Da saída do défice excessivo ao primeiro excedente: Viagem pelos 1.664 dias do ‘Ronaldo das Finanças’ no Governo – O Jornal Económico

09-06-2020
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O rumor da saída de Mário Centeno da pasta das Finanças corria há meses e hoje concretizou-se. O ministro que liderou a equipa que levou o país ao primeiro excedente orçamental em democracia saiu do Governo ao fim de 1.664 dias, onde entrou timidamente, mas acabou por conquistar a alcunha de ‘Ronaldo das Finanças’.

Quando entrou para o Governo, em 2015, a pouca experiência política valeu-lhe algumas críticas, mas depressa lhe apanhou o jeito e o à vontade nos debates na Assembleia da República e nas conferências de imprensa ganhou espaço. Dos “brilharetes orçamentais” no palco nacional para a presidência do Eurogrupo foi um pulo e o antigo economista do Banco de Portugal chamou a si o desafio de implementar a reforma da zona euro, ambição que ficou por concretizar na totalidade.

A saída do Procedimento por Défice Excessivo

Foi uma das primeiras grandes vitórias de Centeno no Governo. Ao fim de oito anos, Portugal saiu em junho de 2017 do Défice por Procedimento Excessivo, após ter reduzido o défice para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, abaixo da meta dos 3% inscrita no Programa de Estabilidade e Crescimento e ganhando uma maior flexibilidade na contabilização de algumas despesas públicas no défice e credibilidade nos mercados.

Antes da formalização de Bruxelas, à entrada para a reunião mais reduzida dos ministros apenas da zona euro, o alemão Wolfgang Schäuble dizia na altura que o programa de assistência financeira a Portugal era “história de sucesso”, por ter permitido o reembolso antecipado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) de 10 mil milhões de euros. A simpatia do alemão face ao desempenho orçamental português tornava-se evidente, depois de Schäuble ter apelido Centeno de “Ronaldo do Ecofin”. Mas nem sempre foi assim, meses antes em março – quando ainda não eram conhecidos os dados positivos do PIB e do défice – o ministro alemão vincava que Portugal deveria garantir que não precisaria de um novo resgate.

A polémica com António Domingues

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não poupou Centeno e quase ditou a saída do ministro no episódio polémico em torno da contratação de António Domingues para a presidência da administração executiva da Caixa Geral de Depósitos. O conhecido “erro de perceção mútuo” veio a público depois de uma troca de mensagens entre o ministro e António Domingues sobre a possibilidade de não ter de apresentar a declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional e alegadamente que Marcelo Rebelo de Sousa estaria ao corrente do assunto. O Presidente divulgou na altura um comunicado no qual afirmava reter a “admissão pelo senhor ministro das Finanças de eventual erro de percepção mútuo na transmissão das suas posições” e que aceitava a “confiança” que o primeiro-ministro tinha no ministro das Finanças “atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”.

A recapitalização da CGD nas contas do défice

Na batalha contra o INE e o Eurostat, Centeno saiu a perder. Em setembro de 2018, o organismo de estatística nacional incluiu o valor da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no défice de 2017, apesar do ministro das Finanças, Mário Centeno, considerar errado a fórmula. “O Eurostat preconiza o registo da capitalização da Caixa Geral de Depósitos no défice que está errado. É contrário à decisão da Comissão Europeia, contraria os tratados europeus e não representa condignamente o investimento feito na CGD pelo seu acionista, o Estado português”, justicava, na altura. No entanto, a contabilização avançou, elevando o défice para 3% do PIB.

A conquista da Presidência do Eurogrupo

Mário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo a 4 de dezembro de 2017, sucedendo a Jeroen Dijsselbloem, numa disputa contra o luxemburguês Pierre Gramegna na segunda volta, da qual se sagrou vencedor, depois da desistência da Letónia e da Eslováquia. Tinha como desafios no mandato de dois anos e meio proceder à avaliação da implementação de reformas estruturais nos Estados-membros, bem como garantir políticas orçamentais sólidas e acompanhamento da situação orçamental da área do euro no seu conjunto, mas propôs-se a avançar na reforça da zona euro.

O primeiro excedente orçamental em democracia

O saldo positivo em contabilidade nacional chegou mais cedo que o esperado pelo Governo e Portugal registou um excedente orçamental de 0,2% do PIB em 2019. O resultado não foi apenas melhor do que o défice de 0,1% projectado pelo Governo, no Orçamento do Estado para 2020, como do registado em 2018, ano em que Portugal tinha tido uma necessidade líquida de financiamento de 910,9 milhões de euros, o que corresponde a um défice de 0,4% do PIB, naquele que tinha sido até à data o mais baixo registado desde 1974. Permite ainda que Centeno fique para a história para o ministro que conseguiu um excedente orçamental em democracia, antes da pandemia afetar as contas públicas.

O mal entendido sobre a transferência para o Fundo de Resolução

A 13 de maio, António Costa e Mário Centeno reuniram de emergência em São Bento, em clima de alta tensão, depois da polémica se ter agudizado com as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa e dos vários partidos ao longo do dia. Em causa esteve o facto de António Costa ter assegurado ao Bloco de Esquerda que as transferências para o Novo Banco apenas seriam feitas depois dos resultados da auditoria em curso, porém o Ministério das Finanças já tinha autorizado o pagamento de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução para a injeção de capital na instituição liderada por António Ramalho no dia anterior. O ministro das Finanças admitiu ter havido uma “falha de comunicação” com o primeiro-ministro e afirmou ter cumprido o que estava estipulado no contrato, garantindo que a decisão “não foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão conjunta do Conselho de Ministros”. Nessa noite, o primeiro-ministro, António Costa, manteve a confiança no ministro das Finanças, segurando Centeno no cargo, mas o timing para a saída terá ficado já acordado.

O rumor da saída de Mário Centeno da pasta das Finanças corria há meses e hoje concretizou-se. O ministro que liderou a equipa que levou o país ao primeiro excedente orçamental em democracia saiu do Governo ao fim de 1.664 dias, onde entrou timidamente, mas acabou por conquistar a alcunha de ‘Ronaldo das Finanças’.

Quando entrou para o Governo, em 2015, a pouca experiência política valeu-lhe algumas críticas, mas depressa lhe apanhou o jeito e o à vontade nos debates na Assembleia da República e nas conferências de imprensa ganhou espaço. Dos “brilharetes orçamentais” no palco nacional para a presidência do Eurogrupo foi um pulo e o antigo economista do Banco de Portugal chamou a si o desafio de implementar a reforma da zona euro, ambição que ficou por concretizar na totalidade.

A saída do Procedimento por Défice Excessivo

Foi uma das primeiras grandes vitórias de Centeno no Governo. Ao fim de oito anos, Portugal saiu em junho de 2017 do Défice por Procedimento Excessivo, após ter reduzido o défice para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, abaixo da meta dos 3% inscrita no Programa de Estabilidade e Crescimento e ganhando uma maior flexibilidade na contabilização de algumas despesas públicas no défice e credibilidade nos mercados.

Antes da formalização de Bruxelas, à entrada para a reunião mais reduzida dos ministros apenas da zona euro, o alemão Wolfgang Schäuble dizia na altura que o programa de assistência financeira a Portugal era “história de sucesso”, por ter permitido o reembolso antecipado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) de 10 mil milhões de euros. A simpatia do alemão face ao desempenho orçamental português tornava-se evidente, depois de Schäuble ter apelido Centeno de “Ronaldo do Ecofin”. Mas nem sempre foi assim, meses antes em março – quando ainda não eram conhecidos os dados positivos do PIB e do défice – o ministro alemão vincava que Portugal deveria garantir que não precisaria de um novo resgate.

A polémica com António Domingues

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não poupou Centeno e quase ditou a saída do ministro no episódio polémico em torno da contratação de António Domingues para a presidência da administração executiva da Caixa Geral de Depósitos. O conhecido “erro de perceção mútuo” veio a público depois de uma troca de mensagens entre o ministro e António Domingues sobre a possibilidade de não ter de apresentar a declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional e alegadamente que Marcelo Rebelo de Sousa estaria ao corrente do assunto. O Presidente divulgou na altura um comunicado no qual afirmava reter a “admissão pelo senhor ministro das Finanças de eventual erro de percepção mútuo na transmissão das suas posições” e que aceitava a “confiança” que o primeiro-ministro tinha no ministro das Finanças “atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”.

A recapitalização da CGD nas contas do défice

Na batalha contra o INE e o Eurostat, Centeno saiu a perder. Em setembro de 2018, o organismo de estatística nacional incluiu o valor da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no défice de 2017, apesar do ministro das Finanças, Mário Centeno, considerar errado a fórmula. “O Eurostat preconiza o registo da capitalização da Caixa Geral de Depósitos no défice que está errado. É contrário à decisão da Comissão Europeia, contraria os tratados europeus e não representa condignamente o investimento feito na CGD pelo seu acionista, o Estado português”, justicava, na altura. No entanto, a contabilização avançou, elevando o défice para 3% do PIB.

A conquista da Presidência do Eurogrupo

Mário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo a 4 de dezembro de 2017, sucedendo a Jeroen Dijsselbloem, numa disputa contra o luxemburguês Pierre Gramegna na segunda volta, da qual se sagrou vencedor, depois da desistência da Letónia e da Eslováquia. Tinha como desafios no mandato de dois anos e meio proceder à avaliação da implementação de reformas estruturais nos Estados-membros, bem como garantir políticas orçamentais sólidas e acompanhamento da situação orçamental da área do euro no seu conjunto, mas propôs-se a avançar na reforça da zona euro.

O primeiro excedente orçamental em democracia

O saldo positivo em contabilidade nacional chegou mais cedo que o esperado pelo Governo e Portugal registou um excedente orçamental de 0,2% do PIB em 2019. O resultado não foi apenas melhor do que o défice de 0,1% projectado pelo Governo, no Orçamento do Estado para 2020, como do registado em 2018, ano em que Portugal tinha tido uma necessidade líquida de financiamento de 910,9 milhões de euros, o que corresponde a um défice de 0,4% do PIB, naquele que tinha sido até à data o mais baixo registado desde 1974. Permite ainda que Centeno fique para a história para o ministro que conseguiu um excedente orçamental em democracia, antes da pandemia afetar as contas públicas.

O mal entendido sobre a transferência para o Fundo de Resolução

A 13 de maio, António Costa e Mário Centeno reuniram de emergência em São Bento, em clima de alta tensão, depois da polémica se ter agudizado com as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa e dos vários partidos ao longo do dia. Em causa esteve o facto de António Costa ter assegurado ao Bloco de Esquerda que as transferências para o Novo Banco apenas seriam feitas depois dos resultados da auditoria em curso, porém o Ministério das Finanças já tinha autorizado o pagamento de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução para a injeção de capital na instituição liderada por António Ramalho no dia anterior. O ministro das Finanças admitiu ter havido uma “falha de comunicação” com o primeiro-ministro e afirmou ter cumprido o que estava estipulado no contrato, garantindo que a decisão “não foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão conjunta do Conselho de Ministros”. Nessa noite, o primeiro-ministro, António Costa, manteve a confiança no ministro das Finanças, segurando Centeno no cargo, mas o timing para a saída terá ficado já acordado.

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