Sobre o atribulado processo de desconfinamento, o oportunismo político e as várias narrativas que proliferam

29-06-2020
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1) Tal como muitos de nós previam, o desconfinamento, em grande parte forçado pela elite económica, com o alto contributo da obediência canina do governo, levou a que muitas pessoas baixassem a guarda, convencidas de que a pandemia tinha chegado ao fim. Não só não chegou, como pode perfeitamente piorar e colocar o país numa situação mais crítica do que a inicial, com custos ainda mais elevados para a saúde pública, para a economia e para a imagem de Portugal no exterior.

2) Por todo o lado, mas com especial incidência nas regiões de Lisboa e Algarve, multiplicam-se os ajuntamentos, desde festas ilegais a encontros “espontâneos” junto de bombas de gasolina ou zonas de divertimento nocturno, não esquecendo algumas manifestações, mais ou menos inevitáveis, mais ou menos desnecessárias, mas também cerimónias religiosas em Fátima, que foram já palco de pelo menos uma concentração de algumas centenas de pessoas, e onde hoje foi reportado um pequeno foco de contágio. Mas a Festa do Avante, que ainda não aconteceu – e que, a meu ver, não devia acontecer – é o único problema que inquieta algumas pessoas. Percebe-se bem porquê.

3) Os ajuntamentos de jovens, nos centros das principais cidades portuguesas, são condenáveis e inaceitáveis, mas expectáveis vindos de jovens que, convencidos pela insistência no facto se não serem um grupo de risco, aproveitam para dar largas à face mais estúpida da irreverência natural da idade. Contudo, importa sublinhar que existem milhões de jovens neste país, e que os irresponsáveis que temos visto nas notícias são uma minoria que não representa o todo. Existem adultos e idosos tão ou mais irresponsáveis que estes jovens.

4) O governo, que, por várias vezes, mereceu o meu elogio – que reitero – na gestão da pandemia, parece agora desnorteado e incapaz de gerir o pós-desconfinamento. Quis agradar a gregos e troianos, quis acelerar o processo, e agora é ver António Costa, cuja postura neste processo, a meu ver, chegou a ser praticamente imaculada, a perder-se em absurdos como a história da final da Liga dos Campeões ser um prémio para os profissionais de saúde, uma espécie de cereja no topo do bolo do insulto de que os profissionais de saúde, e não só, têm sido alvo nos últimos dias.

5) Perante o cenário actual, entendo que o governo deveria tomar medidas musculadas, com sanções dissuasivas para toda e qualquer situação que possa colocar em risco a saúde pública, antes que o problema se transforme numa catástrofe. É preferível evitá-la do que correr o risco de vê-la materializar-se. Multas pesadas e prisões por desobediência podem e devem ser equacionadas. A esmagadora maioria dos portugueses, que continua a cumprir com as mais elementares regras de distanciamento e isolamento social, não podem ficar reféns de uma minoria de irresponsáveis que querem fazer festas e festinhas.

6) Os governantes de Lisboa que ponham os olhos no Norte, onde a TVI afirmava estar “a população menos educada”, que lá se revelou a mais esclarecida e competente a controlar o contágio, e que leve daqui a lição que, aparentemente, ainda não foi absorvida por outras zonas do país. Nas últimas 24 horas, apenas 7 novos casos foram registados na região Norte, contra 225 em Lisboa e Vale do Tejo. Para não falar no facto de vários municípios nortenhos não terem um único contágio nos últimos 7 dias, como é o caso do Porto, Matosinhos, Braga, Maia ou Guimarães.

7) Não obstante, a narrativa da hecatombe portuguesa é uma falácia. É verdade que temos um caso preocupante em Lisboa e Vale do Tejo, mas continuamos com um SNS a anos-luz do ponto de ruptura. Os números hoje divulgados revelam que existem 407 doentes internados, menos 15 que ontem, e 69 nos cuidados intensivos, menos 1 que ontem. Quase tantos como o número de recuperados (470). E está tem sido a tendência dos últimos dias, apesar daquilo que se passa em Lisboa e Vale do Tejo, onde se continuam a registar a esmagadora maioria dos novos casos.

8) Ainda somos um dos países do mundo que mais testa por milhão de habitantes. Fazer comparações entre Portugal e países africanos, centro e sul-americanos ou asiáticos é um desonesto e imbecil embuste de natureza política, uma artificialidade patética criada por uma direita refém de André Ventura, uma vez que estes países praticamente não testam, nem tem capacidade de produzir registos fidedignos, quando não são ditaduras, como a chinesa ou a russa, que manipulam os números desde o primeiro momento. Segundo o site Worldometers, Portugal é o 21º que mais testa, num universo de 215 países ou regiões analisadas, sendo que, dos 20 que se encontram à nossa frente, metade são microestados. Não é à toa que Donald Trump quer travar o número de testes efectuados à população estado-unidense. Quanto menos se testa, menos novos casos confirmados surgem a cada dia. E isso é bem mais preocupante e imprevisível do que testar em massa, como se tem feito, e bem, por cá.

9) Finalmente, recordo que, no início do desconfinamento, António Costa comprometeu-se a dar um passo atrás, caso a situação se descontrolasse. Assim sendo, não sei pelo que espera para tomar medidas rápidas e eficazes nas zonas descontroladas. Se necessário for, os municípios de Lisboa e Vale do Tejo com situações mais críticas deverão, à imagem daquilo que aconteceu com Ovar, ser sujeitos a um cordão sanitário e a medidas de isolamento idênticas às praticadas durante o Estado de Emergência. Entre alimentar ilusões e tomar medidas drásticas, mas necessárias, orientadas para proteger a saúde pública, a opção pela responsabilidade é simples e óbvia.

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1) Tal como muitos de nós previam, o desconfinamento, em grande parte forçado pela elite económica, com o alto contributo da obediência canina do governo, levou a que muitas pessoas baixassem a guarda, convencidas de que a pandemia tinha chegado ao fim. Não só não chegou, como pode perfeitamente piorar e colocar o país numa situação mais crítica do que a inicial, com custos ainda mais elevados para a saúde pública, para a economia e para a imagem de Portugal no exterior.

2) Por todo o lado, mas com especial incidência nas regiões de Lisboa e Algarve, multiplicam-se os ajuntamentos, desde festas ilegais a encontros “espontâneos” junto de bombas de gasolina ou zonas de divertimento nocturno, não esquecendo algumas manifestações, mais ou menos inevitáveis, mais ou menos desnecessárias, mas também cerimónias religiosas em Fátima, que foram já palco de pelo menos uma concentração de algumas centenas de pessoas, e onde hoje foi reportado um pequeno foco de contágio. Mas a Festa do Avante, que ainda não aconteceu – e que, a meu ver, não devia acontecer – é o único problema que inquieta algumas pessoas. Percebe-se bem porquê.

3) Os ajuntamentos de jovens, nos centros das principais cidades portuguesas, são condenáveis e inaceitáveis, mas expectáveis vindos de jovens que, convencidos pela insistência no facto se não serem um grupo de risco, aproveitam para dar largas à face mais estúpida da irreverência natural da idade. Contudo, importa sublinhar que existem milhões de jovens neste país, e que os irresponsáveis que temos visto nas notícias são uma minoria que não representa o todo. Existem adultos e idosos tão ou mais irresponsáveis que estes jovens.

4) O governo, que, por várias vezes, mereceu o meu elogio – que reitero – na gestão da pandemia, parece agora desnorteado e incapaz de gerir o pós-desconfinamento. Quis agradar a gregos e troianos, quis acelerar o processo, e agora é ver António Costa, cuja postura neste processo, a meu ver, chegou a ser praticamente imaculada, a perder-se em absurdos como a história da final da Liga dos Campeões ser um prémio para os profissionais de saúde, uma espécie de cereja no topo do bolo do insulto de que os profissionais de saúde, e não só, têm sido alvo nos últimos dias.

5) Perante o cenário actual, entendo que o governo deveria tomar medidas musculadas, com sanções dissuasivas para toda e qualquer situação que possa colocar em risco a saúde pública, antes que o problema se transforme numa catástrofe. É preferível evitá-la do que correr o risco de vê-la materializar-se. Multas pesadas e prisões por desobediência podem e devem ser equacionadas. A esmagadora maioria dos portugueses, que continua a cumprir com as mais elementares regras de distanciamento e isolamento social, não podem ficar reféns de uma minoria de irresponsáveis que querem fazer festas e festinhas.

6) Os governantes de Lisboa que ponham os olhos no Norte, onde a TVI afirmava estar “a população menos educada”, que lá se revelou a mais esclarecida e competente a controlar o contágio, e que leve daqui a lição que, aparentemente, ainda não foi absorvida por outras zonas do país. Nas últimas 24 horas, apenas 7 novos casos foram registados na região Norte, contra 225 em Lisboa e Vale do Tejo. Para não falar no facto de vários municípios nortenhos não terem um único contágio nos últimos 7 dias, como é o caso do Porto, Matosinhos, Braga, Maia ou Guimarães.

7) Não obstante, a narrativa da hecatombe portuguesa é uma falácia. É verdade que temos um caso preocupante em Lisboa e Vale do Tejo, mas continuamos com um SNS a anos-luz do ponto de ruptura. Os números hoje divulgados revelam que existem 407 doentes internados, menos 15 que ontem, e 69 nos cuidados intensivos, menos 1 que ontem. Quase tantos como o número de recuperados (470). E está tem sido a tendência dos últimos dias, apesar daquilo que se passa em Lisboa e Vale do Tejo, onde se continuam a registar a esmagadora maioria dos novos casos.

8) Ainda somos um dos países do mundo que mais testa por milhão de habitantes. Fazer comparações entre Portugal e países africanos, centro e sul-americanos ou asiáticos é um desonesto e imbecil embuste de natureza política, uma artificialidade patética criada por uma direita refém de André Ventura, uma vez que estes países praticamente não testam, nem tem capacidade de produzir registos fidedignos, quando não são ditaduras, como a chinesa ou a russa, que manipulam os números desde o primeiro momento. Segundo o site Worldometers, Portugal é o 21º que mais testa, num universo de 215 países ou regiões analisadas, sendo que, dos 20 que se encontram à nossa frente, metade são microestados. Não é à toa que Donald Trump quer travar o número de testes efectuados à população estado-unidense. Quanto menos se testa, menos novos casos confirmados surgem a cada dia. E isso é bem mais preocupante e imprevisível do que testar em massa, como se tem feito, e bem, por cá.

9) Finalmente, recordo que, no início do desconfinamento, António Costa comprometeu-se a dar um passo atrás, caso a situação se descontrolasse. Assim sendo, não sei pelo que espera para tomar medidas rápidas e eficazes nas zonas descontroladas. Se necessário for, os municípios de Lisboa e Vale do Tejo com situações mais críticas deverão, à imagem daquilo que aconteceu com Ovar, ser sujeitos a um cordão sanitário e a medidas de isolamento idênticas às praticadas durante o Estado de Emergência. Entre alimentar ilusões e tomar medidas drásticas, mas necessárias, orientadas para proteger a saúde pública, a opção pela responsabilidade é simples e óbvia.

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