“Posso tirar a máscara?” “É melhor não, sôtora.” O regresso dos tribunais

05-06-2020
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Há uma nova lei a imperar nas salas de audiência dos tribunais portugueses: a da máscara, que obriga todos os intervenientes nos processos judicias a usar proteção contra o novo coronavírus assim que entram num tribunal. Há uma semana, a sala grande do Campus da Justiça, em Lisboa, era a imagem exata de como os julgamentos vão passar a funcionar depois de o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, ter promulgado o diploma que desconfina os tribunais portugueses e acaba com a suspensão dos prazos processuais: todos os presentes — dos advogados aos juízes, passando pelos oficiais de justiça e pelos arguidos — usavam máscaras de proteção para evitar o contágio de covid-19 e estavam sentados a uns mal medidos dois metros de distância. No início as máscaras estão impecavelmente postas, a tapar o nariz e a boca; mas com o decorrer do tempo entra em ação outra lei, a da gravidade, que associada ao calor e à dificuldade em respirar puxa a máscara para baixo, deixando o nariz de fora.

A advogada de um dos arguidos acusados de planearem e executarem o apagão informático do 25 de abril de 2015 tentava interrogar o inspetor da PJ responsável pela investigação que levou à detenção do grupo de hackers. Mas como o microfone não estava a funcionar bem, as perguntas não se ouviam e a advogada tentou a sorte: “Posso tirar a máscara?”.

“É melhor não, sôtora”, avisou a juíza em tom didático. A defensora de um dos alegados hackers acabou a fazer as perguntas a um metro e meio da testemunha. De máscara, claro. “Experimente projetar melhor a voz, sôtora. Não se ouve nada.” A questão não é só auditiva: por lei, todas as sessões de julgamento têm de ser gravadas e, obviamente, têm de ser audíveis (já houve julgamentos repetidos porque as gravações não se ouvem).

A partir da próxima semana, quando a lei do desconfinamento dos tribunais entrar em vigor (cinco dias depois de ter sido publicada em “Diário da República”), os magistrados vão ter de usar máscara e viseira se estiveram a uma distância inferior a dois metros uns dos outros, o que vai acontecer na grande maioria dos casos. Cada sala vai ter uma lotação já definida para um número máximo de magistrados, advogados, arguidos e membros do público que queiram assistir.

Em Lisboa, por exemplo, há salas que nem sequer vão abrir porque não têm espaço suficiente para cumprir as regras de distanciamento social. Em Faro, só uma das 37 salas da comarca tem dimensão suficiente para fazer um julgamento com mais de quatro arguidos, o que é relativamente frequente em processos mais complexos. Quatro não vão abrir por falta de condições. A solução para os julgamentos com muitos arguidos passará pela utilização de edifícios públicos ou auditórios.

Julgamentos na prisão

Na comarca do Porto já houve julgamentos a fazerem-se nas instalações do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira. “Em setembro, pedimos ao Governo que nos cedesse um prédio das Forças Armadas com seis pisos que muito facilmente podiam ser usados como salas de audiência. Mas ainda não tivemos qualquer resposta, apesar do prédio estar vazio e sem qualquer uso”, queixa-se José Rodrigues da Cunha, juiz-presidente da maior comarca do norte do país. “Algumas salas não têm capacidade, vamos receber muitos processos que estiveram parados e era importante ter mais espaço”, argumenta o juiz.

Em Lisboa, a juiz-presidente garante que está “tudo pronto” para voltar à normalidade possível, mas admite que os tribunais “não vão funcionar como antes da pandemia” porque “isso é impossível”. Amélia dos Reis Catarino diz que num universo de 240 juízes há “pelo menos dez” que, por fazerem parte de grupos de risco, “pediram escusa e não vão trabalhar presencialmente”, mas a esmagadora maioria vai trabalhar “normalmente”.

Sénio Alves, da comarca de Faro, diz que nenhum juiz pediu para não comparecer presencialmente no tribunal. “As pessoas estão fartas de estar a trabalhar de casa. Notei um empenho grande em voltar ao tribunal, até fiquei espantado”, diz o magistrado. As salas de audiência no Algarve são, por regra, pequenas mas Sénio Alves garante que fez questão de garantir que todas as sessões são públicas. “Há salas que só vão ter espaço para um ou dois membros do público, mas nenhum julgamento será feito à porta fechada, a não ser nos casos previsto pela lei.”

O Governo teve de investir em máscaras, viseiras, gel e acrílicos para garantir condições de segurança para a reabertura dos tribunais. “Temos máscaras e gel para as duas primeiras semanas”, avisa o presidente da Comarca do Porto. No Algarve, os acrílicos ainda não chegaram. E em Lisboa, o facto de terem furos tornou-se uma anedota entre os funcionários judiciais. Estão montados nos balcões + do Campus, uma iniciativa do Ministério da Justiça para reduzir a burocracia. Os últimos dias têm sido passados a resolver problemas relacionados com a rotação das equipas de limpeza que terão dedesinfetar as salas após cada utilização. O Ministério da Justiça garante máscaras para os magistrados, para os funcionários judiciais e para os advogados oficiosos. Testemunhas e arguidos têm de as trazer de casa ou então comprá-las numa máquina automática a um euro e meio, o triplo do que custam numa superfície comercial. Em entrevista ao Expresso, o juiz Mário Belo Morgado, secretário de Estado da Justiça, garantiu que nenhuma testemunha deixará de depor por não ter dinheiro para comprar uma máscara.

“Como é que eu me sinto em relação à reabertura? Sinto-me moderadamente otimista, tem de de ser não é?”, anima-se Amélia dos Reis Catarino. “Os tribunais não podem deixar de funcionar.”

Há uma nova lei a imperar nas salas de audiência dos tribunais portugueses: a da máscara, que obriga todos os intervenientes nos processos judicias a usar proteção contra o novo coronavírus assim que entram num tribunal. Há uma semana, a sala grande do Campus da Justiça, em Lisboa, era a imagem exata de como os julgamentos vão passar a funcionar depois de o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, ter promulgado o diploma que desconfina os tribunais portugueses e acaba com a suspensão dos prazos processuais: todos os presentes — dos advogados aos juízes, passando pelos oficiais de justiça e pelos arguidos — usavam máscaras de proteção para evitar o contágio de covid-19 e estavam sentados a uns mal medidos dois metros de distância. No início as máscaras estão impecavelmente postas, a tapar o nariz e a boca; mas com o decorrer do tempo entra em ação outra lei, a da gravidade, que associada ao calor e à dificuldade em respirar puxa a máscara para baixo, deixando o nariz de fora.

A advogada de um dos arguidos acusados de planearem e executarem o apagão informático do 25 de abril de 2015 tentava interrogar o inspetor da PJ responsável pela investigação que levou à detenção do grupo de hackers. Mas como o microfone não estava a funcionar bem, as perguntas não se ouviam e a advogada tentou a sorte: “Posso tirar a máscara?”.

“É melhor não, sôtora”, avisou a juíza em tom didático. A defensora de um dos alegados hackers acabou a fazer as perguntas a um metro e meio da testemunha. De máscara, claro. “Experimente projetar melhor a voz, sôtora. Não se ouve nada.” A questão não é só auditiva: por lei, todas as sessões de julgamento têm de ser gravadas e, obviamente, têm de ser audíveis (já houve julgamentos repetidos porque as gravações não se ouvem).

A partir da próxima semana, quando a lei do desconfinamento dos tribunais entrar em vigor (cinco dias depois de ter sido publicada em “Diário da República”), os magistrados vão ter de usar máscara e viseira se estiveram a uma distância inferior a dois metros uns dos outros, o que vai acontecer na grande maioria dos casos. Cada sala vai ter uma lotação já definida para um número máximo de magistrados, advogados, arguidos e membros do público que queiram assistir.

Em Lisboa, por exemplo, há salas que nem sequer vão abrir porque não têm espaço suficiente para cumprir as regras de distanciamento social. Em Faro, só uma das 37 salas da comarca tem dimensão suficiente para fazer um julgamento com mais de quatro arguidos, o que é relativamente frequente em processos mais complexos. Quatro não vão abrir por falta de condições. A solução para os julgamentos com muitos arguidos passará pela utilização de edifícios públicos ou auditórios.

Julgamentos na prisão

Na comarca do Porto já houve julgamentos a fazerem-se nas instalações do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira. “Em setembro, pedimos ao Governo que nos cedesse um prédio das Forças Armadas com seis pisos que muito facilmente podiam ser usados como salas de audiência. Mas ainda não tivemos qualquer resposta, apesar do prédio estar vazio e sem qualquer uso”, queixa-se José Rodrigues da Cunha, juiz-presidente da maior comarca do norte do país. “Algumas salas não têm capacidade, vamos receber muitos processos que estiveram parados e era importante ter mais espaço”, argumenta o juiz.

Em Lisboa, a juiz-presidente garante que está “tudo pronto” para voltar à normalidade possível, mas admite que os tribunais “não vão funcionar como antes da pandemia” porque “isso é impossível”. Amélia dos Reis Catarino diz que num universo de 240 juízes há “pelo menos dez” que, por fazerem parte de grupos de risco, “pediram escusa e não vão trabalhar presencialmente”, mas a esmagadora maioria vai trabalhar “normalmente”.

Sénio Alves, da comarca de Faro, diz que nenhum juiz pediu para não comparecer presencialmente no tribunal. “As pessoas estão fartas de estar a trabalhar de casa. Notei um empenho grande em voltar ao tribunal, até fiquei espantado”, diz o magistrado. As salas de audiência no Algarve são, por regra, pequenas mas Sénio Alves garante que fez questão de garantir que todas as sessões são públicas. “Há salas que só vão ter espaço para um ou dois membros do público, mas nenhum julgamento será feito à porta fechada, a não ser nos casos previsto pela lei.”

O Governo teve de investir em máscaras, viseiras, gel e acrílicos para garantir condições de segurança para a reabertura dos tribunais. “Temos máscaras e gel para as duas primeiras semanas”, avisa o presidente da Comarca do Porto. No Algarve, os acrílicos ainda não chegaram. E em Lisboa, o facto de terem furos tornou-se uma anedota entre os funcionários judiciais. Estão montados nos balcões + do Campus, uma iniciativa do Ministério da Justiça para reduzir a burocracia. Os últimos dias têm sido passados a resolver problemas relacionados com a rotação das equipas de limpeza que terão dedesinfetar as salas após cada utilização. O Ministério da Justiça garante máscaras para os magistrados, para os funcionários judiciais e para os advogados oficiosos. Testemunhas e arguidos têm de as trazer de casa ou então comprá-las numa máquina automática a um euro e meio, o triplo do que custam numa superfície comercial. Em entrevista ao Expresso, o juiz Mário Belo Morgado, secretário de Estado da Justiça, garantiu que nenhuma testemunha deixará de depor por não ter dinheiro para comprar uma máscara.

“Como é que eu me sinto em relação à reabertura? Sinto-me moderadamente otimista, tem de de ser não é?”, anima-se Amélia dos Reis Catarino. “Os tribunais não podem deixar de funcionar.”

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