“Ó André, não levantes a mão assim que eles vão já fotografar”. A marcha de Ventura para chamar os “portugueses comuns”

29-06-2020
marcar artigo

André Ventura caminha decidido pelas sombras da Avenida da Liberdade fora. Numa mão, segura a tarja em que se lê que “Portugal não é racista”. A outra está por alguns momentos levantada, direita, no ar. “Ó André, não levantes a mão assim que eles vão já fotografar isso”, graceja um dos homens que com ele marcham na linha da frente. Ventura ri-se, acena e baixa a mão, algumas fotografias depois. A caminhada prossegue.

Não é a primeira vez que gera polémica o aparente, ou pelo menos ambíguo, uso de simbologia de extrema-direita em eventos do Chega (há meses, um apoiante era identificado num vídeo a fazer a saudação nazi). Mas, na manifestação que Ventura organizou este sábado em Lisboa, e que terá juntado várias centenas de pessoas (a polícia fala em mil), a ideia que o líder quis passar enquanto falava aos seus apoiantes foi precisamente a contrária: apelar aos “portugueses comuns”, às “pessoas de bem” que Ventura diz constituírem, em Portugal, uma verdadeira maioria silenciosa. O primeiro apelo para organizar uma manifestação deste género tinha sido expresso pelo skinhead Mário Machado, de quem Ventura se tentou depois descolar.

Ali, numa marcha que partiu do Marquês de Pombal e foi desembocar ao Terreiro do Paço, concentrou-se uma miscelânea de raivas e sentimentos de injustiça variados e concentrados em slogans, tarjas e gritos de guerra: “Portugal não é racista”, “minorias com direitos e deveres”, “todas as vidas importam”, “polícia bom é polícia vivo”, “racismo é distração”, “Portugal não é racista, importa é racistas”, mas também variações de “eu pago os meus impostos”, queixas contra a “corrupção” e os “políticos elitistas” e críticas à comunicação social “vendida”.

Assim o resumiu Ventura: “Somos a voz dos portugueses comuns, que pagam impostos, fartos de estátuas vandalizadas; queremos um país que não seja dos mesmos coitadinhos de sempre”. Continuou, Avenida da Liberdade fora, a caracterizar-se a si e a quem o acompanhava: uma direita que não é a “direita fofinha que não interessa a Portugal”, garantiu, dirigindo-se diretamente e pelo nome a Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, líderes do PSD e do CDS, respetivamente; uma direita que está cansada da “subsídio-dependência” das minorias e de se sentir “menorizada e humilhada”, que “morreria pelo seu país” e que, se “acabarem” com André Ventura, continuará o seu projeto.

As palavras de quem lá esteve descrevem, em traços gerais, esse sentimento. Muitos recusaram falar dos motivos para estarem ali, por entre críticas fortes e provocações à comunicação social, que, acreditam, ajuda a “menorizar” o Chega. Era também essa a opinião de Rute Santos, uma empresária de 43 anos que ali chegara diretamente de Viana do Castelo e que falou ao Expresso ainda as primeiras centenas de manifestantes se juntavam no Marquês de Pombal. “O que está aqui em causa são os direitos dos portugueses. Sou militante e se não fosse estaria aqui de certeza. Porque o Chega é para os portugueses. Não é uma contra-manifestação, em Portugal não há racismo! Onde é que há racismo?”. A prova? “Pode haver pessoas que são racistas, mas acha que se houvesse racistas nós tínhamos partidos como temos? A casa mãe da democracia com pessoas que não são portuguesas? Temos cabo verdianos, pretos, brancos. Se Portugal fosse realmente racista não tinha”.

Uma opinião semelhante à de Álvaro Abreu, de 68 anos, militante desde o início deste ano. “Revejo-me muito no Chega porque estamos a perder identidade, a perder a nossa história, e ela é muito bonita para deitar fora. Tudo o que se passou, fosse erro ou não, é história. Não existe em Portugal racismo. Poderá haver pontualmente, mas vamos ver qual é o maior racismo: se de uma cor para a outra, ou dessa cor para a outra”, defende. Ao seu lado, Sandra corrobora e explica que se filiou depois de ler um programa do qual, acredita, “os únicos que não vão gostar mesmo são os que vivem à custa de quem paga altos impostos e os que estão a mais na Assembleia da República”.

O caso da bandeira LGBT

Desde esse momento, ainda no Marquês de Pombal, há uma preocupação constante: o apelo ao cumprimento das normas da Direção Geral de Saúde “como quer o líder”, pede Manuel Matias, homem da organização; a distância de mais ou menos um braço; a colocação das máscaras que a organização entrega; a distribuição de dirigentes, militantes e simpatizantes por diferentes filas e colunas, com uma corda a separá-los e a marcar os limites. “Vamos mostrar aos que estão à espera de que a gente cometa erros que somos pessoas responsáveis, de direita e às direitas”, apela a organização.

Há máscaras do Chega e máscaras com a bandeira de Portugal, como há inúmeras bandeiras pelas costas e atadas ao pescoço, t-shirts com galos de Barcelos, o hino cantado à partida e à chegada. E há um adereço muito particular: um colete distribuído por muitos com o formato e as faixas refletoras que adornam os coletes dos polícias. Em vez de uma cor brilhante, pinta-se de azul escuro e um “Chega” escrito ao peito.

Pelo meio dos símbolos nacionais e os coletes a imitar a polícia, que acompanha em colunas e carrinhas a manifestação em todos os momentos e ouve variados agradecimentos dos manifestantes, distingue-se um símbolo inesperado. Um rapaz jovem, de camisa semi-aberta a mostrar as tatuagens e phones nos ouvidos, empunha firmemente uma bandeira arco-íris, símbolo LGBT, no meio das fileiras de apoiantes do Chega. “Estou aqui a marcar presença pela minha comunidade. Eles resolveram fazer esta manifestação do Chega, que é contra o casamento e adoção LGBT, e venho mostrar que somos todos iguais”, explica ao Expresso João Pedro, de 27 anos. Foi abordado por alguém?. “Estou com os phones por causa disso, para não ouvir nada”, ri-se.

Um outro momento de protesto é também pacífico, protagonizado por vários jovens negros, que se colocam atrás de André Ventura quando este diz, virado para as câmaras, que não há racismo em Portugal e mostram cartazes onde se lê, por exemplo: “Todas as vidas importam! Será que todas elas são discriminadas?”. Pouco depois abandonam o local enquanto um desabafa: “Sinto-me mais leve”.

Sá Carneiro, Maria Vieira e "Deus no comando"

A manifestação corre sempre ordeira, como confirmou ao Expresso o comissário da PSP Artur Serafim, que apontava, a chegar aos Restauradores, para uma presença de cerca de mil pessoas. O facto de ter sido num primeiro momento referida por alguns órgãos a presença de cerca de duzentas motiva várias ironias de André Ventura: “Diziam que éramos duzentos!”, graceja ao microfone, provocando risos atrás de si e alguns insultos aos jornalistas.

Os manifestantes ultrapassavam claramente os duzentos, mas, segundo os números da polícia, também não chegaram aos dois mil que quem segurava a tarja chegou a anunciar. À chegada ao Terreiro do Paço, estavam muito longe de encher a metade da praça reservada para a manifestação. Mas eram suficientes para Ventura, que durante a semana fez questão de gerir as expectativas, apontando para uma estimativa esperada de 1500 pessoas e pedindo que não o deixassem “caminhar sozinho”. Ainda assim, “logo à noite vão dizer” que eram poucos, ironizava.

Eram quantos bastassem para o líder, no seu estilo enérgico e inflamado, entusiasmar as hostes, já no palco montado para o efeito, ao anunciar repetidamente que este sábado marca um dia “histórico” em que a direita voltou a sair à rua, o início da caminhada para a “quarta República” que diz querer fundar. Citou Sá Carneiro variadas vezes - “a política sem risco é uma chatice” - e chegou a anunciar que ali tinha descido o espírito do fundador do PSD (ex-partido de Ventura). E também recorreu por várias vezes às referências religiosas: “Alguma coisa me disse que não podíamos recuar e que Deus estaria no comando”.

Quem o ouvia gostou e Ventura saiu debaixo de uma onda de aplausos, findo o hino nacional. Ao seu lado no palco, como de resto durante toda a manifestação e na linha da frente, estava a atriz Maria Vieira, muito acarinhada pelos manifestantes que tanto lhe agradeceram via altifalante. A atriz retribuiu: “Tu és o homem certo. Que Deus te proteja, meu querido”, desejou, dirigindo-se a Ventura. Saíram do palco por entre ovações, para entrarem logo de seguida no mesmo carro, acompanhados ainda pelo marido de Maria Vieira e pelo cão da atriz.

André Ventura caminha decidido pelas sombras da Avenida da Liberdade fora. Numa mão, segura a tarja em que se lê que “Portugal não é racista”. A outra está por alguns momentos levantada, direita, no ar. “Ó André, não levantes a mão assim que eles vão já fotografar isso”, graceja um dos homens que com ele marcham na linha da frente. Ventura ri-se, acena e baixa a mão, algumas fotografias depois. A caminhada prossegue.

Não é a primeira vez que gera polémica o aparente, ou pelo menos ambíguo, uso de simbologia de extrema-direita em eventos do Chega (há meses, um apoiante era identificado num vídeo a fazer a saudação nazi). Mas, na manifestação que Ventura organizou este sábado em Lisboa, e que terá juntado várias centenas de pessoas (a polícia fala em mil), a ideia que o líder quis passar enquanto falava aos seus apoiantes foi precisamente a contrária: apelar aos “portugueses comuns”, às “pessoas de bem” que Ventura diz constituírem, em Portugal, uma verdadeira maioria silenciosa. O primeiro apelo para organizar uma manifestação deste género tinha sido expresso pelo skinhead Mário Machado, de quem Ventura se tentou depois descolar.

Ali, numa marcha que partiu do Marquês de Pombal e foi desembocar ao Terreiro do Paço, concentrou-se uma miscelânea de raivas e sentimentos de injustiça variados e concentrados em slogans, tarjas e gritos de guerra: “Portugal não é racista”, “minorias com direitos e deveres”, “todas as vidas importam”, “polícia bom é polícia vivo”, “racismo é distração”, “Portugal não é racista, importa é racistas”, mas também variações de “eu pago os meus impostos”, queixas contra a “corrupção” e os “políticos elitistas” e críticas à comunicação social “vendida”.

Assim o resumiu Ventura: “Somos a voz dos portugueses comuns, que pagam impostos, fartos de estátuas vandalizadas; queremos um país que não seja dos mesmos coitadinhos de sempre”. Continuou, Avenida da Liberdade fora, a caracterizar-se a si e a quem o acompanhava: uma direita que não é a “direita fofinha que não interessa a Portugal”, garantiu, dirigindo-se diretamente e pelo nome a Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, líderes do PSD e do CDS, respetivamente; uma direita que está cansada da “subsídio-dependência” das minorias e de se sentir “menorizada e humilhada”, que “morreria pelo seu país” e que, se “acabarem” com André Ventura, continuará o seu projeto.

As palavras de quem lá esteve descrevem, em traços gerais, esse sentimento. Muitos recusaram falar dos motivos para estarem ali, por entre críticas fortes e provocações à comunicação social, que, acreditam, ajuda a “menorizar” o Chega. Era também essa a opinião de Rute Santos, uma empresária de 43 anos que ali chegara diretamente de Viana do Castelo e que falou ao Expresso ainda as primeiras centenas de manifestantes se juntavam no Marquês de Pombal. “O que está aqui em causa são os direitos dos portugueses. Sou militante e se não fosse estaria aqui de certeza. Porque o Chega é para os portugueses. Não é uma contra-manifestação, em Portugal não há racismo! Onde é que há racismo?”. A prova? “Pode haver pessoas que são racistas, mas acha que se houvesse racistas nós tínhamos partidos como temos? A casa mãe da democracia com pessoas que não são portuguesas? Temos cabo verdianos, pretos, brancos. Se Portugal fosse realmente racista não tinha”.

Uma opinião semelhante à de Álvaro Abreu, de 68 anos, militante desde o início deste ano. “Revejo-me muito no Chega porque estamos a perder identidade, a perder a nossa história, e ela é muito bonita para deitar fora. Tudo o que se passou, fosse erro ou não, é história. Não existe em Portugal racismo. Poderá haver pontualmente, mas vamos ver qual é o maior racismo: se de uma cor para a outra, ou dessa cor para a outra”, defende. Ao seu lado, Sandra corrobora e explica que se filiou depois de ler um programa do qual, acredita, “os únicos que não vão gostar mesmo são os que vivem à custa de quem paga altos impostos e os que estão a mais na Assembleia da República”.

O caso da bandeira LGBT

Desde esse momento, ainda no Marquês de Pombal, há uma preocupação constante: o apelo ao cumprimento das normas da Direção Geral de Saúde “como quer o líder”, pede Manuel Matias, homem da organização; a distância de mais ou menos um braço; a colocação das máscaras que a organização entrega; a distribuição de dirigentes, militantes e simpatizantes por diferentes filas e colunas, com uma corda a separá-los e a marcar os limites. “Vamos mostrar aos que estão à espera de que a gente cometa erros que somos pessoas responsáveis, de direita e às direitas”, apela a organização.

Há máscaras do Chega e máscaras com a bandeira de Portugal, como há inúmeras bandeiras pelas costas e atadas ao pescoço, t-shirts com galos de Barcelos, o hino cantado à partida e à chegada. E há um adereço muito particular: um colete distribuído por muitos com o formato e as faixas refletoras que adornam os coletes dos polícias. Em vez de uma cor brilhante, pinta-se de azul escuro e um “Chega” escrito ao peito.

Pelo meio dos símbolos nacionais e os coletes a imitar a polícia, que acompanha em colunas e carrinhas a manifestação em todos os momentos e ouve variados agradecimentos dos manifestantes, distingue-se um símbolo inesperado. Um rapaz jovem, de camisa semi-aberta a mostrar as tatuagens e phones nos ouvidos, empunha firmemente uma bandeira arco-íris, símbolo LGBT, no meio das fileiras de apoiantes do Chega. “Estou aqui a marcar presença pela minha comunidade. Eles resolveram fazer esta manifestação do Chega, que é contra o casamento e adoção LGBT, e venho mostrar que somos todos iguais”, explica ao Expresso João Pedro, de 27 anos. Foi abordado por alguém?. “Estou com os phones por causa disso, para não ouvir nada”, ri-se.

Um outro momento de protesto é também pacífico, protagonizado por vários jovens negros, que se colocam atrás de André Ventura quando este diz, virado para as câmaras, que não há racismo em Portugal e mostram cartazes onde se lê, por exemplo: “Todas as vidas importam! Será que todas elas são discriminadas?”. Pouco depois abandonam o local enquanto um desabafa: “Sinto-me mais leve”.

Sá Carneiro, Maria Vieira e "Deus no comando"

A manifestação corre sempre ordeira, como confirmou ao Expresso o comissário da PSP Artur Serafim, que apontava, a chegar aos Restauradores, para uma presença de cerca de mil pessoas. O facto de ter sido num primeiro momento referida por alguns órgãos a presença de cerca de duzentas motiva várias ironias de André Ventura: “Diziam que éramos duzentos!”, graceja ao microfone, provocando risos atrás de si e alguns insultos aos jornalistas.

Os manifestantes ultrapassavam claramente os duzentos, mas, segundo os números da polícia, também não chegaram aos dois mil que quem segurava a tarja chegou a anunciar. À chegada ao Terreiro do Paço, estavam muito longe de encher a metade da praça reservada para a manifestação. Mas eram suficientes para Ventura, que durante a semana fez questão de gerir as expectativas, apontando para uma estimativa esperada de 1500 pessoas e pedindo que não o deixassem “caminhar sozinho”. Ainda assim, “logo à noite vão dizer” que eram poucos, ironizava.

Eram quantos bastassem para o líder, no seu estilo enérgico e inflamado, entusiasmar as hostes, já no palco montado para o efeito, ao anunciar repetidamente que este sábado marca um dia “histórico” em que a direita voltou a sair à rua, o início da caminhada para a “quarta República” que diz querer fundar. Citou Sá Carneiro variadas vezes - “a política sem risco é uma chatice” - e chegou a anunciar que ali tinha descido o espírito do fundador do PSD (ex-partido de Ventura). E também recorreu por várias vezes às referências religiosas: “Alguma coisa me disse que não podíamos recuar e que Deus estaria no comando”.

Quem o ouvia gostou e Ventura saiu debaixo de uma onda de aplausos, findo o hino nacional. Ao seu lado no palco, como de resto durante toda a manifestação e na linha da frente, estava a atriz Maria Vieira, muito acarinhada pelos manifestantes que tanto lhe agradeceram via altifalante. A atriz retribuiu: “Tu és o homem certo. Que Deus te proteja, meu querido”, desejou, dirigindo-se a Ventura. Saíram do palco por entre ovações, para entrarem logo de seguida no mesmo carro, acompanhados ainda pelo marido de Maria Vieira e pelo cão da atriz.

marcar artigo