Na Suécia, a crise económica só "doeu" pela metade. Não confinar foi a estratégia certa? A equação é delicada

11-09-2020
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A Suécia manteve sempre a liberdade de circulação dos cidadãos dentro do país, foi sempre possível ir a restaurantes e cabeleireiros (embora com algumas restrições na ocupação), as escolas estiveram sempre a funcionar, os parques públicos nunca foram vedados com fitas de contenção. Foi pedido aos cidadãos que, com responsabilidade cívica, mantivessem um distanciamento físico, que trabalhassem a partir de casa se possível e que evitassem viagens que não fossem essenciais – tudo para limitar a pressão sobre o serviço nacional de saúde.

Se muito já se escreveu sobre a especificidade da abordagem sueca, liderada pelo epidemiologista Anders Tegnell, o que se tornou claro a partir de certa altura é que o facto de a Suécia estar a seguir uma estratégia diferente estava a impedir (ou, pelo menos, a não contribuir para) que a economia afundasse de forma tão grave quanto estava a acontecer nos outros países.

A realidade dos números é que a Suécia poderá ser dos pouquíssimos países europeus a conseguir evitar uma recessão técnica – definida por dois trimestres consecutivos de quebra económica, na análise em cadeia: isto porque a Suécia conseguiu ter um crescimento muito ligeiro (0,1%) no primeiro trimestre, ao passo que países como Portugal, Espanha e Alemanha tiveram taxas de crescimento negativas logo no primeiro trimestre (-3,8%, -5,2% e -2%, respetivamente), que ainda apanhou o mês em que em Portugal foi lançado o estado de emergência (meados de março).

“Uma das lições mais claras dos últimos meses é que houve um trade off entre o grau de restrições e o declínio na atividade económica“, comenta o economista David Oxley, autor do estudo da Capital Economics sobre as lições que se podem retirar da resposta sueca à Covid-19. Por outras palavras, regra geral, quanto mais duras foram as medidas de confinamento mais forte terá sido a quebra das respetivas economias – uma análise simplista que ignora as óbvias interligações entre os vários países (exemplo: as vendas da sueca Volvo caíram 38% com os stands de automóveis fechados em praticamente toda a Europa e isso também penalizou a Suécia).

Mas essa é a regra, há exceções: por exemplo a Finlândia, que aplicou um lockdown generalizado, teve uma quebra do PIB de “apenas” 5,2%, ou seja, ainda menos do que a Suécia. E a Dinamarca (outro país da mesma região) viu o PIB contrair-se em 8,5% no segundo trimestre, sensivelmente o mesmo que a Suécia – o que pode levar alguns a concluírem que, na realidade, com mais ou menos restrições, a Suécia só teve uma quebra menor da economia porque o impacto do vírus nas económicas escandinavas/norte da Europa foi menor do que nos países do sul da Europa.

PIB da Suécia teria caído o dobro com mesmas medidas do sul da Europa

Ainda assim, a análise feita pelo economista David Oxley sugere que caso tivessem sido aplicadas medidas de restrição semelhantes às que foram aplicadas, por exemplo, na Alemanha, a economia sueca teria caído mais três ou quatro pontos percentuais nesta primeira metade do ano. E se, com maior ou menor respeito pela Constituição, na Suécia tivessem sido aplicadas medidas draconianas de contenção, como as que se aplicaram em Espanha e Itália, “a contração da economia sueca teria, provavelmente, sido o dobro“, estima a Capital Economics.

Mesmo sem restrições impostas, na Suécia como nos outros países foi a quebra da procura interna que penalizou o desempenho da economia, o que leva a crer que, mesmo sem restrições duras no caso de uma segunda vaga, os países vão sentir um grande impacto nesta rubrica. Mas as exportações também sofreram: o indicador avançado de novas encomendas à indústria (PMI) caiu para um mínimo histórico, o que leva a Capital Economics a estimar uma descida de 8,5% nas exportações suecas, mais do que os 7,6% que eram o anterior máximo histórico, fixado em 2009.

“Uma parte da diferença no desempenho das economias [Suécia vs países do sul] também reflete a menor importância da indústria do turismo“, diz a Capital Economics, lembrando que esse foi o setor mais penalizado de todos pela pandemia. De resto, na Suécia o setor da construção continuou a funcionar sem sentir um grande impacto (embora a partir de junho se tenha começado a ver alguma quebra, o que pode significar que se começou a interromper, até certo ponto, o fluxo de novas encomendas e houve menos novos trabalhos de construção a entrar).

Já nos serviços, as diferenças são claras: segundo os índices PMI elaborados pela Markit, a atividade no setor dos serviços caiu para os 35 pontos na Suécia, mas afundou para os 12 pontos na zona euro, em média. Este é um indicador em que o valor de 50 é o patamar que distingue uma contração da atividade (quando fica abaixo de 50) ou uma expansão (quando está acima de 50 pontos).

Economia versus Saúde. A equação mais delicada

Com os números da economia a mostrarem algum efeito positivo de se ter evitado os confinamentos generalizados, a Capital Economics contrasta as consequências económicas dessa opção com as consequências sanitárias – embora esta equação, por ser muito delicada, é aquela em que os economistas hesitam mais em tirar conclusões. Ainda mais porque é muito difícil dizer com clareza que a Suécia é, como se convencionou dizer, um dos países mais afetados do mundo pela pandemia.

Falar de “casos positivos” é algo que está em grande parte dependente da política de testagem de cada país, a cada momento. E falar em mortes com Covid-19 (ou por Covid) obedece, também, a interpretações diferentes que os vários países fazem sobre o que é que constitui um óbito que deve ser atribuído ao novo coronavírus – ou seja, uma morte em que esta infeção é a causa última da morte e que, portanto, aquela morte não teria ocorrido naquele dia se não fosse este vírus.

Mesmo colocando de lado essas questões, e começando pelo mais importante: a Suécia é o oitavo país mundial com mais mortes, até agora, por cada milhão de habitantes. Na Europa, em contas feitas até esta terça-feira, é o sétimo país com mais mortes: 575 óbitos por cada milhão de habitantes. No total, a Suécia, que tem uma população de 10 milhões de pessoas tal como Portugal, já teve 5.814 mortes atribuídas a Covid-19 – contra as 1.805 registadas em Portugal até esta terça-feira.

Com mais mortes do que a Suécia (proporcionais à população) estão países como Espanha (617), Reino Unido (610) e Itália (586) – o pior de todos na Europa, além do diminuto San Marino, é a Bélgica, com 862 mortos com Covid-19 por cada milhão de habitantes.

“Uma grande proporção dos óbitos na Suécia ocorreu na população idosa, muitos dos quais viviam em lares de idosos”, recorda a Capital Economics, citando dados que indicam que 52% das mortes de cidadãos com mais de 70 anos, devido à Covid-19, ocorreram nos lares de terceira idade – uma área onde o governo já reconheceu ter falhado redondamente, ao não reforçar os cuidados envolvendo a população idosa que vivia nesses estabelecimentos.

“Descobrimos que a grande explicação por trás disto eram as muitas mortes nos nossos lares de idosos. E estes não são para qualquer tipo de pessoa idosa. São pessoas que estão a sofrer, que estão realmente doentes e muito velhas”, afirmou o epidemiologista Anders Tegnell, em maio, acrescentando que Estocolmo foi a cidade onde o vírus mais chegou aos lares, muitos deles com algumas dificuldades a nível de procedimentos de higiene. “Isto representa mais de 50% de todas as mortes que sofremos na Suécia”, acrescentou.

Em Portugal, a ministra da Saúde, Marta Temido, explicou recentemente que os números nacionais não são muito diferentes dos da Suécia, que pediu desculpa por ter falhado na prevenção em lares de idosos. Das 1.786 mortes registadas por Covid-19 em Portugal até à quarta-feira passada, 688 (ou seja, 38,5% do total das vítimas mortais) foram pessoas que tinham morada em lares.

No início da pandemia, as autoridades de saúde salientaram, também, o impacto que a Covid-19 estava a ter em populações como os imigrantes vindos de países como a Somália e que moram perto de Estocolmo – as condições de vida e características culturais (como o hábito de visitar a casa de alguém que está doente) poderão ter contribuído para um contágio acelerado nessa população. Esse foi outro fator invocado pelas autoridades de saúde para justificar a mortalidade maior.

Maior mortalidade (geral) na Suécia nos últimos 150 anos

O novo coronavírus, pelo menos até ao momento, tem tido um impacto maior nas pessoas mais velhas e com outros problemas de saúde. E esse é um fator que complica comparações entre países com estruturas demográficas diferentes, bem como diferentes graus de prevalência de outras doenças que comportam maior risco em caso de contágio com o vírus.

É nesse contexto que é comum olhar-se para os números de mortes normalizadas por cada país, em comparação com os cinco anos anteriores nesse mesmo país. E, aí, o instituto nacional de estatística da Suécia (SCB) mostrou na quarta-feira que os primeiros seis meses de 2020 tiveram a maior mortalidade (Covid e não-Covid) dos últimos 150 anos, quando a população era menos de metade do que é hoje.

Segundo o SCB, 51.405 suecos morreram nos seis meses entre janeiro e junho, um número muito superior ao primeiro semestre de qualquer ano desde esses idos de 1869 (quando morreram 55.431, na altura muito por culpa de uma crise de fome). Este número de 51.405 representa mais 9,9% de mortos do que a média dos últimos cinco anos – em 2019, por exemplo, tinham morrido menos de 45.000 pessoas na primeira metade do ano. Esta é uma evolução que contrasta com o que aconteceu na Dinamarca e na Noruega, onde a mortalidade foi mais baixa do que o normal em cada um desses países.

A Suécia registava, até esta terça-feira feira, 5.814 mortes por Covid-19 – mas até ao final de junho tinham morrido 5.498 infetados, ou seja, 10,7% do total de mortos no país. “Durante a pior semana de mortes na Suécia, no início de abril, a mortalidade foi cerca de 40% mais elevada do que a média para essa mesma semana dos cinco anos anteriores. Já no pico da crise em Espanha, por exemplo, as mortes chegaram a ser 140% mais do que o normal”, assinala a firma de análise económica – mas, segundo dados do britânico Office for National Statistics, citados pela Capital Economics, e apesar desses picos maiores, Espanha e Reino Unido tiveram aumentos de mortalidade entre 6% e 7% quando se alonga a análise a todo o primeiro semestre — abaixo dos quase 10% registados pela Suécia.

Em Portugal, morreram no primeiro semestre 60.955 pessoas, segundo os dados do portal Vigilância de Mortalidade – mais 3,6% do que a média dos primeiros semestres do cinco anteriores. Os gráficos seguintes, do monitor europeu de mortalidade (EuroMomo) mostram como evoluiu, semanalmente, esse indicador do “excesso de mortalidade” em Portugal, Espanha e Suécia – não medido em percentagem mas no chamado z score, o desvio-padrão em relação à mediana. Conclusão: a Suécia não teve picos com a magnitude de Espanha ou Itália, mas o vírus terá acabado por causar um número (inferior, mas não muito) de mortes mais distribuídas pelo tempo.

Em comparação, em países como Espanha houve semana em que houve um desvio-padrão (z score) de mais de 40 e em Itália de 17 – na Suécia esse indicador teve um pico a rondar os 12/13, ou seja, uma menor divergência em relação aos valores medianos. O pico no número de mortes (por Covid ou não) verificou-se no mês de abril, mas, a partir de maio, baixou de forma significativa, ao ponto de, em junho, a Suécia ter tido semanas com menor “excesso de mortalidade” do que na média dos cinco anos anteriores, uma variação que pode indicar, por exemplo, que a Covid-19 poderá ter causado algumas mortes que poderiam, em circunstâncias normais, acontecer nos meses seguintes.

No final de contas, a Suécia está com uma mortalidade inferior à de Espanha, Itália e Reino Unido (bem como Bélgica), quando se compara o número de mortos com a população total – os tais 575 óbitos por milhão de habitantes. Mas está bem pior do que os vizinhos Finlândia (60), Noruega (48) e Dinamarca (107) – e poderá ser isso que leva a que os cidadãos suecos pareçam estar a perder a confiança na gestão da pandemia feita pelas autoridades de saúde. Segundo uma sondagem recente da Ipsos, caiu para 45% a percentagem de suecos que dizem confiar na estratégia seguida, menos 11 pontos percentuais do que em abril.

Por outro lado, se é verdade que é possível atingir algum tipo de imunidade de grupo, é difícil dizer que a Suécia esteja muito mais à frente nesse caminho do que outros países. No final de maio, mês em que Anders Tegnell garantia que já haveria alguma imunidade de grupo no país, dados oficiais indicavam que apenas 7,3% das pessoas (em Estocolmo) tinham anti-corpos para a doença. Ainda assim, um estudo mais recente (final de junho) do Instituto Karolinksa estimou que 30% dos suecos podem ter algum grau de imunidade ao vírus.

As autoridades suecas reconhecem que a estratégia não foi totalmente correta. “Se viéssemos a enfrentar esta mesma doença novamente, sabendo tudo o que sabemos sobre ela, penso que concluiríamos que o melhor seria fazer algo que fica entre aquilo que fez a Suécia e aquilo que fez o resto do mundo”, uma espécie de meio-termo, comentou Anders Tegnell, numa entrevista à Bloomberg publicada em junho. Porém, algumas semanas mais tarde, Tegnell disse à CNN: “Continuamos a acreditar que a nossa estratégia foi positiva em muitos aspetos. Eu sei que o número de mortos é muito elevado, mas não é extraordinariamente elevado quando se compara com o que aconteceu em países como Bélgica, Países Baixos ou Reino Unido, países cuja pandemia teve contornos muito parecidos com a nossa, mais parecidos até do que o que aconteceu nos outros países nórdicos”.

Ainda assim, sendo certo que numa pandemia as contas só se fazem no fim, a Capital Economics defende que “a experiência sueca traz muitas lições que outros governos podem aprender com vista a uma segunda vaga ou uma nova pandemia, no futuro”. Uma dessas lições, diz David Oxley, é que “o exemplo sueco de manter as escolas abertas durante a pandemia, que facilitou a vida dos pais que trabalham e não colocou o sistema de saúde em risco, pode ser um exemplo importante para os países que estão a ter dificuldades na reabertura das escolas”. Além disso, a Capital Economics deixa um outro conselho: “A clareza das mensagens políticas é tão importante quanto as próprias medidas que se tomam”.

Em meados de agosto, o ministro da Economia português referiu-se ao período (até agora) mais “negro” da pandemia – precisamente às primeiras semanas em que os governos hesitaram entre a necessidade de travar o contágio, cientes de que as medidas que estavam a tomar iam provocar uma quebra “voluntária” da economia. Em entrevista ao Observador, e numa fase em que, por exemplo em Espanha, já poderá ter começado uma possível “segunda vaga”, Pedro Siza Vieira comentou que “é preciso que vamos calibrando a forma como as sociedades se comportam nos próximos tempos, particularmente o outono e inverno deste ano, para evitar ter que tomar medidas tão drásticas como aquelas que houve que tomar no momento em que as sociedades não estavam pura e simplesmente preparadas”.

A Suécia manteve sempre a liberdade de circulação dos cidadãos dentro do país, foi sempre possível ir a restaurantes e cabeleireiros (embora com algumas restrições na ocupação), as escolas estiveram sempre a funcionar, os parques públicos nunca foram vedados com fitas de contenção. Foi pedido aos cidadãos que, com responsabilidade cívica, mantivessem um distanciamento físico, que trabalhassem a partir de casa se possível e que evitassem viagens que não fossem essenciais – tudo para limitar a pressão sobre o serviço nacional de saúde.

Se muito já se escreveu sobre a especificidade da abordagem sueca, liderada pelo epidemiologista Anders Tegnell, o que se tornou claro a partir de certa altura é que o facto de a Suécia estar a seguir uma estratégia diferente estava a impedir (ou, pelo menos, a não contribuir para) que a economia afundasse de forma tão grave quanto estava a acontecer nos outros países.

A realidade dos números é que a Suécia poderá ser dos pouquíssimos países europeus a conseguir evitar uma recessão técnica – definida por dois trimestres consecutivos de quebra económica, na análise em cadeia: isto porque a Suécia conseguiu ter um crescimento muito ligeiro (0,1%) no primeiro trimestre, ao passo que países como Portugal, Espanha e Alemanha tiveram taxas de crescimento negativas logo no primeiro trimestre (-3,8%, -5,2% e -2%, respetivamente), que ainda apanhou o mês em que em Portugal foi lançado o estado de emergência (meados de março).

“Uma das lições mais claras dos últimos meses é que houve um trade off entre o grau de restrições e o declínio na atividade económica“, comenta o economista David Oxley, autor do estudo da Capital Economics sobre as lições que se podem retirar da resposta sueca à Covid-19. Por outras palavras, regra geral, quanto mais duras foram as medidas de confinamento mais forte terá sido a quebra das respetivas economias – uma análise simplista que ignora as óbvias interligações entre os vários países (exemplo: as vendas da sueca Volvo caíram 38% com os stands de automóveis fechados em praticamente toda a Europa e isso também penalizou a Suécia).

Mas essa é a regra, há exceções: por exemplo a Finlândia, que aplicou um lockdown generalizado, teve uma quebra do PIB de “apenas” 5,2%, ou seja, ainda menos do que a Suécia. E a Dinamarca (outro país da mesma região) viu o PIB contrair-se em 8,5% no segundo trimestre, sensivelmente o mesmo que a Suécia – o que pode levar alguns a concluírem que, na realidade, com mais ou menos restrições, a Suécia só teve uma quebra menor da economia porque o impacto do vírus nas económicas escandinavas/norte da Europa foi menor do que nos países do sul da Europa.

PIB da Suécia teria caído o dobro com mesmas medidas do sul da Europa

Ainda assim, a análise feita pelo economista David Oxley sugere que caso tivessem sido aplicadas medidas de restrição semelhantes às que foram aplicadas, por exemplo, na Alemanha, a economia sueca teria caído mais três ou quatro pontos percentuais nesta primeira metade do ano. E se, com maior ou menor respeito pela Constituição, na Suécia tivessem sido aplicadas medidas draconianas de contenção, como as que se aplicaram em Espanha e Itália, “a contração da economia sueca teria, provavelmente, sido o dobro“, estima a Capital Economics.

Mesmo sem restrições impostas, na Suécia como nos outros países foi a quebra da procura interna que penalizou o desempenho da economia, o que leva a crer que, mesmo sem restrições duras no caso de uma segunda vaga, os países vão sentir um grande impacto nesta rubrica. Mas as exportações também sofreram: o indicador avançado de novas encomendas à indústria (PMI) caiu para um mínimo histórico, o que leva a Capital Economics a estimar uma descida de 8,5% nas exportações suecas, mais do que os 7,6% que eram o anterior máximo histórico, fixado em 2009.

“Uma parte da diferença no desempenho das economias [Suécia vs países do sul] também reflete a menor importância da indústria do turismo“, diz a Capital Economics, lembrando que esse foi o setor mais penalizado de todos pela pandemia. De resto, na Suécia o setor da construção continuou a funcionar sem sentir um grande impacto (embora a partir de junho se tenha começado a ver alguma quebra, o que pode significar que se começou a interromper, até certo ponto, o fluxo de novas encomendas e houve menos novos trabalhos de construção a entrar).

Já nos serviços, as diferenças são claras: segundo os índices PMI elaborados pela Markit, a atividade no setor dos serviços caiu para os 35 pontos na Suécia, mas afundou para os 12 pontos na zona euro, em média. Este é um indicador em que o valor de 50 é o patamar que distingue uma contração da atividade (quando fica abaixo de 50) ou uma expansão (quando está acima de 50 pontos).

Economia versus Saúde. A equação mais delicada

Com os números da economia a mostrarem algum efeito positivo de se ter evitado os confinamentos generalizados, a Capital Economics contrasta as consequências económicas dessa opção com as consequências sanitárias – embora esta equação, por ser muito delicada, é aquela em que os economistas hesitam mais em tirar conclusões. Ainda mais porque é muito difícil dizer com clareza que a Suécia é, como se convencionou dizer, um dos países mais afetados do mundo pela pandemia.

Falar de “casos positivos” é algo que está em grande parte dependente da política de testagem de cada país, a cada momento. E falar em mortes com Covid-19 (ou por Covid) obedece, também, a interpretações diferentes que os vários países fazem sobre o que é que constitui um óbito que deve ser atribuído ao novo coronavírus – ou seja, uma morte em que esta infeção é a causa última da morte e que, portanto, aquela morte não teria ocorrido naquele dia se não fosse este vírus.

Mesmo colocando de lado essas questões, e começando pelo mais importante: a Suécia é o oitavo país mundial com mais mortes, até agora, por cada milhão de habitantes. Na Europa, em contas feitas até esta terça-feira, é o sétimo país com mais mortes: 575 óbitos por cada milhão de habitantes. No total, a Suécia, que tem uma população de 10 milhões de pessoas tal como Portugal, já teve 5.814 mortes atribuídas a Covid-19 – contra as 1.805 registadas em Portugal até esta terça-feira.

Com mais mortes do que a Suécia (proporcionais à população) estão países como Espanha (617), Reino Unido (610) e Itália (586) – o pior de todos na Europa, além do diminuto San Marino, é a Bélgica, com 862 mortos com Covid-19 por cada milhão de habitantes.

“Uma grande proporção dos óbitos na Suécia ocorreu na população idosa, muitos dos quais viviam em lares de idosos”, recorda a Capital Economics, citando dados que indicam que 52% das mortes de cidadãos com mais de 70 anos, devido à Covid-19, ocorreram nos lares de terceira idade – uma área onde o governo já reconheceu ter falhado redondamente, ao não reforçar os cuidados envolvendo a população idosa que vivia nesses estabelecimentos.

“Descobrimos que a grande explicação por trás disto eram as muitas mortes nos nossos lares de idosos. E estes não são para qualquer tipo de pessoa idosa. São pessoas que estão a sofrer, que estão realmente doentes e muito velhas”, afirmou o epidemiologista Anders Tegnell, em maio, acrescentando que Estocolmo foi a cidade onde o vírus mais chegou aos lares, muitos deles com algumas dificuldades a nível de procedimentos de higiene. “Isto representa mais de 50% de todas as mortes que sofremos na Suécia”, acrescentou.

Em Portugal, a ministra da Saúde, Marta Temido, explicou recentemente que os números nacionais não são muito diferentes dos da Suécia, que pediu desculpa por ter falhado na prevenção em lares de idosos. Das 1.786 mortes registadas por Covid-19 em Portugal até à quarta-feira passada, 688 (ou seja, 38,5% do total das vítimas mortais) foram pessoas que tinham morada em lares.

No início da pandemia, as autoridades de saúde salientaram, também, o impacto que a Covid-19 estava a ter em populações como os imigrantes vindos de países como a Somália e que moram perto de Estocolmo – as condições de vida e características culturais (como o hábito de visitar a casa de alguém que está doente) poderão ter contribuído para um contágio acelerado nessa população. Esse foi outro fator invocado pelas autoridades de saúde para justificar a mortalidade maior.

Maior mortalidade (geral) na Suécia nos últimos 150 anos

O novo coronavírus, pelo menos até ao momento, tem tido um impacto maior nas pessoas mais velhas e com outros problemas de saúde. E esse é um fator que complica comparações entre países com estruturas demográficas diferentes, bem como diferentes graus de prevalência de outras doenças que comportam maior risco em caso de contágio com o vírus.

É nesse contexto que é comum olhar-se para os números de mortes normalizadas por cada país, em comparação com os cinco anos anteriores nesse mesmo país. E, aí, o instituto nacional de estatística da Suécia (SCB) mostrou na quarta-feira que os primeiros seis meses de 2020 tiveram a maior mortalidade (Covid e não-Covid) dos últimos 150 anos, quando a população era menos de metade do que é hoje.

Segundo o SCB, 51.405 suecos morreram nos seis meses entre janeiro e junho, um número muito superior ao primeiro semestre de qualquer ano desde esses idos de 1869 (quando morreram 55.431, na altura muito por culpa de uma crise de fome). Este número de 51.405 representa mais 9,9% de mortos do que a média dos últimos cinco anos – em 2019, por exemplo, tinham morrido menos de 45.000 pessoas na primeira metade do ano. Esta é uma evolução que contrasta com o que aconteceu na Dinamarca e na Noruega, onde a mortalidade foi mais baixa do que o normal em cada um desses países.

A Suécia registava, até esta terça-feira feira, 5.814 mortes por Covid-19 – mas até ao final de junho tinham morrido 5.498 infetados, ou seja, 10,7% do total de mortos no país. “Durante a pior semana de mortes na Suécia, no início de abril, a mortalidade foi cerca de 40% mais elevada do que a média para essa mesma semana dos cinco anos anteriores. Já no pico da crise em Espanha, por exemplo, as mortes chegaram a ser 140% mais do que o normal”, assinala a firma de análise económica – mas, segundo dados do britânico Office for National Statistics, citados pela Capital Economics, e apesar desses picos maiores, Espanha e Reino Unido tiveram aumentos de mortalidade entre 6% e 7% quando se alonga a análise a todo o primeiro semestre — abaixo dos quase 10% registados pela Suécia.

Em Portugal, morreram no primeiro semestre 60.955 pessoas, segundo os dados do portal Vigilância de Mortalidade – mais 3,6% do que a média dos primeiros semestres do cinco anteriores. Os gráficos seguintes, do monitor europeu de mortalidade (EuroMomo) mostram como evoluiu, semanalmente, esse indicador do “excesso de mortalidade” em Portugal, Espanha e Suécia – não medido em percentagem mas no chamado z score, o desvio-padrão em relação à mediana. Conclusão: a Suécia não teve picos com a magnitude de Espanha ou Itália, mas o vírus terá acabado por causar um número (inferior, mas não muito) de mortes mais distribuídas pelo tempo.

Em comparação, em países como Espanha houve semana em que houve um desvio-padrão (z score) de mais de 40 e em Itália de 17 – na Suécia esse indicador teve um pico a rondar os 12/13, ou seja, uma menor divergência em relação aos valores medianos. O pico no número de mortes (por Covid ou não) verificou-se no mês de abril, mas, a partir de maio, baixou de forma significativa, ao ponto de, em junho, a Suécia ter tido semanas com menor “excesso de mortalidade” do que na média dos cinco anos anteriores, uma variação que pode indicar, por exemplo, que a Covid-19 poderá ter causado algumas mortes que poderiam, em circunstâncias normais, acontecer nos meses seguintes.

No final de contas, a Suécia está com uma mortalidade inferior à de Espanha, Itália e Reino Unido (bem como Bélgica), quando se compara o número de mortos com a população total – os tais 575 óbitos por milhão de habitantes. Mas está bem pior do que os vizinhos Finlândia (60), Noruega (48) e Dinamarca (107) – e poderá ser isso que leva a que os cidadãos suecos pareçam estar a perder a confiança na gestão da pandemia feita pelas autoridades de saúde. Segundo uma sondagem recente da Ipsos, caiu para 45% a percentagem de suecos que dizem confiar na estratégia seguida, menos 11 pontos percentuais do que em abril.

Por outro lado, se é verdade que é possível atingir algum tipo de imunidade de grupo, é difícil dizer que a Suécia esteja muito mais à frente nesse caminho do que outros países. No final de maio, mês em que Anders Tegnell garantia que já haveria alguma imunidade de grupo no país, dados oficiais indicavam que apenas 7,3% das pessoas (em Estocolmo) tinham anti-corpos para a doença. Ainda assim, um estudo mais recente (final de junho) do Instituto Karolinksa estimou que 30% dos suecos podem ter algum grau de imunidade ao vírus.

As autoridades suecas reconhecem que a estratégia não foi totalmente correta. “Se viéssemos a enfrentar esta mesma doença novamente, sabendo tudo o que sabemos sobre ela, penso que concluiríamos que o melhor seria fazer algo que fica entre aquilo que fez a Suécia e aquilo que fez o resto do mundo”, uma espécie de meio-termo, comentou Anders Tegnell, numa entrevista à Bloomberg publicada em junho. Porém, algumas semanas mais tarde, Tegnell disse à CNN: “Continuamos a acreditar que a nossa estratégia foi positiva em muitos aspetos. Eu sei que o número de mortos é muito elevado, mas não é extraordinariamente elevado quando se compara com o que aconteceu em países como Bélgica, Países Baixos ou Reino Unido, países cuja pandemia teve contornos muito parecidos com a nossa, mais parecidos até do que o que aconteceu nos outros países nórdicos”.

Ainda assim, sendo certo que numa pandemia as contas só se fazem no fim, a Capital Economics defende que “a experiência sueca traz muitas lições que outros governos podem aprender com vista a uma segunda vaga ou uma nova pandemia, no futuro”. Uma dessas lições, diz David Oxley, é que “o exemplo sueco de manter as escolas abertas durante a pandemia, que facilitou a vida dos pais que trabalham e não colocou o sistema de saúde em risco, pode ser um exemplo importante para os países que estão a ter dificuldades na reabertura das escolas”. Além disso, a Capital Economics deixa um outro conselho: “A clareza das mensagens políticas é tão importante quanto as próprias medidas que se tomam”.

Em meados de agosto, o ministro da Economia português referiu-se ao período (até agora) mais “negro” da pandemia – precisamente às primeiras semanas em que os governos hesitaram entre a necessidade de travar o contágio, cientes de que as medidas que estavam a tomar iam provocar uma quebra “voluntária” da economia. Em entrevista ao Observador, e numa fase em que, por exemplo em Espanha, já poderá ter começado uma possível “segunda vaga”, Pedro Siza Vieira comentou que “é preciso que vamos calibrando a forma como as sociedades se comportam nos próximos tempos, particularmente o outono e inverno deste ano, para evitar ter que tomar medidas tão drásticas como aquelas que houve que tomar no momento em que as sociedades não estavam pura e simplesmente preparadas”.

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