De cor: Reality show(s)?

05-03-2020
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Na semana que passou marcou-me a perseguição policial “à
filme” no mundo rural português. Mas também certas intervenções de quem por
obrigação profere opinião em público através da apreciação de um dos documentos
mais labiríntico que deve haver na administração pública, inflamando o que, se se
concretizassem boatos, podia ter sido um descalabro mas afinal não foi. Às
palavras da ministra Francisca Van Dunem fui buscar o mote para esta crónica
que fala de realidade e de show e do que
acontece quando as duas palavras se juntam.

O reality-show é
um género televisivo que vai buscar partes à informação e ao entretenimento, ao
drama e ao documentário, à ficção e à realidade. O termo, aplicou-o a senhora
ministra ao que não devia ser a forma como está a ser tratado o caso da “fuga
de Pedro Dias”, já que o conceito se estendeu e, actualmente, parece tornar-se
metáfora de tudo o que tendo a ver com a realidade não deixa de ser apresentado
como um espectáculo de entretenimento. No fundo, na metaforização do conceito passa-se
um pouco o inverso do que acontece efectivamente num reality-show,
onde se cria a ilusão de o espectador participar mesmo e não ficar apenas de
fora passivamente. No uso metafórico, é quando o que é mostrado do domínio do
privado ou do restrito é como se fosse público e servisse para assistirmos de
camarote, testemunhas não participantes.

O sucesso de audiências dos reality-show
será também consequência do facto de o cidadão anónimo se ver retratado no ecrã
da televisão onde, até há um par de décadas pelo menos, só apareciam
especialistas, políticos ou celebridades. É que o que atrai neste tipo de
programa de televisão é a imagem de uma autenticidade e genuinidade, em que os
que ocupam o ecrã sejam eles próprios e ganhem a simpatia dos que do outro lado
com eles se identifiquem e até possam, em alguns casos, interferir no próprio
programa. Este é um modelo em que outros, como os de opinião pública, vão
buscar por vezes inspiração, com a participação em antena chamada aberta. No
fundo, os reality-show são um elogio da
banalidade.

Se devidamente classificados e confinados a determinados
horários ou canais de televisão, não nos sentimos apanhados por este tipo de
programa se com ele nos cruzarmos. Triste é quando os assuntos que merecem
discussão séria – e um orçamento é-o para os partidos e para as instituições e
indivíduos, tal como a justiça na morte de homem tem de ser para uma sociedade
civilizada – são tratados por gente que o devia entender assim mesmo, como
assunto sério, se de um reality-show se
tratasse.
Não
falo dos comentários em redes sociais, que ainda valem o que valem. Falo de
declarações de gente eleita ou escolhida para esclarecer cidadãos, com
conhecimento privilegiado que deveria ter, em assuntos sérios e que afinal
entra na mesma onda de uma popular genuinidade que não o é realmente. Este
estilo reality-show, a estender-se a outros
campos que não o da TV entretenimento, vem afinal confirmar que as
estatísticas, os comentários, as análises e as entrevistas não chegam para se
explicar o mundo em que vivemos e usa-se esta espécie de proximidade por cabo
ou TDT para apregoar a vida e as emoções das pessoas, as desilusões e as
ambições, partilhando sentimentos sobre assuntos sérios como se de raciocínios
em rascunho se tratassem e tentando entrar, de forma popularucha, nessas
“comunidades de compaixão” que são os telespectadores de reality-shows.
Não sei o que será pior: se um reality-show se
o show da realidade de alguns responsáveis
por esclarecer a opinião pública? Não fosse o interesse nacional ridiculamente
colado numa outra metáfora, e estava quase a pedir que viesse o diabo escolher…

Na semana que passou marcou-me a perseguição policial “à
filme” no mundo rural português. Mas também certas intervenções de quem por
obrigação profere opinião em público através da apreciação de um dos documentos
mais labiríntico que deve haver na administração pública, inflamando o que, se se
concretizassem boatos, podia ter sido um descalabro mas afinal não foi. Às
palavras da ministra Francisca Van Dunem fui buscar o mote para esta crónica
que fala de realidade e de show e do que
acontece quando as duas palavras se juntam.

O reality-show é
um género televisivo que vai buscar partes à informação e ao entretenimento, ao
drama e ao documentário, à ficção e à realidade. O termo, aplicou-o a senhora
ministra ao que não devia ser a forma como está a ser tratado o caso da “fuga
de Pedro Dias”, já que o conceito se estendeu e, actualmente, parece tornar-se
metáfora de tudo o que tendo a ver com a realidade não deixa de ser apresentado
como um espectáculo de entretenimento. No fundo, na metaforização do conceito passa-se
um pouco o inverso do que acontece efectivamente num reality-show,
onde se cria a ilusão de o espectador participar mesmo e não ficar apenas de
fora passivamente. No uso metafórico, é quando o que é mostrado do domínio do
privado ou do restrito é como se fosse público e servisse para assistirmos de
camarote, testemunhas não participantes.

O sucesso de audiências dos reality-show
será também consequência do facto de o cidadão anónimo se ver retratado no ecrã
da televisão onde, até há um par de décadas pelo menos, só apareciam
especialistas, políticos ou celebridades. É que o que atrai neste tipo de
programa de televisão é a imagem de uma autenticidade e genuinidade, em que os
que ocupam o ecrã sejam eles próprios e ganhem a simpatia dos que do outro lado
com eles se identifiquem e até possam, em alguns casos, interferir no próprio
programa. Este é um modelo em que outros, como os de opinião pública, vão
buscar por vezes inspiração, com a participação em antena chamada aberta. No
fundo, os reality-show são um elogio da
banalidade.

Se devidamente classificados e confinados a determinados
horários ou canais de televisão, não nos sentimos apanhados por este tipo de
programa se com ele nos cruzarmos. Triste é quando os assuntos que merecem
discussão séria – e um orçamento é-o para os partidos e para as instituições e
indivíduos, tal como a justiça na morte de homem tem de ser para uma sociedade
civilizada – são tratados por gente que o devia entender assim mesmo, como
assunto sério, se de um reality-show se
tratasse.
Não
falo dos comentários em redes sociais, que ainda valem o que valem. Falo de
declarações de gente eleita ou escolhida para esclarecer cidadãos, com
conhecimento privilegiado que deveria ter, em assuntos sérios e que afinal
entra na mesma onda de uma popular genuinidade que não o é realmente. Este
estilo reality-show, a estender-se a outros
campos que não o da TV entretenimento, vem afinal confirmar que as
estatísticas, os comentários, as análises e as entrevistas não chegam para se
explicar o mundo em que vivemos e usa-se esta espécie de proximidade por cabo
ou TDT para apregoar a vida e as emoções das pessoas, as desilusões e as
ambições, partilhando sentimentos sobre assuntos sérios como se de raciocínios
em rascunho se tratassem e tentando entrar, de forma popularucha, nessas
“comunidades de compaixão” que são os telespectadores de reality-shows.
Não sei o que será pior: se um reality-show se
o show da realidade de alguns responsáveis
por esclarecer a opinião pública? Não fosse o interesse nacional ridiculamente
colado numa outra metáfora, e estava quase a pedir que viesse o diabo escolher…

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