Mensagem de Natal. Muda o primeiro-ministro e toca o mesmo

24-12-2019
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Natal é sinónimo de alegria e boa disposição mas, a julgar pelos discursos dos governantes portugueses, mais parece uma época de comiseração. Ao longo de mais de 40 anos de democracia, a fórmula manteve-se inalterada: o ano que passou esteve repleto de “dificuldades” e o ano seguinte continuará a ser pautado por “desafios”. Spoiler alert: por muito que se apregoe que o dia 1 de janeiro vai ser o dia da mudança e que o futuro deve ser encarado com esperança, a verdade é que… nada muda. O discurso vai andar sempre à volta da capacidade do povo português para lidar com todas as adversidades. Aqui ficam alguns dos mais emblemáticos.

Em 1975, Portugal vivia ainda o rescaldo da Revolução e do 25 de Novembro. Num tom austero, o discurso do então primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo dizia que os problemas financeiros da altura eram muito parecidos com os de hoje: os portugueses enfrentavam “o aumento do desemprego, desequilíbrio da balança comercial e a quebra do investimento”. O líder do Governo provisório usou várias vezes a palavra “realista” e pediu à população “os sacrifícios precisos”. Uma “má prenda de Natal seria continuar a alimentar ilusões”, defendeu.

“Deixem-nos governar” A mensagem de Natal do primeiro-ministro não era obrigatória e nem todos quiseram dirigir-se à população nesta época festiva. Houve outros casos em que o tempo levou a que os discursos acabassem por cair no esquecimento. Por isso, saltamos uns anos e vamos parar ao Natal de 86, com Cavaco Silva como primeiro-ministro. Frustrado com as alterações que tinham sido introduzidas no seu Orçamento do Estado e com a pressão da oposição, Cavaco aproveitou a mensagem de Natal para fazer um apelo que ficou para a história: “Deixem-nos governar”. “É legítimo que os portugueses se perguntem sobre o que querem esses partidos da oposição? Tornar o país ingovernável? Fazê-lo voltar para trás, para uma situação de crise e de austeridade?”, questionou o antigo primeiro-ministro. “Deixem aqueles que ganharam as eleições governar o país. Aplicar o seu programa. Depois, o povo julgará em eleições”, acrescentou. A verdade é que o Governo acabaria por cair meses depois, após uma moção de censura apresentada pelo PRD de Ramalho Eanes. Mas saiu por cima: seguiram-se duas maiorias absolutas.

Seguiram-se os anos das vacas gordas e claro que os discursos de Cavaco foram mais leves, com uma mensagem de “progresso e esperança”. “Estou francamente otimista. É minha convicção que vamos vencer os desafios do futuro, para que tenhamos um país moderno e desenvolvido. Para poder ser vivido pelas famílias com melhor bem-estar e justiça social”, disse em 1988.

Mensagens curtas e simples Entramos na década de 90 com o pé direito, mas os ares mudam rapidamente. Com a Guerra do Golfo, as economias mundiais ressentem-se. Em 1991, Cavaco Silva começa a avisar que o ano seguinte não ia ser “fácil”. Em 93, com a queda do PIB, tenta deixar uma mensagem de esperança: “Há indicadores que dão sinais de recuperação. O país beneficiará de termos mantido o rumo certo, mesmo que isso seja difícil e impopular”. É verdade que se seguiram anos de modernização, mas os tempos não iam continuar tão estáveis, com os primeiros tempos do séc. xxi a ficarem marcados por uma nova crise financeira.

António Guterres quis poupar “o tempo e a paciência” dos portugueses e, por isso, reduziu o tempo das mensagens de Natal. Isto numa altura de mudanças, como a implementação da moeda única e a realização da Expo 98. No entanto, em 1996, Guterres lembrava que Portugal não era um “oásis” e que era necessário continuar a manter uma postura vigilante. Aliás, uma das frases mais marcantes desse discurso deixou muita gente de pé atrás: “Os trabalhadores devem moderar as suas reivindicações salariais”. Porquê? Para mostrar que Portugal era um país estável, que estava pronto para se juntar ao clube do euro, em sintonia com o resto da Europa.

Golpe de magia Guterres também fez, em 2001, um discurso de Natal enquanto primeiro-ministro demissionário, mas foi Santana Lopes quem conseguiu apelar ao coração dos portugueses, em 2004. O agora líder da Aliança foi demitido por Jorge Sampaio e não ignorou essa decisão de Belém na sua mensagem. “O Natal deve ser, sobretudo, um momento em que nos viremos para dentro de nós próprios e para aqueles que, porventura, pior nos tenham feito. Não é fácil perdoar”, dizia, com mágoa. Na mensagem, Santana Lopes disse que gostaria de, num “golpe de mágica, criar todos os empregos que faltam, resolver todos os problemas daqueles a quem não chega o dinheiro para viver por mês, resolver, ao fim e ao cabo, todos os problemas de injustiça que minam o dia--a-dia dos portugueses com mais dificuldades”.

“O pior já passou”... Ou não Se uns queriam magia, outros preferiam não apostar em ilusões: “O ano que está prestes a terminar foi mais um ano ainda difícil para muitas famílias e para muitas pessoas na sociedade portuguesa. Eu sei isso. Mas este foi também um ano em que o país começou, finalmente, a enfrentar e a resolver os seus problemas (…) Não é, nem poderia ser, um caminho de facilidades. Como não é, nem poderia ser, um passe de mágica, como se fosse possível mudar as coisas de um dia para o outro”, disse José Sócrates, na mensagem de Natal de 2005.

Anos antes, o seu antecessor, Durão Barroso, tentou dourar a pílula nos discursos natalícios: “O pior já passou, pelo que o novo ano será melhor”. O então primeiro-ministro dizia que o ano seguinte seria “um ano de recuperação, de uma recuperação lenta, gradual”, garantindo que Portugal estava no “caminho certo”. Mas a recuperação não aconteceu e Sócrates foi por um discurso mais comedido.

As mensagens de confiança continuaram mas, à medida que o tempo ia passando, o tom foi ficando cada vez mais grave e a palavra “dificuldades” começou a surgir mais vezes. No entanto, José Sócrates quis continuar a dar uma nota de esperança aos portugueses: em 2009, depois da queda do Lehman Brothers e das crises das dívidas soberanas, o primeiro-ministro deixou uma boa mensagem no Natal, dizendo que os “sinais de recuperação” eram visíveis. Não eram e, pouco tempo depois, começaram as medidas de austeridade. Mesmo assim, na época festiva do ano seguinte, meses antes de pedir ajuda externa, Sócrates tentava passar uma mensagem de segurança: “Não sou de desistir nem sou de me deixar vencer pelas dificuldades”. Acabou por se demitir em março de 2011.

Quando chega o fim da crise? Com Passos Coelho, havia razões para ouvir um discurso mais negativo, mas a verdade é que o primeiro-ministro tentou manter uma mensagem mais positiva, apesar da impopularidade do Executivo. “No momento em que se aproxima o final de um ano de grandes sacrifícios para os portugueses, sabemos que ainda não pusemos esta grave crise para trás das costas. Mas também sabemos que já começámos a lançar as bases de um futuro próspero. Ainda não podemos declarar vitória sobre a crise, mas estamos hoje muito mais perto de o conseguir”, disse em 2012.

Costa, o otimista António Costa tem sido dos mais otimistas. Se, em 2015, prometia que iria “virar a página da austeridade” e que Portugal ainda teria de enfrentar desafios “enormes”, num discurso repleto de promessas, 2017 foi o ano de puxar dos galões. “Não foi fácil. Ainda há dois anos, quando, pela primeira vez, partilhei convosco esta noite de Natal, muitos escutaram com ceticismo o meu triplo compromisso de alcançarmos mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade”, começou por dizer. “A verdade é que este ano vamos ter o maior crescimento económico desde o início do século”, lembrou Costa, frisando que os esforços dos portugueses “mereceram o reconhecimento internacional”.

No ano passado, António Costa regressou às palavras mais prudentes: “Estamos melhor, mas ainda temos muito para continuar a melhorar”. Ainda assim, o primeiro-ministro não quis deixar de parte o seu lado mais otimista, prometendo um país “mais justo, com mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade” para 2019.

Natal é sinónimo de alegria e boa disposição mas, a julgar pelos discursos dos governantes portugueses, mais parece uma época de comiseração. Ao longo de mais de 40 anos de democracia, a fórmula manteve-se inalterada: o ano que passou esteve repleto de “dificuldades” e o ano seguinte continuará a ser pautado por “desafios”. Spoiler alert: por muito que se apregoe que o dia 1 de janeiro vai ser o dia da mudança e que o futuro deve ser encarado com esperança, a verdade é que… nada muda. O discurso vai andar sempre à volta da capacidade do povo português para lidar com todas as adversidades. Aqui ficam alguns dos mais emblemáticos.

Em 1975, Portugal vivia ainda o rescaldo da Revolução e do 25 de Novembro. Num tom austero, o discurso do então primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo dizia que os problemas financeiros da altura eram muito parecidos com os de hoje: os portugueses enfrentavam “o aumento do desemprego, desequilíbrio da balança comercial e a quebra do investimento”. O líder do Governo provisório usou várias vezes a palavra “realista” e pediu à população “os sacrifícios precisos”. Uma “má prenda de Natal seria continuar a alimentar ilusões”, defendeu.

“Deixem-nos governar” A mensagem de Natal do primeiro-ministro não era obrigatória e nem todos quiseram dirigir-se à população nesta época festiva. Houve outros casos em que o tempo levou a que os discursos acabassem por cair no esquecimento. Por isso, saltamos uns anos e vamos parar ao Natal de 86, com Cavaco Silva como primeiro-ministro. Frustrado com as alterações que tinham sido introduzidas no seu Orçamento do Estado e com a pressão da oposição, Cavaco aproveitou a mensagem de Natal para fazer um apelo que ficou para a história: “Deixem-nos governar”. “É legítimo que os portugueses se perguntem sobre o que querem esses partidos da oposição? Tornar o país ingovernável? Fazê-lo voltar para trás, para uma situação de crise e de austeridade?”, questionou o antigo primeiro-ministro. “Deixem aqueles que ganharam as eleições governar o país. Aplicar o seu programa. Depois, o povo julgará em eleições”, acrescentou. A verdade é que o Governo acabaria por cair meses depois, após uma moção de censura apresentada pelo PRD de Ramalho Eanes. Mas saiu por cima: seguiram-se duas maiorias absolutas.

Seguiram-se os anos das vacas gordas e claro que os discursos de Cavaco foram mais leves, com uma mensagem de “progresso e esperança”. “Estou francamente otimista. É minha convicção que vamos vencer os desafios do futuro, para que tenhamos um país moderno e desenvolvido. Para poder ser vivido pelas famílias com melhor bem-estar e justiça social”, disse em 1988.

Mensagens curtas e simples Entramos na década de 90 com o pé direito, mas os ares mudam rapidamente. Com a Guerra do Golfo, as economias mundiais ressentem-se. Em 1991, Cavaco Silva começa a avisar que o ano seguinte não ia ser “fácil”. Em 93, com a queda do PIB, tenta deixar uma mensagem de esperança: “Há indicadores que dão sinais de recuperação. O país beneficiará de termos mantido o rumo certo, mesmo que isso seja difícil e impopular”. É verdade que se seguiram anos de modernização, mas os tempos não iam continuar tão estáveis, com os primeiros tempos do séc. xxi a ficarem marcados por uma nova crise financeira.

António Guterres quis poupar “o tempo e a paciência” dos portugueses e, por isso, reduziu o tempo das mensagens de Natal. Isto numa altura de mudanças, como a implementação da moeda única e a realização da Expo 98. No entanto, em 1996, Guterres lembrava que Portugal não era um “oásis” e que era necessário continuar a manter uma postura vigilante. Aliás, uma das frases mais marcantes desse discurso deixou muita gente de pé atrás: “Os trabalhadores devem moderar as suas reivindicações salariais”. Porquê? Para mostrar que Portugal era um país estável, que estava pronto para se juntar ao clube do euro, em sintonia com o resto da Europa.

Golpe de magia Guterres também fez, em 2001, um discurso de Natal enquanto primeiro-ministro demissionário, mas foi Santana Lopes quem conseguiu apelar ao coração dos portugueses, em 2004. O agora líder da Aliança foi demitido por Jorge Sampaio e não ignorou essa decisão de Belém na sua mensagem. “O Natal deve ser, sobretudo, um momento em que nos viremos para dentro de nós próprios e para aqueles que, porventura, pior nos tenham feito. Não é fácil perdoar”, dizia, com mágoa. Na mensagem, Santana Lopes disse que gostaria de, num “golpe de mágica, criar todos os empregos que faltam, resolver todos os problemas daqueles a quem não chega o dinheiro para viver por mês, resolver, ao fim e ao cabo, todos os problemas de injustiça que minam o dia--a-dia dos portugueses com mais dificuldades”.

“O pior já passou”... Ou não Se uns queriam magia, outros preferiam não apostar em ilusões: “O ano que está prestes a terminar foi mais um ano ainda difícil para muitas famílias e para muitas pessoas na sociedade portuguesa. Eu sei isso. Mas este foi também um ano em que o país começou, finalmente, a enfrentar e a resolver os seus problemas (…) Não é, nem poderia ser, um caminho de facilidades. Como não é, nem poderia ser, um passe de mágica, como se fosse possível mudar as coisas de um dia para o outro”, disse José Sócrates, na mensagem de Natal de 2005.

Anos antes, o seu antecessor, Durão Barroso, tentou dourar a pílula nos discursos natalícios: “O pior já passou, pelo que o novo ano será melhor”. O então primeiro-ministro dizia que o ano seguinte seria “um ano de recuperação, de uma recuperação lenta, gradual”, garantindo que Portugal estava no “caminho certo”. Mas a recuperação não aconteceu e Sócrates foi por um discurso mais comedido.

As mensagens de confiança continuaram mas, à medida que o tempo ia passando, o tom foi ficando cada vez mais grave e a palavra “dificuldades” começou a surgir mais vezes. No entanto, José Sócrates quis continuar a dar uma nota de esperança aos portugueses: em 2009, depois da queda do Lehman Brothers e das crises das dívidas soberanas, o primeiro-ministro deixou uma boa mensagem no Natal, dizendo que os “sinais de recuperação” eram visíveis. Não eram e, pouco tempo depois, começaram as medidas de austeridade. Mesmo assim, na época festiva do ano seguinte, meses antes de pedir ajuda externa, Sócrates tentava passar uma mensagem de segurança: “Não sou de desistir nem sou de me deixar vencer pelas dificuldades”. Acabou por se demitir em março de 2011.

Quando chega o fim da crise? Com Passos Coelho, havia razões para ouvir um discurso mais negativo, mas a verdade é que o primeiro-ministro tentou manter uma mensagem mais positiva, apesar da impopularidade do Executivo. “No momento em que se aproxima o final de um ano de grandes sacrifícios para os portugueses, sabemos que ainda não pusemos esta grave crise para trás das costas. Mas também sabemos que já começámos a lançar as bases de um futuro próspero. Ainda não podemos declarar vitória sobre a crise, mas estamos hoje muito mais perto de o conseguir”, disse em 2012.

Costa, o otimista António Costa tem sido dos mais otimistas. Se, em 2015, prometia que iria “virar a página da austeridade” e que Portugal ainda teria de enfrentar desafios “enormes”, num discurso repleto de promessas, 2017 foi o ano de puxar dos galões. “Não foi fácil. Ainda há dois anos, quando, pela primeira vez, partilhei convosco esta noite de Natal, muitos escutaram com ceticismo o meu triplo compromisso de alcançarmos mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade”, começou por dizer. “A verdade é que este ano vamos ter o maior crescimento económico desde o início do século”, lembrou Costa, frisando que os esforços dos portugueses “mereceram o reconhecimento internacional”.

No ano passado, António Costa regressou às palavras mais prudentes: “Estamos melhor, mas ainda temos muito para continuar a melhorar”. Ainda assim, o primeiro-ministro não quis deixar de parte o seu lado mais otimista, prometendo um país “mais justo, com mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade” para 2019.

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