Câmara Corporativa: A insensatez

03-01-2020
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• Augusto Santos Silva, A insensatez: «(…) Eu quero olhar, porém, do lado em que esta história mais me perturba, o do simples senso comum. Como é possível não ver, na instalação de Élsio Menau, exatamente o contrário do que sustenta a acusação? Enforcando a bandeira, como alegoria da situação-limite por que tem passado Portugal, nestes anos sombrios, o artista está a mostrar respeito, ou, mais que respeito, amor pelo seu país, não a ultrajar os seus símbolos. Que isso não fosse imediatamente claro à GNR que recebeu a queixa e foi ver o que se passava, percebo. Mas o artista foi chamado a declarações, e logo explicou o contexto e o propósito do seu trabalho. Que o Ministério Público, estudado o caso, tenha concluído pela acusação - a acusação de um crime, entenda-se - é que não consigo conceber. Primeiro, pelo ridículo. O mesmo Ministério Público que acusa pede depois a absolvição. Bem sei que pode ser assim, e felizmente que pode. Mas convenhamos que há maneiras mais eficazes de prestigiar a justiça. Segundo, pelos custos. Os custos diretos - os incómodos causados ao arguido, que felizmente contou com um honrado advogado que não cobrou honorários (custo, portanto, para o advogado), as horas gastas por polícias, magistrados e funcionários judiciais. Os custos reputacionais. E os custos de oportunidade - o que todos deixaram de fazer para fazer isto, incluindo os processos judiciais sobre crimes realmente crimes, que ficaram parados à espera disto. Terceiro, pela falta de senso. E isso, devo dizê-lo, é o que mais me aflige, no modo como ainda se lida, no sistema judicial português, com a liberdade de expressão. A liberdade quer dizer, também, liberdade de crítica e censura moral ao que se vê fazer. Mas isso é diferente de tratá-lo imediatamente como crime. Quem não o compreende, não sei como poderá compreender seja o que for.»


• Augusto Santos Silva, A insensatez: «(…) Eu quero olhar, porém, do lado em que esta história mais me perturba, o do simples senso comum. Como é possível não ver, na instalação de Élsio Menau, exatamente o contrário do que sustenta a acusação? Enforcando a bandeira, como alegoria da situação-limite por que tem passado Portugal, nestes anos sombrios, o artista está a mostrar respeito, ou, mais que respeito, amor pelo seu país, não a ultrajar os seus símbolos. Que isso não fosse imediatamente claro à GNR que recebeu a queixa e foi ver o que se passava, percebo. Mas o artista foi chamado a declarações, e logo explicou o contexto e o propósito do seu trabalho. Que o Ministério Público, estudado o caso, tenha concluído pela acusação - a acusação de um crime, entenda-se - é que não consigo conceber. Primeiro, pelo ridículo. O mesmo Ministério Público que acusa pede depois a absolvição. Bem sei que pode ser assim, e felizmente que pode. Mas convenhamos que há maneiras mais eficazes de prestigiar a justiça. Segundo, pelos custos. Os custos diretos - os incómodos causados ao arguido, que felizmente contou com um honrado advogado que não cobrou honorários (custo, portanto, para o advogado), as horas gastas por polícias, magistrados e funcionários judiciais. Os custos reputacionais. E os custos de oportunidade - o que todos deixaram de fazer para fazer isto, incluindo os processos judiciais sobre crimes realmente crimes, que ficaram parados à espera disto. Terceiro, pela falta de senso. E isso, devo dizê-lo, é o que mais me aflige, no modo como ainda se lida, no sistema judicial português, com a liberdade de expressão. A liberdade quer dizer, também, liberdade de crítica e censura moral ao que se vê fazer. Mas isso é diferente de tratá-lo imediatamente como crime. Quem não o compreende, não sei como poderá compreender seja o que for.»

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