Só vimos a ponta do icebergue. O Orçamento de todas as incertezas

19-10-2020
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Um Orçamento de investimento público. Podia resumir-se assim as linhas gerais do documento provisório entregue esta semana pelo ministro das Finanças, João Leão, na Assembleia da República. Num ano marcado por uma forte crise — de saúde, social e económica — o Governo assume uma postura “intervencionista”. Mas o pior pode estar para vir: “Ainda não vimos muito da verdadeira crise que temos entre nós. Só a ponta do icebergue”, disse o ex-ministro da Economia, Augusto Mateus, no arranque do debate Orçamento do Estado 2021: O Plano para a Retoma.

É seguramente um dos Orçamentos mais desafiantes e importantes da última década. Essa é a convicção de Bruno Ferreira, sócio da PLMJ, que sublinha a importância de uma retoma “num futuro muito próximo”. O problema está na grau de incerteza dos tempos que vivemos: o vírus continua longe de estar controlado, os seus efeitos já se fazem sentir na economia, mas ninguém poderá afirmar — com certeza — que 2021 será um ano de recuperação. Para o ex-ministro, o próximo ano será mais de “preparação para a recuperação”. “A recuperação vai começar mais tarde, temos de controlar melhor a pandemia, mitigar os seus efeitos na economia e implementar as medidas de saúde pública.”

Com o fim das moratórias bancárias previsto para o próximo ano — apesar de o ministro Siza Vieira ter admitido o seu prolongamento para as empresas — esse será um dos momentos definidores das contas do sector privado e das famílias portuguesas. O atual momento, diz Augusto Mateus, é de convívio com o vírus tentando otimizar as condições da atividade económica. Mas o momento-chave ainda está para vir, à medida que forem levantados os apoios para empresas. “O OE é muito pouco relevante, pertinente, para as empresas. Tudo o que são condições para investir, para que as empresas possam equilibrar-se de capital e liquidez, o Orçamento não tem nenhuma medida.”

O economista Ricardo Arroja é também crítico do documento provisório elaborado pelo ministro que substituiu Mário Centeno na pasta das Finanças. Considerando-o “demasiado intervencionista”, identifica vários problemas: “Não responde aos desafios da economia, do endividamento, nem à questão demográfica.” Quanto às empresas, afirma que pouco revela sobre os seus desafios apesar de “alguma subsidiação” justificada e de numa lógica de “limitação administrativa”. “As empresas não podem despedir. São condicionantes que podem parecer um prémio por acesso a fundos públicos, mas evitam que estas tomem decisões difíceis que num período de crise devem ser tomadas.” Convicto de que o Estado se devia preocupar em fomentar o mercado de financiamento, a continuidade na implementação das linhas de crédito, Ricardo Arroja afirma, no entanto, que o Orçamento do Estado é omisso “porque não especifica em que moldes essas linhas vão funcionar”. Além disso, insiste o economista, trata-se “cada vez mais de um Orçamento de despesa corrente”. “Envolve uma despesa de €100 mil milhões. Estamos a falar de €20 mil por cada trabalhador. O que se observa é que a despesa corrente primária tem vindo sempre a crescer. Este Orçamento aposta no investimento público mas se não tivéssemos o dinheiro europeu isso não seria possível”, afirmou durante o debate.

Isaque Ramos, sócio na área fiscal da PLMJ, aponta como falhas nesta versão que será discutida no Parlamento o facto de “ninguém pensar na política fiscal de forma macro. “Temos problemas de coerência. O primeiro exercício é ver como os outros olham para a nossa fiscalidade”: em 36 países da OCDE, Portugal esta em 33º. “Não há uma linha de orientação”, diz Arroja. “A política fiscal padece de vários problemas, serve para incentivar, maximizar a receita, ou fazer passar o OE.”

Uma das medidas assumidas pelo executivo para 2021 foi baixar as taxas de retenção na fonte, como aconteceu nos últimos dois anos. O objetivo é que os contribuintes tenham uma liquidez adicional de €200 milhões, reduzindo na mesma proporção a importância dos reembolsos a receber em 2022, o que de acordo com as contas do Governo terá um impacto orçamental de 0,9% do produto interno bruto (PIB). Pedro Arroja considera que a medida “não tem impacto a médio prazo”.

O aumento do salário mínimo foi outra das questões debatidas durante as semanas que antecederam a entrega do documento provisório elaborado pelo ministro das Finanças. A promessa está inscrita no relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado para 2021 e o Governo compromete-se com um aumento em linha com a média da última legislatura — €750 brutos até 2023. Sobre o assunto, Augusto Mateus diz ser “importantíssimo” perceber onde está a estabilidade e o nível de incentivo à mudança. “A economia deve criar um quadro que acelere a mudança: organizar as empresas com mais capital humano, mais competência e mais rendimentos. Os salários, isto custa a entender mas é verdade, fazem-se criando condições para as empresas. E, portanto, podia ser uma alavanca para acelerar a estrutura da indústria portuguesa.” Pedro Arroja acredita que a solução está na forma como o salário é desenhado e dá o exemplo de outros países, onde o valor é variável em função da geografia. “É preciso sair dessa lógica de pensamento do salário mínimo.”

Um Orçamento de investimento público. Podia resumir-se assim as linhas gerais do documento provisório entregue esta semana pelo ministro das Finanças, João Leão, na Assembleia da República. Num ano marcado por uma forte crise — de saúde, social e económica — o Governo assume uma postura “intervencionista”. Mas o pior pode estar para vir: “Ainda não vimos muito da verdadeira crise que temos entre nós. Só a ponta do icebergue”, disse o ex-ministro da Economia, Augusto Mateus, no arranque do debate Orçamento do Estado 2021: O Plano para a Retoma.

É seguramente um dos Orçamentos mais desafiantes e importantes da última década. Essa é a convicção de Bruno Ferreira, sócio da PLMJ, que sublinha a importância de uma retoma “num futuro muito próximo”. O problema está na grau de incerteza dos tempos que vivemos: o vírus continua longe de estar controlado, os seus efeitos já se fazem sentir na economia, mas ninguém poderá afirmar — com certeza — que 2021 será um ano de recuperação. Para o ex-ministro, o próximo ano será mais de “preparação para a recuperação”. “A recuperação vai começar mais tarde, temos de controlar melhor a pandemia, mitigar os seus efeitos na economia e implementar as medidas de saúde pública.”

Com o fim das moratórias bancárias previsto para o próximo ano — apesar de o ministro Siza Vieira ter admitido o seu prolongamento para as empresas — esse será um dos momentos definidores das contas do sector privado e das famílias portuguesas. O atual momento, diz Augusto Mateus, é de convívio com o vírus tentando otimizar as condições da atividade económica. Mas o momento-chave ainda está para vir, à medida que forem levantados os apoios para empresas. “O OE é muito pouco relevante, pertinente, para as empresas. Tudo o que são condições para investir, para que as empresas possam equilibrar-se de capital e liquidez, o Orçamento não tem nenhuma medida.”

O economista Ricardo Arroja é também crítico do documento provisório elaborado pelo ministro que substituiu Mário Centeno na pasta das Finanças. Considerando-o “demasiado intervencionista”, identifica vários problemas: “Não responde aos desafios da economia, do endividamento, nem à questão demográfica.” Quanto às empresas, afirma que pouco revela sobre os seus desafios apesar de “alguma subsidiação” justificada e de numa lógica de “limitação administrativa”. “As empresas não podem despedir. São condicionantes que podem parecer um prémio por acesso a fundos públicos, mas evitam que estas tomem decisões difíceis que num período de crise devem ser tomadas.” Convicto de que o Estado se devia preocupar em fomentar o mercado de financiamento, a continuidade na implementação das linhas de crédito, Ricardo Arroja afirma, no entanto, que o Orçamento do Estado é omisso “porque não especifica em que moldes essas linhas vão funcionar”. Além disso, insiste o economista, trata-se “cada vez mais de um Orçamento de despesa corrente”. “Envolve uma despesa de €100 mil milhões. Estamos a falar de €20 mil por cada trabalhador. O que se observa é que a despesa corrente primária tem vindo sempre a crescer. Este Orçamento aposta no investimento público mas se não tivéssemos o dinheiro europeu isso não seria possível”, afirmou durante o debate.

Isaque Ramos, sócio na área fiscal da PLMJ, aponta como falhas nesta versão que será discutida no Parlamento o facto de “ninguém pensar na política fiscal de forma macro. “Temos problemas de coerência. O primeiro exercício é ver como os outros olham para a nossa fiscalidade”: em 36 países da OCDE, Portugal esta em 33º. “Não há uma linha de orientação”, diz Arroja. “A política fiscal padece de vários problemas, serve para incentivar, maximizar a receita, ou fazer passar o OE.”

Uma das medidas assumidas pelo executivo para 2021 foi baixar as taxas de retenção na fonte, como aconteceu nos últimos dois anos. O objetivo é que os contribuintes tenham uma liquidez adicional de €200 milhões, reduzindo na mesma proporção a importância dos reembolsos a receber em 2022, o que de acordo com as contas do Governo terá um impacto orçamental de 0,9% do produto interno bruto (PIB). Pedro Arroja considera que a medida “não tem impacto a médio prazo”.

O aumento do salário mínimo foi outra das questões debatidas durante as semanas que antecederam a entrega do documento provisório elaborado pelo ministro das Finanças. A promessa está inscrita no relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado para 2021 e o Governo compromete-se com um aumento em linha com a média da última legislatura — €750 brutos até 2023. Sobre o assunto, Augusto Mateus diz ser “importantíssimo” perceber onde está a estabilidade e o nível de incentivo à mudança. “A economia deve criar um quadro que acelere a mudança: organizar as empresas com mais capital humano, mais competência e mais rendimentos. Os salários, isto custa a entender mas é verdade, fazem-se criando condições para as empresas. E, portanto, podia ser uma alavanca para acelerar a estrutura da indústria portuguesa.” Pedro Arroja acredita que a solução está na forma como o salário é desenhado e dá o exemplo de outros países, onde o valor é variável em função da geografia. “É preciso sair dessa lógica de pensamento do salário mínimo.”

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