Do Portugal Profundo

02-09-2020
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Pego num excerto de Ode de Fernando Pessoa, que sentiu e forjou primeiro (1914), numa pré-angústia da ânsia de infinito, que nos consome, porque desprezamos o Absoluto, porque tememos a entrega, o abandono das coisas e de nós. Esquecemos que somos um sonho dentro de um sonho, num ápice de eternidade, e que de cada vez que desperdiçamos o Amor, nos esganamos nos laços cortantes das ambições perdidas, nas estúpidas pretensões de poder, de dinheiro e de estatuto, na posse em vez da dádiva. Perdemos tempo de vida no orgulho, de mágoa dupla e viciosa, um cancro que corrói a alma de mentira e de egoísmo. Reduzimos a vida às coisas, coisificamos o Outro, capitalizamo-lo como ativo, para o que nos for conveniente, e passivo, para o importúnio das suas necessidades: cerejas ou favas de um bolo que já não partilhamos porque esquecemos o Rei, que é Deus.

Nesta Ode, Pessoa avança da noite para Nossa Senhora, da treva para a Luz. Como nós devemos, fazendo o caminho inverso da alienação de vida que se esvai como pó levantado pelo vento gélido da História, da história de cada um. Então, é preciso o sacrifício para obter a Fé, alcançar a Misericórdia e ganhar a Redenção. Não há recuperação sem cruzarmos o vale de lágrimas em que nos debatemos, surpresos da impiedade divina perante o retorno dos cavaleiros do Apocalipse, como se fosse moralmente possível adorar o bezerro de oiro e, sem arrependimento, redescobrirmos o verdadeiro Amor.

Por isso, e mais, uma oração possível que se abre de uma voz dorida, mal citada:

Vem
Nossa Senhora das Coisas Impossíveis,
Dos sonhos e dos propósitos.
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
Porque a alma é grande e a vida pequena.
Vem dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados.
Mão fresca sobre a testa em febre dos Humildes.
Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
Vem e embala-me,
Vem e afaga-me. 

Aos comentadores, aos leitores, às fontes, aos amigos e aos adversários, e suas famílias, entrego os votos de um Santo Natal e de um Ano Bom de 2016. Deus vos abençoe!

Pego num excerto de Ode de Fernando Pessoa, que sentiu e forjou primeiro (1914), numa pré-angústia da ânsia de infinito, que nos consome, porque desprezamos o Absoluto, porque tememos a entrega, o abandono das coisas e de nós. Esquecemos que somos um sonho dentro de um sonho, num ápice de eternidade, e que de cada vez que desperdiçamos o Amor, nos esganamos nos laços cortantes das ambições perdidas, nas estúpidas pretensões de poder, de dinheiro e de estatuto, na posse em vez da dádiva. Perdemos tempo de vida no orgulho, de mágoa dupla e viciosa, um cancro que corrói a alma de mentira e de egoísmo. Reduzimos a vida às coisas, coisificamos o Outro, capitalizamo-lo como ativo, para o que nos for conveniente, e passivo, para o importúnio das suas necessidades: cerejas ou favas de um bolo que já não partilhamos porque esquecemos o Rei, que é Deus.

Nesta Ode, Pessoa avança da noite para Nossa Senhora, da treva para a Luz. Como nós devemos, fazendo o caminho inverso da alienação de vida que se esvai como pó levantado pelo vento gélido da História, da história de cada um. Então, é preciso o sacrifício para obter a Fé, alcançar a Misericórdia e ganhar a Redenção. Não há recuperação sem cruzarmos o vale de lágrimas em que nos debatemos, surpresos da impiedade divina perante o retorno dos cavaleiros do Apocalipse, como se fosse moralmente possível adorar o bezerro de oiro e, sem arrependimento, redescobrirmos o verdadeiro Amor.

Por isso, e mais, uma oração possível que se abre de uma voz dorida, mal citada:

Vem
Nossa Senhora das Coisas Impossíveis,
Dos sonhos e dos propósitos.
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
Porque a alma é grande e a vida pequena.
Vem dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados.
Mão fresca sobre a testa em febre dos Humildes.
Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
Vem e embala-me,
Vem e afaga-me. 

Aos comentadores, aos leitores, às fontes, aos amigos e aos adversários, e suas famílias, entrego os votos de um Santo Natal e de um Ano Bom de 2016. Deus vos abençoe!

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