sound + vision: 11 de Setembro

16-12-2019
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Andrea Booher/ FEMA Photo News

Perspectivas sobre um dia que ninguém esqueceu para ler ao longo deste dia 11 de Setembro de 2011 no Sound + Vision. Dez anos depois recordamos, a várias vozes, memórias contadas na primeira pessoa... Aqui ficam mais três olhares, assinados por Richard Zimler, Rita Rocha e Marina Almeida.

Richard Zimler
(escritor)

Ia a passar na Rua Júlio Dinis, no Porto, quando vi uma multidão num café especada diante de um televisor a um canto. Imaginei que devia ser um desafio de futebol. Mas pela montra consegui ver o topo das Twin Towers de Nova Iorque envoltas em chamas e lançando para o céu nuvens densas de um fumo cinzento. Precipitei-me para o interior. Parecia ficção científica – absolutamente impossível. Então umas das torres desabou. Tive a impressão de que todas as pessoas à minha volta se afastavam de mim e se diluíam. A minha experiência dizia-me que estava prestes a desmaiar. Sentei-me com a cabeça nos joelhos. Não queria chorar. Mas chorei. Também não queria que me vissem, e por isso mantive-me com a cabeça baixa.
Quando senti a tontura diminuir, sentei-me e bebi um copo de água. Estava gelado. Um homem na mesa ao lado reconheceu-me e sorriu. Reconheci-o também – Germano Silva. Era um jornalista e historiador que uma vez me entrevistara. Veio ter comigo e sentou-se à minha mesa. Falámos uns minutos, pois ele lembrou-se de que eu era de Nova Iorque, mas não consigo lembrar-me de uma única palavra da nossa conversa. Quando consegui levantar-me, precipitei-me para chamar um táxi e fui ao gabinete de Alex (Alexandre Quintanilha). Estava numa reunião, mas saiu para me dar um abraço. Lembro-me do cheiro dele – o cheiro de todos os anos que passámos juntos. Depois sentei-me à secretária dele. Surpreendentemente, consegui ligar para a minha mãe de imediato. Estava à espera de a encontrar histérica, mas estava calma, com uma incredulidade estupefacta.
Passei os dias que se seguiram a trocar e-mails com amigos do liceu e da universidade, com o meu agente literário e editores, com vizinhos da minha mãe, e com toda a gente de quem me lembrava em Nova Iorque. Felizmente, todos os meus conhecidos estavam bem. Passei a maior parte do tempo diante da televisão a ver a CNN e a Sky News.

Das páginas de À Procura de Sana, este texto é publicado no Sound + Vision com a autorização do autor

Rita Rocha
(Agência Lusa)

O dia 11 de setembro de 2001 era só mais um dia na redação. A manhã foi calma e ainda deu para ir almoçar. Recebi um SMS urgente que dizia "um avião chocou contra uma torre gémea em Nova Iorque". E foi aí que começou o desenrolar dos acontecimentos. Trabalhava no Diário Digital e não se conheciam os limites da Internet. Só nesse dia se percebeu como o mundo a bloqueou. Todos queriam saber o que se passava. Desde a CNN, à BBC e ao nosso site, tudo ficou bloqueado. Era maior a procura que a oferta. Os servidores não aguentavam tanto pedido. E ao mesmo tempo que a segunda torre caía, a Internet crashou. Nesse dia, aprendeu-se a desenhar site minimalistas em segundos para continuar a disponibilizar a informação. E foi assim a tarde inteira. O coração nas mãos. Só no fim do dia me apercebi o que realmente estava a acontecer e a dimensão do atentado. Porque a minha maior urgência era conseguir que os leitores tivessem acesso às notícias.

Marina Almeida
(jornalista do DN)

Estava de férias numa ilha que não era deserta. Mas naquele dia, 11 de Setembro de 2001, senti-me no canto mais recôndito do mundo. Foi exactamente quando, ao fim do dia, liguei o telemóvel e recebi o sms: "o mundo está um caos. aviões contra wtc ny". Não percebi nada. Reli. Primeiro em voz baixa, depois em voz alta. Tinha passado o dia na praia, fora do mundo ("um dia de férias a sério", posso ter comentado com a amiga com quem estava). Quando vi o sms, por um segundo pensei que era uma brincadeira. Mas foi apenas um segundo. Seguiram-se outros sms. Foi quando precisei de saber do mundo, que mundo era aquele que estava lá fora, no outro lado daquele mesmo oceano. Procurámos respostas uma na outra mas não as tínhamos. Não tínhamos internet nem televisão. Talvez tenhamos ligado para Lisboa e alguém nos tenha dito o que se estava a passar há horas no mundo. Talvez, sim. Mas talvez tenhamos pensado que era exagero, que não era possível. Que tínhamos que ver. Descemos à sala de televisão do aparthotel. E ficámos uns bons minutos especadas a ver as imagens e a tentar perceber o que se passava. O dito aparthotel estava cheio de alemães e holandeses, que tinham a única televisão em canais que não conseguíamos ler. Apenas ver. Uma e outra vez. Aviões contra prédios, chamas, fumo, pó, pessoas a correr. E outra vez.
Estavam dezenas de pessoas na sala mas ninguém falava. Olhávamos, em silêncio, as imagens. Ouvíamos os sons. Entrámos e saímos em silêncio. Uma homilia à incredulidade.

Andrea Booher/ FEMA Photo News

Perspectivas sobre um dia que ninguém esqueceu para ler ao longo deste dia 11 de Setembro de 2011 no Sound + Vision. Dez anos depois recordamos, a várias vozes, memórias contadas na primeira pessoa... Aqui ficam mais três olhares, assinados por Richard Zimler, Rita Rocha e Marina Almeida.

Richard Zimler
(escritor)

Ia a passar na Rua Júlio Dinis, no Porto, quando vi uma multidão num café especada diante de um televisor a um canto. Imaginei que devia ser um desafio de futebol. Mas pela montra consegui ver o topo das Twin Towers de Nova Iorque envoltas em chamas e lançando para o céu nuvens densas de um fumo cinzento. Precipitei-me para o interior. Parecia ficção científica – absolutamente impossível. Então umas das torres desabou. Tive a impressão de que todas as pessoas à minha volta se afastavam de mim e se diluíam. A minha experiência dizia-me que estava prestes a desmaiar. Sentei-me com a cabeça nos joelhos. Não queria chorar. Mas chorei. Também não queria que me vissem, e por isso mantive-me com a cabeça baixa.
Quando senti a tontura diminuir, sentei-me e bebi um copo de água. Estava gelado. Um homem na mesa ao lado reconheceu-me e sorriu. Reconheci-o também – Germano Silva. Era um jornalista e historiador que uma vez me entrevistara. Veio ter comigo e sentou-se à minha mesa. Falámos uns minutos, pois ele lembrou-se de que eu era de Nova Iorque, mas não consigo lembrar-me de uma única palavra da nossa conversa. Quando consegui levantar-me, precipitei-me para chamar um táxi e fui ao gabinete de Alex (Alexandre Quintanilha). Estava numa reunião, mas saiu para me dar um abraço. Lembro-me do cheiro dele – o cheiro de todos os anos que passámos juntos. Depois sentei-me à secretária dele. Surpreendentemente, consegui ligar para a minha mãe de imediato. Estava à espera de a encontrar histérica, mas estava calma, com uma incredulidade estupefacta.
Passei os dias que se seguiram a trocar e-mails com amigos do liceu e da universidade, com o meu agente literário e editores, com vizinhos da minha mãe, e com toda a gente de quem me lembrava em Nova Iorque. Felizmente, todos os meus conhecidos estavam bem. Passei a maior parte do tempo diante da televisão a ver a CNN e a Sky News.

Das páginas de À Procura de Sana, este texto é publicado no Sound + Vision com a autorização do autor

Rita Rocha
(Agência Lusa)

O dia 11 de setembro de 2001 era só mais um dia na redação. A manhã foi calma e ainda deu para ir almoçar. Recebi um SMS urgente que dizia "um avião chocou contra uma torre gémea em Nova Iorque". E foi aí que começou o desenrolar dos acontecimentos. Trabalhava no Diário Digital e não se conheciam os limites da Internet. Só nesse dia se percebeu como o mundo a bloqueou. Todos queriam saber o que se passava. Desde a CNN, à BBC e ao nosso site, tudo ficou bloqueado. Era maior a procura que a oferta. Os servidores não aguentavam tanto pedido. E ao mesmo tempo que a segunda torre caía, a Internet crashou. Nesse dia, aprendeu-se a desenhar site minimalistas em segundos para continuar a disponibilizar a informação. E foi assim a tarde inteira. O coração nas mãos. Só no fim do dia me apercebi o que realmente estava a acontecer e a dimensão do atentado. Porque a minha maior urgência era conseguir que os leitores tivessem acesso às notícias.

Marina Almeida
(jornalista do DN)

Estava de férias numa ilha que não era deserta. Mas naquele dia, 11 de Setembro de 2001, senti-me no canto mais recôndito do mundo. Foi exactamente quando, ao fim do dia, liguei o telemóvel e recebi o sms: "o mundo está um caos. aviões contra wtc ny". Não percebi nada. Reli. Primeiro em voz baixa, depois em voz alta. Tinha passado o dia na praia, fora do mundo ("um dia de férias a sério", posso ter comentado com a amiga com quem estava). Quando vi o sms, por um segundo pensei que era uma brincadeira. Mas foi apenas um segundo. Seguiram-se outros sms. Foi quando precisei de saber do mundo, que mundo era aquele que estava lá fora, no outro lado daquele mesmo oceano. Procurámos respostas uma na outra mas não as tínhamos. Não tínhamos internet nem televisão. Talvez tenhamos ligado para Lisboa e alguém nos tenha dito o que se estava a passar há horas no mundo. Talvez, sim. Mas talvez tenhamos pensado que era exagero, que não era possível. Que tínhamos que ver. Descemos à sala de televisão do aparthotel. E ficámos uns bons minutos especadas a ver as imagens e a tentar perceber o que se passava. O dito aparthotel estava cheio de alemães e holandeses, que tinham a única televisão em canais que não conseguíamos ler. Apenas ver. Uma e outra vez. Aviões contra prédios, chamas, fumo, pó, pessoas a correr. E outra vez.
Estavam dezenas de pessoas na sala mas ninguém falava. Olhávamos, em silêncio, as imagens. Ouvíamos os sons. Entrámos e saímos em silêncio. Uma homilia à incredulidade.

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