Pedro Siza Vieira: De advogado discreto a número dois do Governo

18-12-2019
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“Boa tarde a todos. Esta é a primeira vez que falo numa convenção partidária.” Em junho de 2015, quando o PS se juntou no Coliseu dos Recreios para aprovar o programa que ia levar às legislativas desse ano, um ainda algo titubeante – e desconhecido no universo político – Pedro Siza Vieira subiu ao palco. Falou da “profunda” crise social num País que vivia os últimos dias do governo de direita, apontou críticas à União Europeia pela forma como lidou com a crise internacional e ensaiou uma resposta à frase que marcou os quatro anos de liderança de Pedro Passos Coelho: “Os portugueses estão a viver abaixo das suas possibilidades.” As notas para a intervenção estavam rabiscadas num papel, que haveria de trocar pelo telemóvel depois de chegar ao Governo. Por esses dias, o futuro ministro diria pela segunda vez “não” a um convite de António Costa para integrar o executivo. Mas a vontade de dar o passo em frente era antiga. Era uma questão de tempo – e de circunstâncias.

Siza Vieira tinha feito parte do restrito grupo que pensou e preparou a “Agenda para a Década”, a linha orientadora da ação política dos futuros governos de António Costa. O advogado era já uma “voz bastante escutada” pelo líder socialista e, nesse momento, “estava tudo conjugado para que entrasse” na sua equipa nuclear. Há muito tempo que o primeiro-ministro contava com o advogado no Governo. Mas, semanas antes de assumir funções como adjunto do primeiro-ministro, continuava a garantir que essa hipótese não estava na equação. “Quando vi António Costa ascender, disse que isto seria inevitável”, conta um colega de longa data. Agora, como ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira será o braço-direito de António Costa, o homem do leme quando o chefe do Governo for chamado às responsabilidades que vêm com a presidência da União Europeia.

Siza Vieira encara essa promoção da mesma forma como lidou com a entrada no Governo, “sem drama”. “Estou focado em ajudar os meus colegas a trabalharem o melhor possível e a garantir a articulação” entre as várias áreas, diz à VISÃO. Uma função que, de certa forma, já exercia, mas que agora vai desempenhar “mais intensamente”. Quem trabalhou com o ministro Adjunto, nestes últimos dois anos, define-o como um “homem politicamente preparado para qualquer responsabilidade” que lhe surja no caminho; quem o conhece há mais tempo reconhece-lhe capacidades de liderança ao mais alto nível. “O bichinho da política mordeu”, garante um colega de profissão com quem trabalhou em alguns dos dossiers mais recentes. Mas é o próprio quem arruma a questão: “Não tenho objetivos de carreira política, não tenho idade nem histórico para isso.”

A PRESSÃO DE QUE “NINGUÉM GOSTA”

Fez sempre questão de separar os dois universos: enquanto tivesse atividade como advogado, a política ativa ficaria à distância. A preferência por uma carreira profissional como advogado foi, aliás, uma das principais razões para uma entrada tardia num governo, que aconteceria já depois de completar 50 anos – duas décadas depois do primeiro convite do então ministro da Justiça de António Guterres. Sim, esse mesmo: António Costa. Mas seria precisamente o seu passado mais recente a provocar o primeiro abanão.

Pouco depois de assumir funções, Siza Vieira pediu escusa para lidar com “matérias relacionadas com o setor elétrico”, quando ainda estava fresca a ligação à Linklaters Portugal, e a ligação dessa sociedade de advogados que dirigiu a uma antiga cliente, a China Three Gorges, no processo de Oferta Pública de Aquisição (OPA) que lançou à EDP. Mais do que isso, soube-se que teria recebido acionistas da energética ainda antes de se afastar da tomada de decisões nessa pasta. O ministro negou as acusações, mas a avalanche mediática não estancou. Tinham passado poucos dias sobre as primeiras notícias, quando surgiu a informação de que Siza Vieira tinha participado na abertura de uma empresa de compra e venda de bens imobiliários e consultoria empresarial. Chegou a aventar-se uma eventual demissão por incompatibilidades com o cargo. Foi o Tribunal Constitucional a travar o caso, ao arquivar o processo depois de, um ano mais tarde, Siza Vieira herdar a pasta da Economia de Manuel Caldeira Cabral.

Foi um “choque” de frente com os constrangimentos do exercício de um cargo público. Contam os mais próximos que o então ministro Adjunto ficou “magoado” com a torrente de notícias que punham em causa aquilo que tinha definido como um princípio basilar ao longo da carreira. “Ninguém gosta” de ter o nome envolvido em polémicas, explica à VISÃO. Sobretudo quando, como defende, “o escrutínio não é à volta da atividade que se desenvolve mas de coisas que nada têm que ver com ela”. Ainda assim, acrescenta, “qualquer pessoa que exerça funções públicas tem de estar preparada para prestar contas pelas decisões e atitudes que adota e pela forma como encara a atividade pública”, diz a propósito desse período.

No balanço da ainda curta experiência governativa, não há espaço para arrependimentos.

Começar do outro lado do mundo

Quando Pedro Siza Vieira é o tema, há outros nomes que surgem sempre associados: o do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita (a quem sucedeu no cargo), e o do “melhor amigo” do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado. Juntos, formam o “grupo de Macau”. O próprio António Costa é outro nome inseparável. Cruzaram-se pela primeira vez nos corredores da Faculdade de Direito de Lisboa, quando Siza Vieira já se distinguia como um aluno acima da média com especial apetência para as cadeiras do direito económico. Ninguém estranhou, por isso, o convite feito àquele “jovem extrovertido”, e que já na altura se revelava um leitor compulsivo – que tanto se apaixona por um romance como por um documento jurídico – para ser monitor da cadeira de Direito da Economia.

Em meados da década de 1980 e, ainda que a diferença de idades os colocasse em anos diferentes do curso, Costa – mais velho – não voltaria a perder o contacto com o seu futuro braço-direito no Governo. “Acompanhou todo o percurso do Pedro e teve sempre muito apreço pelas suas qualidades”, conta um amigo próximo.

“Sereno”, um “especialista a encontrar consensos”, mesmo que isso o obrigue a cedências, “intelectual e tecnicamente robusto”, “incisivo”, “muito analítico” e “absolutamente cerebral”, adepto de “soluções inovadoras”, nunca perde o foco nos assuntos que tem em mãos. Ninguém se lembra de alguma vez o ter visto perder a cabeça numa discussão. Tal como nunca o viram ser apanhado em falso por não dominar uma pasta que lhe estava entregue. Granjeia “autoridade sem ser autoritário”, dizem colegas de Governo. Por vezes, descreve quem com ele partilhou escritório, é frio na análise dos problemas. Há até quem diga que lhe correm “águas nas veias”, mas os mais próximos justificam essa racionalidade como um “instrumento profissional”. Uma forma de não deixar que as emoções atrapalhem a resolução de um diferendo. E parte desse perfil começou a revelar-se nos dois anos que passou em Macau.

Naquele final de década, Pedro Siza Vieira tinha acabado de fazer 22 anos. Era um jovem licenciado quando, no verão de 1988, decidiu viajar para o outro lado do mundo para começar a carreira. Os pais viviam em Matosinhos, de onde saíra no final da adolescência para rumar à faculdade, em Lisboa (com uma breve passagem pela Universidade de Coimbra). Nessa altura, um telefonema a 11 mil quilómetros de distância durava dois ou três minutos e era um privilégio que se esgotava numa única ligação semanal. Foi o advogado Manuel Magalhães e Silva, então secretário-adjunto para a Administração e Justiça daquele território ainda sob domínio português, quem o convidou para uma missão onde voltaria a cruzar-se com os colegas de faculdade que o acompanhariam ao longo da vida. A sugestão do nome foi, já aí, do próprio António Costa. Nesse “espantoso laboratório daquilo que é um centro político”, começou a perceber o que significa tomar decisões que afetam a vida dos outros, governar. Foi como assessor jurídico, mas tornou-se um verdadeiro conselheiro. A experiência deixou raízes. E nem sempre as mais previsíveis.

Apreciador confesso de música clássica, revelou também aí uma certa veia artística, de microfone na mão, compenetrado a entoar os temas que saltavam das colunas de um qualquer aparelho de karaoke. “Era promissor”, conta quem já assistiu à cena. Ainda hoje, nas frequentes deslocações que faz enquanto ministro, sempre sentado ao lado do motorista, não é acontecimento raro ouvi-lo agarrar a letra de um jazz ou de uma música popular portuguesa que esteja a passar na rádio.

Entre o apoio que davam a Magalhães e Silva, ainda havia tempo para umas partidas de futebol. O peso-pesado socialista Jorge Coelho, então chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Sociais, Educação e Juventude de Macau e secretário-adjunto para a Educação e Administração Pública, era o treinador. “Fisicamente algo desastrado”, ao ponto de somar ossos partidos em vários acidentes de percurso, Siza Vieira formava habitualmente par na defesa com Jorge Carlos Fonseca, atual Presidente de Cabo Verde, numa competição em que também participavam, além do grupo de assessores de Magalhães e Silva, figuras como Jorge Oliveira, o secretário de Estado envolvido no caso das viagens ao Campeonato Europeu de Futebol em França pagas pela Galp, que acabou exonerado, e que agora também se vê envolvido no caso do lítio (ver caixa).

Nesse período, Siza Vieira viveu no andar por baixo do apartamento ocupado por Diogo Lacerda Machado e a mulher. Estreitaram-se laços. Mas, com um filho pequeno e o segundo (dos três filhos do casal) prestes a nascer, Siza e a mulher, Cristina Siza Vieira, companheira desde os anos de faculdade e com uma carreira independente – é a atual presidente da Associação da Hotelaria de Portugal –, tomaram a decisão de que o segundo rapaz deveria nascer em Portugal. Começava a adivinhar-se o regresso a casa.

O “advogado brilhante”

Foi uma conjugação de timings. Em 1989, Jorge Sampaio ganhou a corrida à Câmara Municipal de Lisboa e, em janeiro de 1990, o convite para integrar o gabinete jurídico da principal autarquia do País acabou por surgir naturalmente. Com ele, a aproximação ao então secretário-geral do Partido Socialista. É por essa altura, de resto, que decide filiar-se como militante. Sampaio, assume Siza Vieira, é “uma referência” política e até pessoal para o ministro. Apoiou-o na disputa interna na qual António Guterres saiu vencedor, em 1992, e foi nessa altura que tomou uma decisão que haveria de marcar os anos seguintes da sua vida profissional.

Terá sido o próprio Jorge Sampaio quem falou a Miguel Galvão Teles daquela figura promissora do direito como um bom contributo para o escritório que liderava e para o qual procurava um reforço na área de direito administrativo. Quem participou nesse processo recorda a intervenção de um futuro líder do PSD, futuro Presidente da República e, já à data, professor catedrático na Faculdade de Direito de Lisboa. Marcelo Rebelo de Sousa fez a recomendação de alguém que definia como tendo “grande qualidade técnica”. Num momento inicial, Siza Vieira acumulou a assessoria na Câmara Municipal de Lisboa. “Mas ele tinha uma clara opção pela carreira na advocacia e por uma vida profissional que não estivesse dependente da política”. Foi isso que o levou não só a largar a atividade pública, como a afastar-se do PS. Deixou de pagar as quotas e, numa reorganização dos cadernos do partido, a ficha de militante acabaria por ser encerrada.

A história dos anos seguintes, mais desbravada do que o período anterior, resume-se numa rápida ascensão na carreira que construiu no setor privado. Chegou a sócio da Morais Leitão, J. Galvão Teles e Associados, da qual saiu em 2001 para fundar a BSC. Logo no ano seguinte, com a entrada em Portugal da Linklaters, a sociedade dissolveu-se e as suas principais figuras integraram a filial portuguesa do escritório londrino.

Esteve 15 anos na Linklaters, chegou a managing partner e, pelo meio, recusou um convite para reforçar a equipa do então ministro António Costa. “Gostei muito de ser advogado, de trabalhar com os clientes, com os colegas, ajudei muita gente a crescer na profissão”, diz à VISÃO. Nunca deixou de acompanhar a atividade política, mas também nunca aceitou cruzar os dois mundos. Tido como “frugal” e uma pessoa “sem vícios”, preferiu, nesses anos, trabalhar para a almofada financeira que lhe garantisse independência na hora de dar o passo seguinte.

Politicamente, os amigos referem-no como sendo “estruturalmente de esquerda”, um “moderado” que nunca revelou pruridos em integrar um governo que dependia do apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP. “É um social-democrata, na pureza do termo, pela forma como olha para a economia e como entende o papel do Estado na economia”, resume um amigo de longa data. Não foi essa circunstância histórica a retardar o “sim” a António Costa.

A par da carreira profissional, os holofotes mediáticos tiveram o seu peso na hesitação. Pedro Siza Vieira sabia que as atenções estariam viradas para si aonde quer que fosse, a partir do momento em que aceitasse entrar para o Governo. “Era essa a causa de um maior desconforto, mas ele esteve sempre de consciência absolutamente tranquila e lida com o tema com tranquilidade”, garante um amigo que o acompanha desde os anos de faculdade. A pressão dos mais próximos – e a ideia de que não podia voltar a recusar a proposta de ir para um governo – ajudou-o a decidir-se por avançar. Mas uma coisa é certa: esse escrutínio será sempre mais intenso a partir do momento em que o futuro ministro de Estado subir a número dois do homem-forte de São Bento.

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“Boa tarde a todos. Esta é a primeira vez que falo numa convenção partidária.” Em junho de 2015, quando o PS se juntou no Coliseu dos Recreios para aprovar o programa que ia levar às legislativas desse ano, um ainda algo titubeante – e desconhecido no universo político – Pedro Siza Vieira subiu ao palco. Falou da “profunda” crise social num País que vivia os últimos dias do governo de direita, apontou críticas à União Europeia pela forma como lidou com a crise internacional e ensaiou uma resposta à frase que marcou os quatro anos de liderança de Pedro Passos Coelho: “Os portugueses estão a viver abaixo das suas possibilidades.” As notas para a intervenção estavam rabiscadas num papel, que haveria de trocar pelo telemóvel depois de chegar ao Governo. Por esses dias, o futuro ministro diria pela segunda vez “não” a um convite de António Costa para integrar o executivo. Mas a vontade de dar o passo em frente era antiga. Era uma questão de tempo – e de circunstâncias.

Siza Vieira tinha feito parte do restrito grupo que pensou e preparou a “Agenda para a Década”, a linha orientadora da ação política dos futuros governos de António Costa. O advogado era já uma “voz bastante escutada” pelo líder socialista e, nesse momento, “estava tudo conjugado para que entrasse” na sua equipa nuclear. Há muito tempo que o primeiro-ministro contava com o advogado no Governo. Mas, semanas antes de assumir funções como adjunto do primeiro-ministro, continuava a garantir que essa hipótese não estava na equação. “Quando vi António Costa ascender, disse que isto seria inevitável”, conta um colega de longa data. Agora, como ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira será o braço-direito de António Costa, o homem do leme quando o chefe do Governo for chamado às responsabilidades que vêm com a presidência da União Europeia.

Siza Vieira encara essa promoção da mesma forma como lidou com a entrada no Governo, “sem drama”. “Estou focado em ajudar os meus colegas a trabalharem o melhor possível e a garantir a articulação” entre as várias áreas, diz à VISÃO. Uma função que, de certa forma, já exercia, mas que agora vai desempenhar “mais intensamente”. Quem trabalhou com o ministro Adjunto, nestes últimos dois anos, define-o como um “homem politicamente preparado para qualquer responsabilidade” que lhe surja no caminho; quem o conhece há mais tempo reconhece-lhe capacidades de liderança ao mais alto nível. “O bichinho da política mordeu”, garante um colega de profissão com quem trabalhou em alguns dos dossiers mais recentes. Mas é o próprio quem arruma a questão: “Não tenho objetivos de carreira política, não tenho idade nem histórico para isso.”

A PRESSÃO DE QUE “NINGUÉM GOSTA”

Fez sempre questão de separar os dois universos: enquanto tivesse atividade como advogado, a política ativa ficaria à distância. A preferência por uma carreira profissional como advogado foi, aliás, uma das principais razões para uma entrada tardia num governo, que aconteceria já depois de completar 50 anos – duas décadas depois do primeiro convite do então ministro da Justiça de António Guterres. Sim, esse mesmo: António Costa. Mas seria precisamente o seu passado mais recente a provocar o primeiro abanão.

Pouco depois de assumir funções, Siza Vieira pediu escusa para lidar com “matérias relacionadas com o setor elétrico”, quando ainda estava fresca a ligação à Linklaters Portugal, e a ligação dessa sociedade de advogados que dirigiu a uma antiga cliente, a China Three Gorges, no processo de Oferta Pública de Aquisição (OPA) que lançou à EDP. Mais do que isso, soube-se que teria recebido acionistas da energética ainda antes de se afastar da tomada de decisões nessa pasta. O ministro negou as acusações, mas a avalanche mediática não estancou. Tinham passado poucos dias sobre as primeiras notícias, quando surgiu a informação de que Siza Vieira tinha participado na abertura de uma empresa de compra e venda de bens imobiliários e consultoria empresarial. Chegou a aventar-se uma eventual demissão por incompatibilidades com o cargo. Foi o Tribunal Constitucional a travar o caso, ao arquivar o processo depois de, um ano mais tarde, Siza Vieira herdar a pasta da Economia de Manuel Caldeira Cabral.

Foi um “choque” de frente com os constrangimentos do exercício de um cargo público. Contam os mais próximos que o então ministro Adjunto ficou “magoado” com a torrente de notícias que punham em causa aquilo que tinha definido como um princípio basilar ao longo da carreira. “Ninguém gosta” de ter o nome envolvido em polémicas, explica à VISÃO. Sobretudo quando, como defende, “o escrutínio não é à volta da atividade que se desenvolve mas de coisas que nada têm que ver com ela”. Ainda assim, acrescenta, “qualquer pessoa que exerça funções públicas tem de estar preparada para prestar contas pelas decisões e atitudes que adota e pela forma como encara a atividade pública”, diz a propósito desse período.

No balanço da ainda curta experiência governativa, não há espaço para arrependimentos.

Começar do outro lado do mundo

Quando Pedro Siza Vieira é o tema, há outros nomes que surgem sempre associados: o do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita (a quem sucedeu no cargo), e o do “melhor amigo” do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado. Juntos, formam o “grupo de Macau”. O próprio António Costa é outro nome inseparável. Cruzaram-se pela primeira vez nos corredores da Faculdade de Direito de Lisboa, quando Siza Vieira já se distinguia como um aluno acima da média com especial apetência para as cadeiras do direito económico. Ninguém estranhou, por isso, o convite feito àquele “jovem extrovertido”, e que já na altura se revelava um leitor compulsivo – que tanto se apaixona por um romance como por um documento jurídico – para ser monitor da cadeira de Direito da Economia.

Em meados da década de 1980 e, ainda que a diferença de idades os colocasse em anos diferentes do curso, Costa – mais velho – não voltaria a perder o contacto com o seu futuro braço-direito no Governo. “Acompanhou todo o percurso do Pedro e teve sempre muito apreço pelas suas qualidades”, conta um amigo próximo.

“Sereno”, um “especialista a encontrar consensos”, mesmo que isso o obrigue a cedências, “intelectual e tecnicamente robusto”, “incisivo”, “muito analítico” e “absolutamente cerebral”, adepto de “soluções inovadoras”, nunca perde o foco nos assuntos que tem em mãos. Ninguém se lembra de alguma vez o ter visto perder a cabeça numa discussão. Tal como nunca o viram ser apanhado em falso por não dominar uma pasta que lhe estava entregue. Granjeia “autoridade sem ser autoritário”, dizem colegas de Governo. Por vezes, descreve quem com ele partilhou escritório, é frio na análise dos problemas. Há até quem diga que lhe correm “águas nas veias”, mas os mais próximos justificam essa racionalidade como um “instrumento profissional”. Uma forma de não deixar que as emoções atrapalhem a resolução de um diferendo. E parte desse perfil começou a revelar-se nos dois anos que passou em Macau.

Naquele final de década, Pedro Siza Vieira tinha acabado de fazer 22 anos. Era um jovem licenciado quando, no verão de 1988, decidiu viajar para o outro lado do mundo para começar a carreira. Os pais viviam em Matosinhos, de onde saíra no final da adolescência para rumar à faculdade, em Lisboa (com uma breve passagem pela Universidade de Coimbra). Nessa altura, um telefonema a 11 mil quilómetros de distância durava dois ou três minutos e era um privilégio que se esgotava numa única ligação semanal. Foi o advogado Manuel Magalhães e Silva, então secretário-adjunto para a Administração e Justiça daquele território ainda sob domínio português, quem o convidou para uma missão onde voltaria a cruzar-se com os colegas de faculdade que o acompanhariam ao longo da vida. A sugestão do nome foi, já aí, do próprio António Costa. Nesse “espantoso laboratório daquilo que é um centro político”, começou a perceber o que significa tomar decisões que afetam a vida dos outros, governar. Foi como assessor jurídico, mas tornou-se um verdadeiro conselheiro. A experiência deixou raízes. E nem sempre as mais previsíveis.

Apreciador confesso de música clássica, revelou também aí uma certa veia artística, de microfone na mão, compenetrado a entoar os temas que saltavam das colunas de um qualquer aparelho de karaoke. “Era promissor”, conta quem já assistiu à cena. Ainda hoje, nas frequentes deslocações que faz enquanto ministro, sempre sentado ao lado do motorista, não é acontecimento raro ouvi-lo agarrar a letra de um jazz ou de uma música popular portuguesa que esteja a passar na rádio.

Entre o apoio que davam a Magalhães e Silva, ainda havia tempo para umas partidas de futebol. O peso-pesado socialista Jorge Coelho, então chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Sociais, Educação e Juventude de Macau e secretário-adjunto para a Educação e Administração Pública, era o treinador. “Fisicamente algo desastrado”, ao ponto de somar ossos partidos em vários acidentes de percurso, Siza Vieira formava habitualmente par na defesa com Jorge Carlos Fonseca, atual Presidente de Cabo Verde, numa competição em que também participavam, além do grupo de assessores de Magalhães e Silva, figuras como Jorge Oliveira, o secretário de Estado envolvido no caso das viagens ao Campeonato Europeu de Futebol em França pagas pela Galp, que acabou exonerado, e que agora também se vê envolvido no caso do lítio (ver caixa).

Nesse período, Siza Vieira viveu no andar por baixo do apartamento ocupado por Diogo Lacerda Machado e a mulher. Estreitaram-se laços. Mas, com um filho pequeno e o segundo (dos três filhos do casal) prestes a nascer, Siza e a mulher, Cristina Siza Vieira, companheira desde os anos de faculdade e com uma carreira independente – é a atual presidente da Associação da Hotelaria de Portugal –, tomaram a decisão de que o segundo rapaz deveria nascer em Portugal. Começava a adivinhar-se o regresso a casa.

O “advogado brilhante”

Foi uma conjugação de timings. Em 1989, Jorge Sampaio ganhou a corrida à Câmara Municipal de Lisboa e, em janeiro de 1990, o convite para integrar o gabinete jurídico da principal autarquia do País acabou por surgir naturalmente. Com ele, a aproximação ao então secretário-geral do Partido Socialista. É por essa altura, de resto, que decide filiar-se como militante. Sampaio, assume Siza Vieira, é “uma referência” política e até pessoal para o ministro. Apoiou-o na disputa interna na qual António Guterres saiu vencedor, em 1992, e foi nessa altura que tomou uma decisão que haveria de marcar os anos seguintes da sua vida profissional.

Terá sido o próprio Jorge Sampaio quem falou a Miguel Galvão Teles daquela figura promissora do direito como um bom contributo para o escritório que liderava e para o qual procurava um reforço na área de direito administrativo. Quem participou nesse processo recorda a intervenção de um futuro líder do PSD, futuro Presidente da República e, já à data, professor catedrático na Faculdade de Direito de Lisboa. Marcelo Rebelo de Sousa fez a recomendação de alguém que definia como tendo “grande qualidade técnica”. Num momento inicial, Siza Vieira acumulou a assessoria na Câmara Municipal de Lisboa. “Mas ele tinha uma clara opção pela carreira na advocacia e por uma vida profissional que não estivesse dependente da política”. Foi isso que o levou não só a largar a atividade pública, como a afastar-se do PS. Deixou de pagar as quotas e, numa reorganização dos cadernos do partido, a ficha de militante acabaria por ser encerrada.

A história dos anos seguintes, mais desbravada do que o período anterior, resume-se numa rápida ascensão na carreira que construiu no setor privado. Chegou a sócio da Morais Leitão, J. Galvão Teles e Associados, da qual saiu em 2001 para fundar a BSC. Logo no ano seguinte, com a entrada em Portugal da Linklaters, a sociedade dissolveu-se e as suas principais figuras integraram a filial portuguesa do escritório londrino.

Esteve 15 anos na Linklaters, chegou a managing partner e, pelo meio, recusou um convite para reforçar a equipa do então ministro António Costa. “Gostei muito de ser advogado, de trabalhar com os clientes, com os colegas, ajudei muita gente a crescer na profissão”, diz à VISÃO. Nunca deixou de acompanhar a atividade política, mas também nunca aceitou cruzar os dois mundos. Tido como “frugal” e uma pessoa “sem vícios”, preferiu, nesses anos, trabalhar para a almofada financeira que lhe garantisse independência na hora de dar o passo seguinte.

Politicamente, os amigos referem-no como sendo “estruturalmente de esquerda”, um “moderado” que nunca revelou pruridos em integrar um governo que dependia do apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP. “É um social-democrata, na pureza do termo, pela forma como olha para a economia e como entende o papel do Estado na economia”, resume um amigo de longa data. Não foi essa circunstância histórica a retardar o “sim” a António Costa.

A par da carreira profissional, os holofotes mediáticos tiveram o seu peso na hesitação. Pedro Siza Vieira sabia que as atenções estariam viradas para si aonde quer que fosse, a partir do momento em que aceitasse entrar para o Governo. “Era essa a causa de um maior desconforto, mas ele esteve sempre de consciência absolutamente tranquila e lida com o tema com tranquilidade”, garante um amigo que o acompanha desde os anos de faculdade. A pressão dos mais próximos – e a ideia de que não podia voltar a recusar a proposta de ir para um governo – ajudou-o a decidir-se por avançar. Mas uma coisa é certa: esse escrutínio será sempre mais intenso a partir do momento em que o futuro ministro de Estado subir a número dois do homem-forte de São Bento.

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