Monteiro, que o leitor não deve confundir com o ex-líder do CDS e da malograda Nova Democracia, pois que aqui se trata de revisor linguístico e formador de revisão de texto, que é como quem diz um potencial melhor amigo de qualquer jornalista. Frequentámos a mesma escola lisboeta ao mesmo tempo, mas não soube dele desde então.

Autor de um celebrado “Por amor à língua” que desconhecia mas já encomendei, Monteiro atira-se a uma análise demorada, fundamentada e tão séria quanto bem-humorada da linguagem que envolve aquilo a que chamamos politicamente correto — no seu caso, ‘correcto’, pois usa a ortografia anterior ao (des)acordo.

O autor tem sobre outros críticos do politicamente correto a vantagem de não querer fazer dessa crítica porta aberta a toda e qualquer alarvidade xenófoba, sexista ou apenas imbecil. Monteiro sabe que a forma como falamos das coisas importa. Defende que tenhamos isso em conta, constata o muito que há a fazer pela igualdade de direitos e não lhe passam despercebidos os vieses que a linguagem conserva, da ‘ciganice’ à ‘judiaria’. Execra, porém, excessos que limitam a liberdade de expressão e pensamento ou que impõem formas antinaturais de falar ou escrever, por vezes impraticáveis ou até ridículas.

Monteiro discute o tema com equilíbrio e sem respostas fáceis, o que é bom de constatar num “Caleidoscópio” final em que cita opiniões contrastantes, nacionais e estrangeiras, sobre essa coisa do politicamente correto. Antes disso está o cerne do livro, seguido de apontamentos importantes sobre punhaladas no português, que aconselha a “gramáticos e beatos da língua” — e que me encheu de ganas de ler o seu livro anterior —, e uma análise de “casos particulares do nosso idioma”, no que toca ao assunto que aqui nos traz. Tudo somado, 200 e poucas páginas que voam sob o nosso olhar. Serviço público.

O que ando a ouvir

Ontem foi noite de Martha Argerich e Mischa Maisky na Gulbenkian. A pianista argentina e o violoncelista israelita trouxeram ao Grande Auditório a Sonata para Violoncelo e Piano n.º 2 em Fá maior, op. 99 de Johannes Brahms; as Peças de Fantasia, op. 73 de Robert Schumann e a Sonata para Violoncelo e Piano em Ré menor, op. 40 de Dmitri Chostakovitch. Os intérpretes foram sublimes e não se esperava menos. Para quem não foi, sirva de alento saber que a Antena 2 gravou o recital, o que significa que um dia destes há de transmiti-lo. Até lá pode ouvir este álbum do mesmo duo, que inclui a obra do compositor russo ontem tocada e peças de Prokofiev e Stravinski. Ou estoutro, em que se atiram a Beethoven.

E com estes sons me despeço, recordando que os sites do Expresso estão cá todo o dia para vos manter informados. Até breve!

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