Luís Braga da Cruz: “Há um excesso de zelo em relação às fundações”

03-12-2019
marcar artigo

Pela primeira vez, o Centro Português de Fundações (CPF) fez um estudo sobre a realidade deste sector em Portugal. Luís Braga da Cruz, presidente do CPF, que está a terminar o seu mandato, considera que “uma sociedade é tão mais saudável quanto mais fundações tiver” e pede ao Governo acertos na lei porque há, a seu ver, burocracias que não existem em mais nenhum sector.

Como se encontra o sector das fundações em Portugal?

Iniciámos este mandato a seguir à crise da nova lei e do censos de 2015, depois de se ter lançado alguma mensagem preconceituosa contra as fundações — a de terem gasto muito dinheiro público. Nos últimos quatro anos, houve uma diminuição na criação de fundações e agora são criadas três ou quatro por ano. Não é à razão de 10 ou 20 como poderia ser. Temos 579 fundações ativas em Portugal, enquanto em Espanha há 8 mil.

A que se deve isso?

O processo de criação é, de facto, muito burocrático. Devia haver mais automatismo. As fundações têm que ser reconhecidas por terem práticas de gestão rigorosas, de transparência. Devia haver uma quase autorregulação e algumas têm levado esse trabalho muito longe. As fundações associadas do CPF (140) representam 24% do total existente, 94% do património fundacional, 91% do investimento, 88% da despesa e 52% do emprego. No total, as fundações têm 17 mil pessoas, cerca de 10% da economia social. Estes números são o reflexo da sociedade portuguesa, há poucas fundações de grande dimensão, a ter muita despesa e muito retorno à sociedade. Em contrapartida, há pequenas fundações que poderiam existir e que se desmotivam face à complexidade do sistema. Temos que criar maior automatismo nesse procedimento.

Isso significa alterar a lei? Em que sentido?

Apurar a lei. Já houve alguns avanços. Mas, por exemplo, em relação ao reconhecimento da utilidade pública temos algumas queixas. Às outras organizações da economia social como as IPSS ou as organizações não-governamentais para o desenvolvimento basta existirem para terem utilidade pública reconhecida e isso é importante porque abre a porta a isenções fiscais e a outros benefícios. As fundações não — têm que submeter processos individualmente e o seu estatuto caduca ao fim de 25 anos. E as fundações têm um contributo muito importante para a consciencialização cívica das pessoas, pelo apelo que fazem para a partilha de valores, muitas têm verdadeiros processos de inovação social. Têm uma visão de longo prazo e são mais resilientes aos ciclos económicos ou políticos. E quando alguém quer ser membro do CPF só o pode se se comprometer com o nosso código de conduta.

Houve más praticas no passado?

Houve fundações que eram formas encapotadas de desorçamentar despesas como empresas públicas que eram fundações puras. O rigor reclamado pela troika era para ser aplicado a essas fundações. As fundações públicas de direito público desapareceram. Isso foi bom.

A maior parte das fundações dedica-se a que áreas?

A maior parte não é monosectorial. Dou como exemplo a Gulbenkian, que se dedica à cultura, mas também tem uma área social importante. A sinopse que fizemos, inédita em Portugal, revela que metade está dedicada à área social, 33% à cultura, 15% à educação e ciência. Por outro lado, há poucas fundações criadas recentemente. Nos EUA, os grandes mecenas foram criados nos últimos quatro, cinco anos. Cá, a maior parte tem 50 ou 30 anos. A explicação pode ser a crise, mas também remete para o formalismo que desmotivou a criação de fundações. A própria lei-quadro diz que o património deve estar livre de litígio senão há lugar a a responsabilidade criminal. Isto não acontece em mais nenhuma organização. Acho bem que haja transparência mas há um excesso de zelo em relação às fundações. Há pessoas que têm má vontade contra as fundações mas uma sociedade é tão mais saudável quanto mais fundações tiver, quanto mais instituições se dediquem ao altruísmo.

PERFIL

Luís Braga da Cruz, de 75 anos, é presidente do Centro Português das Fundações e vice-presidente da Fundação Serralves. Foi ministro da Economia de António Guterres e, mais recentemente, candidato pelo PS à Assembleia Municipal do Porto nas eleições autárquicas de outubro. Na quinta-feira, vai subir ao palco da Fundação Champalimaud para apresentar as conclusões do primeiro estudo feito em Portugal sobre o universo fundacional no XV Encontro Nacional de Fundações.

Pela primeira vez, o Centro Português de Fundações (CPF) fez um estudo sobre a realidade deste sector em Portugal. Luís Braga da Cruz, presidente do CPF, que está a terminar o seu mandato, considera que “uma sociedade é tão mais saudável quanto mais fundações tiver” e pede ao Governo acertos na lei porque há, a seu ver, burocracias que não existem em mais nenhum sector.

Como se encontra o sector das fundações em Portugal?

Iniciámos este mandato a seguir à crise da nova lei e do censos de 2015, depois de se ter lançado alguma mensagem preconceituosa contra as fundações — a de terem gasto muito dinheiro público. Nos últimos quatro anos, houve uma diminuição na criação de fundações e agora são criadas três ou quatro por ano. Não é à razão de 10 ou 20 como poderia ser. Temos 579 fundações ativas em Portugal, enquanto em Espanha há 8 mil.

A que se deve isso?

O processo de criação é, de facto, muito burocrático. Devia haver mais automatismo. As fundações têm que ser reconhecidas por terem práticas de gestão rigorosas, de transparência. Devia haver uma quase autorregulação e algumas têm levado esse trabalho muito longe. As fundações associadas do CPF (140) representam 24% do total existente, 94% do património fundacional, 91% do investimento, 88% da despesa e 52% do emprego. No total, as fundações têm 17 mil pessoas, cerca de 10% da economia social. Estes números são o reflexo da sociedade portuguesa, há poucas fundações de grande dimensão, a ter muita despesa e muito retorno à sociedade. Em contrapartida, há pequenas fundações que poderiam existir e que se desmotivam face à complexidade do sistema. Temos que criar maior automatismo nesse procedimento.

Isso significa alterar a lei? Em que sentido?

Apurar a lei. Já houve alguns avanços. Mas, por exemplo, em relação ao reconhecimento da utilidade pública temos algumas queixas. Às outras organizações da economia social como as IPSS ou as organizações não-governamentais para o desenvolvimento basta existirem para terem utilidade pública reconhecida e isso é importante porque abre a porta a isenções fiscais e a outros benefícios. As fundações não — têm que submeter processos individualmente e o seu estatuto caduca ao fim de 25 anos. E as fundações têm um contributo muito importante para a consciencialização cívica das pessoas, pelo apelo que fazem para a partilha de valores, muitas têm verdadeiros processos de inovação social. Têm uma visão de longo prazo e são mais resilientes aos ciclos económicos ou políticos. E quando alguém quer ser membro do CPF só o pode se se comprometer com o nosso código de conduta.

Houve más praticas no passado?

Houve fundações que eram formas encapotadas de desorçamentar despesas como empresas públicas que eram fundações puras. O rigor reclamado pela troika era para ser aplicado a essas fundações. As fundações públicas de direito público desapareceram. Isso foi bom.

A maior parte das fundações dedica-se a que áreas?

A maior parte não é monosectorial. Dou como exemplo a Gulbenkian, que se dedica à cultura, mas também tem uma área social importante. A sinopse que fizemos, inédita em Portugal, revela que metade está dedicada à área social, 33% à cultura, 15% à educação e ciência. Por outro lado, há poucas fundações criadas recentemente. Nos EUA, os grandes mecenas foram criados nos últimos quatro, cinco anos. Cá, a maior parte tem 50 ou 30 anos. A explicação pode ser a crise, mas também remete para o formalismo que desmotivou a criação de fundações. A própria lei-quadro diz que o património deve estar livre de litígio senão há lugar a a responsabilidade criminal. Isto não acontece em mais nenhuma organização. Acho bem que haja transparência mas há um excesso de zelo em relação às fundações. Há pessoas que têm má vontade contra as fundações mas uma sociedade é tão mais saudável quanto mais fundações tiver, quanto mais instituições se dediquem ao altruísmo.

PERFIL

Luís Braga da Cruz, de 75 anos, é presidente do Centro Português das Fundações e vice-presidente da Fundação Serralves. Foi ministro da Economia de António Guterres e, mais recentemente, candidato pelo PS à Assembleia Municipal do Porto nas eleições autárquicas de outubro. Na quinta-feira, vai subir ao palco da Fundação Champalimaud para apresentar as conclusões do primeiro estudo feito em Portugal sobre o universo fundacional no XV Encontro Nacional de Fundações.

marcar artigo