Rentrée do PS. Alta pressão para 'geringonça 2' e viabilização do OE 2021

02-09-2020
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António Costa chega à rentrée do PS, nesta segunda-feira, já com o discurso preparado para intensificar a pressão sobre os partidos à esquerda do PS

António Costa, secretário-geral do PS. © António Pedro Santos/Lusa

Dantes era em comícios; a pandemia, porém, impôs novos modelos. Numa sala fechada e de audiência controlada, no Convento de São Francisco, em Coimbra, toda a elite dirigente do PS se reunirá nesta segunda-feira para mais uma rentrée do partido, tendo o secretário-geral discurso marcado para as 11.00.

O mail do PS que seguiu para as redações é bem claro: esta é uma iniciativa de acesso reservado. As bases ficam de fora, a bem da segurança sanitária. "A conferência não será aberta ao público em geral nem aos militantes, mas apenas aos responsáveis, eleitos e dirigentes a quem foi dirigido convite para participar, em função das responsabilidades que assumem, o que permitirá à organização controlar o número de presenças e garantir o cumprimento das regras de saúde apropriadas."

O esforço está mesmo centrado em estabelecer, sub-repticiamente, contraste com a rentrée do PCP, a Festa do Avante!: "O Partido Socialista pretende que a realização desta conferência seja um momento de afirmação política, mas também um exemplo do cumprimento cívico das normas sanitárias recomendadas pelas autoridades de saúde."

Foram convocados os dirigentes nacionais do PS; os deputados e eurodeputados; e presidentes de câmara, bem como os líderes regionais e distritais. Os militantes de base, se quiserem, poderão seguir a conferência online, pelos canais digitais do PS.

"No dia em que a subsistência deste governo passar a depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou."

Numa entrevista ao Expresso publicada nos dois últimos sábados, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, ensaiou o argumentário: todas as fichas estão postas no diálogo com os partidos à esquerda do PS - os "parceiros naturais", como António Costa qualifica BE, PCP, PEV e até o PAN; e, além disso, ensaia-se um afastamento decisivo face à ideia de bloco central, agora que se verifica, no entender do líder socialista, "uma deriva do PSD para as áreas da direita populista".

"Se sonham [o BE e o PCP] que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do governo, podem tirar o cavalinho da chuva pois não negociaremos à direita a subsistência deste governo."

Este afastamento traduziu-se em duas frases: "No dia em que a subsistência deste governo passar a depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou"; "O que quero deixar muito claro, e já o deixei ao PCP e ao BE, é que se sonham que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do governo, podem tirar o cavalinho da chuva pois não negociaremos à direita a subsistência deste governo".

A conferência - intitulada "Recuperar Portugal" - decorrerá portanto num quadro de aumento da pressão de Costa sobre os "parceiros naturais" não só para que viabilizem o próximo Orçamento do Estado (OE 2021) mas também para que se retome um caminho negocial que permita uma geringonça 2 que dê sustentabilidade maioritária ao governo na perspetiva da legislatura (que termina em 2023, se não for interrompida por eleições).

Os trabalhos serão encerrados ao final da tarde pelo presidente do PS, Carlos César, e pelo meio discursarão personalidades como a líder parlamentar do partido, Ana Catarina Mendes, as ministras da Saúde e da Segurança Social, respetivamente Marta Temido e Ana Mendes Godinho, e o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, sobre o próximo quadro plurianual financeiro da UE (2021-2027) e os seus efeitos em Portugal.

No curto prazo, tendo em conta o OE 2021 - que terá de dar entrada no Parlamento até 15 de outubro -, o contexto constitucional é conhecido: a partir do dia 9 de setembro, e até 9 de março de 2021, o Presidente da República estará impedido de dissolver o Parlamento (por causa da regra constitucional que lhe impede esse poder nos últimos seis meses de mandato).

"Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente terá de fazer o inevitável."

Dito de outra forma: um eventual chumbo do OE 2021 não poderá ser resolvido no curto prazo com eleições legislativas antecipadas. Na melhor das hipóteses, elas só poderiam ocorrer lá para maio/junho de 2021 (e nada diz que, mesmo com eleições, haveria mudanças substanciais na aritmética parlamentar, por exemplo com uma maioria absoluta do PS). Portanto, o impasse arrastar-se-ia durante meses, provavelmente com o primeiro-ministro demissionário, o Orçamento de 2021 a funcionar por duodécimos e o governo em gestão corrente.

Na entrevista ao Expresso, Costa dificilmente poderia ter sido mais claro: "Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente terá de fazer o inevitável."

Nenhum dos alvos do primeiro-ministro nesta entrevista - o PSD, o BE e o PCP - gostaram do tom que Costa assumiu, em modo tudo ou nada.

No Twitter, a líder do BE, Catarina Martins, manifestou o seu desagrado - mas mantendo o seu partido em jogo ("o Bloco concentra-se nas soluções para o país").

Numa nota enviada à Lusa, o PCP também reagiu: "Os problemas não se resolvem ameaçando com crises, mas sim encontrando soluções para responder a questões inadiáveis que atingem a vida de milhares de pessoas e com opções que abram caminho a uma política desamarrada das imposições da União Europeia e dos compromissos com o grande capital."

E, para os comunistas, pode ser mais aparente do que real o afastamento de Costa face à ideia de bloco central - ideia que marcou o fim da sessão legislativa com a aprovação, apenas por PS e PSD, de alterações ao regimento da AR que acabaram com os debates quinzenais: "Não basta declarar que não se quer nada com o PSD, é preciso que não se façam as mesmas opções que este faria" e isto "tanto mais quando se continuam a registar em diversas matérias relevantes convergências entre os dois partidos".

O Twitter foi também o meio escolhido para Rui Rio se pronunciar, embora preferindo um registo de humor.

A conferência do PS servirá também para o partido prosseguir o esforço de repor na agenda os temas que lhe interessam - a dramatização do OE 2021 e da necessidade de uma geringonça 2 - e com isso dar por encerrados os dias horribilis para os socialistas que resultaram, direta ou indiretamente, da morte de 18 pessoas causada por um surto de covid num lar em Reguengos de Monsaraz.

Numa declaração ao DN, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, disse que o objetivo da reunião é também o de "ouvir e acolher os contributos dos nossos representantes nacionais e europeus, os representantes do poder local e, ainda, os dirigentes com especiais responsabilidades executivas", tendo em vista "uma definição mais adequada das prioridades e um mais desenvolvido sentido de equipa, para o indispensável serviço ao país".

"Agora, temos que garantir o controlo da pandemia no outono e no inverno e, ao mesmo tempo, garantir as condições para recuperarmos economicamente o país, cuidando das condições de vida e do bem-estar das pessoas", afirmou ainda.

António Costa chega à rentrée do PS, nesta segunda-feira, já com o discurso preparado para intensificar a pressão sobre os partidos à esquerda do PS

António Costa, secretário-geral do PS. © António Pedro Santos/Lusa

Dantes era em comícios; a pandemia, porém, impôs novos modelos. Numa sala fechada e de audiência controlada, no Convento de São Francisco, em Coimbra, toda a elite dirigente do PS se reunirá nesta segunda-feira para mais uma rentrée do partido, tendo o secretário-geral discurso marcado para as 11.00.

O mail do PS que seguiu para as redações é bem claro: esta é uma iniciativa de acesso reservado. As bases ficam de fora, a bem da segurança sanitária. "A conferência não será aberta ao público em geral nem aos militantes, mas apenas aos responsáveis, eleitos e dirigentes a quem foi dirigido convite para participar, em função das responsabilidades que assumem, o que permitirá à organização controlar o número de presenças e garantir o cumprimento das regras de saúde apropriadas."

O esforço está mesmo centrado em estabelecer, sub-repticiamente, contraste com a rentrée do PCP, a Festa do Avante!: "O Partido Socialista pretende que a realização desta conferência seja um momento de afirmação política, mas também um exemplo do cumprimento cívico das normas sanitárias recomendadas pelas autoridades de saúde."

Foram convocados os dirigentes nacionais do PS; os deputados e eurodeputados; e presidentes de câmara, bem como os líderes regionais e distritais. Os militantes de base, se quiserem, poderão seguir a conferência online, pelos canais digitais do PS.

"No dia em que a subsistência deste governo passar a depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou."

Numa entrevista ao Expresso publicada nos dois últimos sábados, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, ensaiou o argumentário: todas as fichas estão postas no diálogo com os partidos à esquerda do PS - os "parceiros naturais", como António Costa qualifica BE, PCP, PEV e até o PAN; e, além disso, ensaia-se um afastamento decisivo face à ideia de bloco central, agora que se verifica, no entender do líder socialista, "uma deriva do PSD para as áreas da direita populista".

"Se sonham [o BE e o PCP] que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do governo, podem tirar o cavalinho da chuva pois não negociaremos à direita a subsistência deste governo."

Este afastamento traduziu-se em duas frases: "No dia em que a subsistência deste governo passar a depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou"; "O que quero deixar muito claro, e já o deixei ao PCP e ao BE, é que se sonham que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do governo, podem tirar o cavalinho da chuva pois não negociaremos à direita a subsistência deste governo".

A conferência - intitulada "Recuperar Portugal" - decorrerá portanto num quadro de aumento da pressão de Costa sobre os "parceiros naturais" não só para que viabilizem o próximo Orçamento do Estado (OE 2021) mas também para que se retome um caminho negocial que permita uma geringonça 2 que dê sustentabilidade maioritária ao governo na perspetiva da legislatura (que termina em 2023, se não for interrompida por eleições).

Os trabalhos serão encerrados ao final da tarde pelo presidente do PS, Carlos César, e pelo meio discursarão personalidades como a líder parlamentar do partido, Ana Catarina Mendes, as ministras da Saúde e da Segurança Social, respetivamente Marta Temido e Ana Mendes Godinho, e o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, sobre o próximo quadro plurianual financeiro da UE (2021-2027) e os seus efeitos em Portugal.

No curto prazo, tendo em conta o OE 2021 - que terá de dar entrada no Parlamento até 15 de outubro -, o contexto constitucional é conhecido: a partir do dia 9 de setembro, e até 9 de março de 2021, o Presidente da República estará impedido de dissolver o Parlamento (por causa da regra constitucional que lhe impede esse poder nos últimos seis meses de mandato).

"Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente terá de fazer o inevitável."

Dito de outra forma: um eventual chumbo do OE 2021 não poderá ser resolvido no curto prazo com eleições legislativas antecipadas. Na melhor das hipóteses, elas só poderiam ocorrer lá para maio/junho de 2021 (e nada diz que, mesmo com eleições, haveria mudanças substanciais na aritmética parlamentar, por exemplo com uma maioria absoluta do PS). Portanto, o impasse arrastar-se-ia durante meses, provavelmente com o primeiro-ministro demissionário, o Orçamento de 2021 a funcionar por duodécimos e o governo em gestão corrente.

Na entrevista ao Expresso, Costa dificilmente poderia ter sido mais claro: "Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente terá de fazer o inevitável."

Nenhum dos alvos do primeiro-ministro nesta entrevista - o PSD, o BE e o PCP - gostaram do tom que Costa assumiu, em modo tudo ou nada.

No Twitter, a líder do BE, Catarina Martins, manifestou o seu desagrado - mas mantendo o seu partido em jogo ("o Bloco concentra-se nas soluções para o país").

Numa nota enviada à Lusa, o PCP também reagiu: "Os problemas não se resolvem ameaçando com crises, mas sim encontrando soluções para responder a questões inadiáveis que atingem a vida de milhares de pessoas e com opções que abram caminho a uma política desamarrada das imposições da União Europeia e dos compromissos com o grande capital."

E, para os comunistas, pode ser mais aparente do que real o afastamento de Costa face à ideia de bloco central - ideia que marcou o fim da sessão legislativa com a aprovação, apenas por PS e PSD, de alterações ao regimento da AR que acabaram com os debates quinzenais: "Não basta declarar que não se quer nada com o PSD, é preciso que não se façam as mesmas opções que este faria" e isto "tanto mais quando se continuam a registar em diversas matérias relevantes convergências entre os dois partidos".

O Twitter foi também o meio escolhido para Rui Rio se pronunciar, embora preferindo um registo de humor.

A conferência do PS servirá também para o partido prosseguir o esforço de repor na agenda os temas que lhe interessam - a dramatização do OE 2021 e da necessidade de uma geringonça 2 - e com isso dar por encerrados os dias horribilis para os socialistas que resultaram, direta ou indiretamente, da morte de 18 pessoas causada por um surto de covid num lar em Reguengos de Monsaraz.

Numa declaração ao DN, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, disse que o objetivo da reunião é também o de "ouvir e acolher os contributos dos nossos representantes nacionais e europeus, os representantes do poder local e, ainda, os dirigentes com especiais responsabilidades executivas", tendo em vista "uma definição mais adequada das prioridades e um mais desenvolvido sentido de equipa, para o indispensável serviço ao país".

"Agora, temos que garantir o controlo da pandemia no outono e no inverno e, ao mesmo tempo, garantir as condições para recuperarmos economicamente o país, cuidando das condições de vida e do bem-estar das pessoas", afirmou ainda.

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