Muxicongo: O papel da religião perante a ciência e vice-versa!...

23-06-2020
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«A fé não era uma coisa importante na minha
infância. Tinha uma ideia vaga sobre o conceito de Deus, mas as minhas
interacções com Ele limitavam-se a momentos ocasionais de negociação sobre algo
que eu queria que Ele fizesse por mim…»

Francis S. Collins

Um dia destes, quando alguém
nos questionava a propósito da nossa opinião acerca de uma abrangente
interrogação – plasmada em livro – «Porquê
Deus se existe a Ciência?», feita por Manuel Curado (Org.), Alfredo Dinis
(infelizmente, já desencarnado), Álvaro Balsas, Artur Galvão, Francisco
Teixeira, Miguel Vieira, Paulo Alexandre e Castro e Sofia Reimão, condimentada pelo
carácter polimórfico da experiência e multiplicidade epistemológica, assente na
história das relações entre a fé e ciência, quando a mesma “está marcada por
conflitos e equívocos de diversa ordem, mas também por consonâncias fecundas”
(cit. Álvaro Balsas), veio-nos à memória o tema de uma conferência – promovida,
em 2007, pela «Fundação Bracara Augusta»
– com o título «O papel da religião na
sociedade contemporânea perante a ciência e a explicação racional do mundo»,
conferência essa que decorreu no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da
Silva, e na qual foram principais oradores (palestrantes) Alexandre Quintanilha
(Doutorado em Física Teórica) e Anselmo Borges (Filósofo /Teólogo), sendo
moderadores o ex-Reitor da Universidade do Minho (UM) e também catedrático,
Licínio Chainho Pereira, e o então director do Departamento de Filosofia e
Cultura (DFC) – e, presentemente, Professor Catedrático da Universidade do
Minho, Manuel Gama, trouxe à discussão a problemática da dicotomia entre a
Ciência e a Religião.

Na altura, pelo que nos
foi dado constatar, o “confronto” nessa conferência saldou-se por um saudável
equilíbrio de ideias, havendo mesmo, face à complexidade da vida humana, uma
certa complementaridade e/ou articulação entre ambas. Se a Ciência abre novos
caminhos de conhecimento, levada à capacidade de ser falsificada – ou refutada,
porque admite a revisão e aperfeiçoamento –, a Religião, nomeadamente através
da Bíblia, mesmo não sendo um livro de ciência, e tomando como referência,
neste caso concreto, o cristianismo, ao desdivinizar o mundo abriu espaço à
investigação científica (cit. Anselmo Borges). Por isso, a Ciência não pode (ou
não deveria) reivindicar o monopólio da verdade, ou seja, não pode ter a
exclusividade da racionalidade. Ficamos com a sensação, mesmo face às
diferenças, de que a Ciência e a Religião são complementares, porque podemos
chegar à articulação de outros saberes, outras vias, outros modos.

O extraordinário
exemplo trazido pelo Professor Manuel Gama vinha-nos através de Francis S.
Collins e de, na altura, a sua mais recente obra «A linguagem de Deus» (2007), quando perante a elaboração do
primeiro esboço do genoma humano, se viu confrontado com a surpreendente
complexidade da informação contida em cada célula do corpo humano, a ponto de
tal complexidade, a fazer-se uma leitura efectiva desse código ao ritmo de uma
letra por segundo, levaria trinta e um anos a realizar (Collins, 2007: 11). Tal
exaltação da Ciência conduziria o então presidente dos Estados Unidos da
América, Bill Clinton, à afirmação da sua reverência cada vez maior pela
complexidade, a beleza e o prodígio da dádiva mais divina e sagrada de Deus
(Collins, 2007: 12). Tendo em mente o “deslumbramento” deste ilustre estadista,
estaremos em recordar o antagónico pensamento de Pierre Rousseau quando um dia
afirmou que a Ciência é o grande Sol que,
não só dissipa as trevas da nossa ignorância e ilumina os mais pequenos
recantos do universo, como nos desvenda a sua harmonia incomparável. Tal
linearidade do conhecimento experimental e racional leva-nos – a páginas tantas
– a que este autor nos “obrigue” a reflectir na relação einsteiniana de
equivalência entre a matéria e a energia. No fundo, um olhar físico sobre as
estrelas e sobre o próprio universo. É neste tipo de contextos que Francis S.
Collins nos chama à atenção para os fundamentalismos: Se há fundamentalistas religiosos que atacam a ciência como perigosa e
indigna de confiança, apontando para uma interpretação literal dos textos
sagrados como único meio fidedigno de discernir a verdade científica, alguns,
do lado da Ciência, também dentro do seu fundamentalismo, formulam a fé como a
grande escapatória, a grande desculpa para se fugir da necessidade de pensar e
de avaliar as provas (Collins, 2007: 13). Por isso, face à impossibilidade
da síntese potencial das concepções científica e espiritual do mundo,
discutir-se a Ciência e a Religião requer alguma capacidade em incorporarmos no
nosso dia-a-dia a validade dessas duas concepções do mundo, e não aquilo que
Bertrand Russell consideraria como objecções intelectuais e morais, tendo em
conta que, para ele, não há qualquer razão para supor que algumas das religiões
seja verdadeira; e, os preceitos morais remontam a uma época em que se era mais
cruel do que actualmente, e porque as religiões tendem a perpetuar as crueldades
que a nossa consciência reprova.

Apesar de vivermos
tempos em que se explora as “dúvidas” de qualquer um de nós, e onde somos
postos à prova com rebatidos conceitos de que para fazer Ciência não é preciso
Deus para nada, apercebemo-nos, no entanto, de alguma complementaridade ou,
quiçá, simbiose entre a Ciência e Religião. Face à complexidade da vida humana,
poderá ser uma “incongruência” não usar da tolerância de um cientista rigoroso
que, para além dessa condição, goza, também, do “privilégio” de ser uma pessoa
que acredita num Deus que se interessa por cada um de nós: Começarei por explicar como um cientista que estuda genética passou a
acreditar num Deus ilimitado no tempo e no espaço, que se interessa
pessoalmente pelos seres humanos. Algumas pessoas poderão pensar que essa
atitude decorre de uma educação religiosa severa, profundamente instilada pela
família e a cultura, e, portanto, impossível de evitar posteriormente. Mas de
facto não foi isso que me aconteceu (Collins, 2007: 15).

 Apesar das objecções contra a religião,
apontadas, de um modo particular, por Bertrand Russell, e da enorme
complexidade que as separa – falar de
religião é muito mais complexo do que falar de ciência (cit. Anselmo
Borges) – há uma certa articulação entre ambas, tendo em conta que todos os
homens relacionam-se (ou deveriam relacionar-se) com o todo. E o todo só é
possível, conscientemente, com a necessária bipolarização: a ciência por um lado, vocacionada para a exploração da natureza; e o
domínio de Deus (Religião) que se situa no mundo espiritual, numa esfera
impossível de explorar com as ferramentas e a linguagem da ciência. Deve ser
perscrutado com o coração, a mente e a alma – e a mente terá de descobrir uma
maneira de abarcar ambos os reinos (Collins, 2007: 14).

         Apesar desta nossa modesta explanação, carregada aqui e acolá de
subjectividades, a pergunta mantém-se: Porquê
Deus se existe a Ciência?

«A fé não era uma coisa importante na minha
infância. Tinha uma ideia vaga sobre o conceito de Deus, mas as minhas
interacções com Ele limitavam-se a momentos ocasionais de negociação sobre algo
que eu queria que Ele fizesse por mim…»

Francis S. Collins

Um dia destes, quando alguém
nos questionava a propósito da nossa opinião acerca de uma abrangente
interrogação – plasmada em livro – «Porquê
Deus se existe a Ciência?», feita por Manuel Curado (Org.), Alfredo Dinis
(infelizmente, já desencarnado), Álvaro Balsas, Artur Galvão, Francisco
Teixeira, Miguel Vieira, Paulo Alexandre e Castro e Sofia Reimão, condimentada pelo
carácter polimórfico da experiência e multiplicidade epistemológica, assente na
história das relações entre a fé e ciência, quando a mesma “está marcada por
conflitos e equívocos de diversa ordem, mas também por consonâncias fecundas”
(cit. Álvaro Balsas), veio-nos à memória o tema de uma conferência – promovida,
em 2007, pela «Fundação Bracara Augusta»
– com o título «O papel da religião na
sociedade contemporânea perante a ciência e a explicação racional do mundo»,
conferência essa que decorreu no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da
Silva, e na qual foram principais oradores (palestrantes) Alexandre Quintanilha
(Doutorado em Física Teórica) e Anselmo Borges (Filósofo /Teólogo), sendo
moderadores o ex-Reitor da Universidade do Minho (UM) e também catedrático,
Licínio Chainho Pereira, e o então director do Departamento de Filosofia e
Cultura (DFC) – e, presentemente, Professor Catedrático da Universidade do
Minho, Manuel Gama, trouxe à discussão a problemática da dicotomia entre a
Ciência e a Religião.

Na altura, pelo que nos
foi dado constatar, o “confronto” nessa conferência saldou-se por um saudável
equilíbrio de ideias, havendo mesmo, face à complexidade da vida humana, uma
certa complementaridade e/ou articulação entre ambas. Se a Ciência abre novos
caminhos de conhecimento, levada à capacidade de ser falsificada – ou refutada,
porque admite a revisão e aperfeiçoamento –, a Religião, nomeadamente através
da Bíblia, mesmo não sendo um livro de ciência, e tomando como referência,
neste caso concreto, o cristianismo, ao desdivinizar o mundo abriu espaço à
investigação científica (cit. Anselmo Borges). Por isso, a Ciência não pode (ou
não deveria) reivindicar o monopólio da verdade, ou seja, não pode ter a
exclusividade da racionalidade. Ficamos com a sensação, mesmo face às
diferenças, de que a Ciência e a Religião são complementares, porque podemos
chegar à articulação de outros saberes, outras vias, outros modos.

O extraordinário
exemplo trazido pelo Professor Manuel Gama vinha-nos através de Francis S.
Collins e de, na altura, a sua mais recente obra «A linguagem de Deus» (2007), quando perante a elaboração do
primeiro esboço do genoma humano, se viu confrontado com a surpreendente
complexidade da informação contida em cada célula do corpo humano, a ponto de
tal complexidade, a fazer-se uma leitura efectiva desse código ao ritmo de uma
letra por segundo, levaria trinta e um anos a realizar (Collins, 2007: 11). Tal
exaltação da Ciência conduziria o então presidente dos Estados Unidos da
América, Bill Clinton, à afirmação da sua reverência cada vez maior pela
complexidade, a beleza e o prodígio da dádiva mais divina e sagrada de Deus
(Collins, 2007: 12). Tendo em mente o “deslumbramento” deste ilustre estadista,
estaremos em recordar o antagónico pensamento de Pierre Rousseau quando um dia
afirmou que a Ciência é o grande Sol que,
não só dissipa as trevas da nossa ignorância e ilumina os mais pequenos
recantos do universo, como nos desvenda a sua harmonia incomparável. Tal
linearidade do conhecimento experimental e racional leva-nos – a páginas tantas
– a que este autor nos “obrigue” a reflectir na relação einsteiniana de
equivalência entre a matéria e a energia. No fundo, um olhar físico sobre as
estrelas e sobre o próprio universo. É neste tipo de contextos que Francis S.
Collins nos chama à atenção para os fundamentalismos: Se há fundamentalistas religiosos que atacam a ciência como perigosa e
indigna de confiança, apontando para uma interpretação literal dos textos
sagrados como único meio fidedigno de discernir a verdade científica, alguns,
do lado da Ciência, também dentro do seu fundamentalismo, formulam a fé como a
grande escapatória, a grande desculpa para se fugir da necessidade de pensar e
de avaliar as provas (Collins, 2007: 13). Por isso, face à impossibilidade
da síntese potencial das concepções científica e espiritual do mundo,
discutir-se a Ciência e a Religião requer alguma capacidade em incorporarmos no
nosso dia-a-dia a validade dessas duas concepções do mundo, e não aquilo que
Bertrand Russell consideraria como objecções intelectuais e morais, tendo em
conta que, para ele, não há qualquer razão para supor que algumas das religiões
seja verdadeira; e, os preceitos morais remontam a uma época em que se era mais
cruel do que actualmente, e porque as religiões tendem a perpetuar as crueldades
que a nossa consciência reprova.

Apesar de vivermos
tempos em que se explora as “dúvidas” de qualquer um de nós, e onde somos
postos à prova com rebatidos conceitos de que para fazer Ciência não é preciso
Deus para nada, apercebemo-nos, no entanto, de alguma complementaridade ou,
quiçá, simbiose entre a Ciência e Religião. Face à complexidade da vida humana,
poderá ser uma “incongruência” não usar da tolerância de um cientista rigoroso
que, para além dessa condição, goza, também, do “privilégio” de ser uma pessoa
que acredita num Deus que se interessa por cada um de nós: Começarei por explicar como um cientista que estuda genética passou a
acreditar num Deus ilimitado no tempo e no espaço, que se interessa
pessoalmente pelos seres humanos. Algumas pessoas poderão pensar que essa
atitude decorre de uma educação religiosa severa, profundamente instilada pela
família e a cultura, e, portanto, impossível de evitar posteriormente. Mas de
facto não foi isso que me aconteceu (Collins, 2007: 15).

 Apesar das objecções contra a religião,
apontadas, de um modo particular, por Bertrand Russell, e da enorme
complexidade que as separa – falar de
religião é muito mais complexo do que falar de ciência (cit. Anselmo
Borges) – há uma certa articulação entre ambas, tendo em conta que todos os
homens relacionam-se (ou deveriam relacionar-se) com o todo. E o todo só é
possível, conscientemente, com a necessária bipolarização: a ciência por um lado, vocacionada para a exploração da natureza; e o
domínio de Deus (Religião) que se situa no mundo espiritual, numa esfera
impossível de explorar com as ferramentas e a linguagem da ciência. Deve ser
perscrutado com o coração, a mente e a alma – e a mente terá de descobrir uma
maneira de abarcar ambos os reinos (Collins, 2007: 14).

         Apesar desta nossa modesta explanação, carregada aqui e acolá de
subjectividades, a pergunta mantém-se: Porquê
Deus se existe a Ciência?

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