Contra o Orçamento do Estado para 2018

17-03-2020
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Esta reafectação parece-me ser extremamente problemática. — Marie-Hélène Aubert À un moment, elle se fait tej par son keum et elle se réveille à oualpé dans un champ de blé. Du coup, elle est trop déprimée, elle a le seum de la vie, elle se suicide. — Jean Rochefort Com certeza. — António Costa

***

Exactamente: “com certeza”. Foi a resposta do primeiro-ministro, quando interrogado sobre a confiança em relação à aprovação do OE2018. Infelizmente, não perguntaram a António Costa acerca da qualidade técnica do OE2018. A certeza acerca da aprovação de um diploma depende de uma avaliação do desenrolar de negociações e da celebração de acordos entre partes: neste caso, entre PS, PCP, PEV e BE. E o primeiro-ministro, obviamente, “com certeza”. Agora. Porque, há uns anos, perante um documento exactamente com as mesmas falhas técnicas, António Costa votou contra a proposta do Governo.

Todavia, a certeza quanto à qualidade técnica de um documento depende de uma leitura pormenorizada e de alguma bagagem relativamente a aspectos concretos. Por exemplo (e fica como alerta para o futuro próximo), se alguém acreditar que “agora facto é igual a fato (de roupa)”, o OE2018?, claro que sim, com certeza, pois, pois, evidentemente, façamos de conta que aquilo não aconteceu e regressemos, retomando a deixa da epígrafe do já saudoso Rochefort, ao nosso Charles «puis la dépense du ménage, à présent que la cuisinière était maîtresse, devenait effrayante ; les notes pleuvaient dans la maison», com a vantagem de termos literatura de qualidade em relação ao Orçamento (neste caso, o familiar). Depois deste singular intervalo e depois de este momento vos interpelar, vejamos então os aspectos mais importantes do OE2018.

Trata-se, efectivamente, como diz Mário Centeno, de um orçamento “de continuidade“. O mesmo, aliás, dissera Heloísa Apolónia sobre o texto de 2015. Infelizmente, em vez da ruptura desejada, em relação ao desaste orçamental iniciado em 2012 e continuado em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, este texto de 2018 é mais do mesmo, como se prevê, ao ler a eletricidade da página 190 e a electricidade da página 210 ou o janeiro da página 318 e o Janeiro da página 327 da proposta do Orçamento do Estado para 2018.

Debrucemo-nos então sobre alguns exemplos do Relatório do Orçamento do Estado para 2018:

p. 93 despesa do subsector Estado;

p. 106 despesa do subsetor Estado;

p. 223 o sector da saúde;

p. 75 do setor da saúde:

p. 18 o mercado de trabalho deverá ser caracterizado;

p. 257 o MF prevê que 2017 se caraterize;

p. 3 as expectativas de crescimento foram revistas;

p. 8 confiança e expetativas dos empresários;

p. 19 a reafectação de recursos;

p. 79 através da afetação de uma verba;

p. 103 Investigação Científica de Carácter Geral

p. 91 compras públicas com caráter transversal;

p. 59 reafectar cerca de 75% dos recursos humanos;

p. 21 os riscos que mais podem afetar;

p. 153 Habitação e Serv. Colectivos;

p. 113 desenvolvimento individual e coletivo;

p. 66 total da despesa no âmbito de projectos;

p. 66 Projetos – Por Tipo de Despesa e Fonte de Financiamento;

p. 67 Despesa Efectiva excluindo transf. do OE;

p. 66 Despesa Efetiva;

p. 195 uma trajectória descendente ainda em 2017;

p. 195 uma trajetória descendente e persistente;

p. 195 em 2,6% do PIB e em 2,9%, respectivamente;

p. 194 para o S1 e S2, respetivamente;

p. 226 Aquisição líquida de activos financeiros (excepto privatizações);

p. 226 da aquisição líquida de ativos financeiros em cerca de 1,0 mil milhões;

p. 15 exceto sociedades de seguros e fundos de pensões;

p. 241 Fornecedores – Facturas em recepção e conferência;

p. 202 Número de faturas comunicadas à AT;

(felizmente, não há ocorrências de receção)

p. 95 PROTECÇÃO SOCIAL DE BASE;

p. 137 melhorar a proteção social das pessoas com deficiência ou incapacidade;

p. 97 SEGURANÇA E ACÇÃO SOCIAL;

p. 99 desenvolvimento sustentável da ação social;

p. 44 A partir de 1 de Janeiro de 2018 será ainda reposto;

p. 47 já a partir de 1 de janeiro de 2018;

p. 30 existiam em Fevereiro de 2016 divergências;

p. 30 documento de 5 de fevereiro de 2016.

Através destes exemplos, ficamos com mais um pequeno apanhado do desastre ortográfico em curso. Todavia, parece que ninguém se preocupa com o dado mais saliente deste exercício: o Estado impõe um instrumento que não sabe utilizar. Mas sorri, porque, como diria Guardiola, “son cosas que pasan“. Siga.

Duas nótulas finais:

a expressão facial de Ferro Rodrigues e de Centeno é a de quem acabou de ler uma formulação ridícula como «reduzir em 50% do número de espaços afetos a estes serviços e reafectar cerca de 75% dos recursos humanos para serviço operacional» — é coisa de facto risível e presente na página 59 do Relatório que acabámos de apreciar; talvez convenha a Porto Editora e o ILTEC actualizarem as respectivas bases de dados: reafectar e reafectação existem; obviamente, a ausência de tais entradas, nomeadamente no Portal da Língua Portuguesa, impede que o Lince actue e isso é óptimo para quem denuncia a estupidez de todo o processo AO90, mas prefiro que os dicionários e os corpora reflictam a realidade e a realidade diz-nos que reafectar e reafectação existem.

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Esta reafectação parece-me ser extremamente problemática. — Marie-Hélène Aubert À un moment, elle se fait tej par son keum et elle se réveille à oualpé dans un champ de blé. Du coup, elle est trop déprimée, elle a le seum de la vie, elle se suicide. — Jean Rochefort Com certeza. — António Costa

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Exactamente: “com certeza”. Foi a resposta do primeiro-ministro, quando interrogado sobre a confiança em relação à aprovação do OE2018. Infelizmente, não perguntaram a António Costa acerca da qualidade técnica do OE2018. A certeza acerca da aprovação de um diploma depende de uma avaliação do desenrolar de negociações e da celebração de acordos entre partes: neste caso, entre PS, PCP, PEV e BE. E o primeiro-ministro, obviamente, “com certeza”. Agora. Porque, há uns anos, perante um documento exactamente com as mesmas falhas técnicas, António Costa votou contra a proposta do Governo.

Todavia, a certeza quanto à qualidade técnica de um documento depende de uma leitura pormenorizada e de alguma bagagem relativamente a aspectos concretos. Por exemplo (e fica como alerta para o futuro próximo), se alguém acreditar que “agora facto é igual a fato (de roupa)”, o OE2018?, claro que sim, com certeza, pois, pois, evidentemente, façamos de conta que aquilo não aconteceu e regressemos, retomando a deixa da epígrafe do já saudoso Rochefort, ao nosso Charles «puis la dépense du ménage, à présent que la cuisinière était maîtresse, devenait effrayante ; les notes pleuvaient dans la maison», com a vantagem de termos literatura de qualidade em relação ao Orçamento (neste caso, o familiar). Depois deste singular intervalo e depois de este momento vos interpelar, vejamos então os aspectos mais importantes do OE2018.

Trata-se, efectivamente, como diz Mário Centeno, de um orçamento “de continuidade“. O mesmo, aliás, dissera Heloísa Apolónia sobre o texto de 2015. Infelizmente, em vez da ruptura desejada, em relação ao desaste orçamental iniciado em 2012 e continuado em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, este texto de 2018 é mais do mesmo, como se prevê, ao ler a eletricidade da página 190 e a electricidade da página 210 ou o janeiro da página 318 e o Janeiro da página 327 da proposta do Orçamento do Estado para 2018.

Debrucemo-nos então sobre alguns exemplos do Relatório do Orçamento do Estado para 2018:

p. 93 despesa do subsector Estado;

p. 106 despesa do subsetor Estado;

p. 223 o sector da saúde;

p. 75 do setor da saúde:

p. 18 o mercado de trabalho deverá ser caracterizado;

p. 257 o MF prevê que 2017 se caraterize;

p. 3 as expectativas de crescimento foram revistas;

p. 8 confiança e expetativas dos empresários;

p. 19 a reafectação de recursos;

p. 79 através da afetação de uma verba;

p. 103 Investigação Científica de Carácter Geral

p. 91 compras públicas com caráter transversal;

p. 59 reafectar cerca de 75% dos recursos humanos;

p. 21 os riscos que mais podem afetar;

p. 153 Habitação e Serv. Colectivos;

p. 113 desenvolvimento individual e coletivo;

p. 66 total da despesa no âmbito de projectos;

p. 66 Projetos – Por Tipo de Despesa e Fonte de Financiamento;

p. 67 Despesa Efectiva excluindo transf. do OE;

p. 66 Despesa Efetiva;

p. 195 uma trajectória descendente ainda em 2017;

p. 195 uma trajetória descendente e persistente;

p. 195 em 2,6% do PIB e em 2,9%, respectivamente;

p. 194 para o S1 e S2, respetivamente;

p. 226 Aquisição líquida de activos financeiros (excepto privatizações);

p. 226 da aquisição líquida de ativos financeiros em cerca de 1,0 mil milhões;

p. 15 exceto sociedades de seguros e fundos de pensões;

p. 241 Fornecedores – Facturas em recepção e conferência;

p. 202 Número de faturas comunicadas à AT;

(felizmente, não há ocorrências de receção)

p. 95 PROTECÇÃO SOCIAL DE BASE;

p. 137 melhorar a proteção social das pessoas com deficiência ou incapacidade;

p. 97 SEGURANÇA E ACÇÃO SOCIAL;

p. 99 desenvolvimento sustentável da ação social;

p. 44 A partir de 1 de Janeiro de 2018 será ainda reposto;

p. 47 já a partir de 1 de janeiro de 2018;

p. 30 existiam em Fevereiro de 2016 divergências;

p. 30 documento de 5 de fevereiro de 2016.

Através destes exemplos, ficamos com mais um pequeno apanhado do desastre ortográfico em curso. Todavia, parece que ninguém se preocupa com o dado mais saliente deste exercício: o Estado impõe um instrumento que não sabe utilizar. Mas sorri, porque, como diria Guardiola, “son cosas que pasan“. Siga.

Duas nótulas finais:

a expressão facial de Ferro Rodrigues e de Centeno é a de quem acabou de ler uma formulação ridícula como «reduzir em 50% do número de espaços afetos a estes serviços e reafectar cerca de 75% dos recursos humanos para serviço operacional» — é coisa de facto risível e presente na página 59 do Relatório que acabámos de apreciar; talvez convenha a Porto Editora e o ILTEC actualizarem as respectivas bases de dados: reafectar e reafectação existem; obviamente, a ausência de tais entradas, nomeadamente no Portal da Língua Portuguesa, impede que o Lince actue e isso é óptimo para quem denuncia a estupidez de todo o processo AO90, mas prefiro que os dicionários e os corpora reflictam a realidade e a realidade diz-nos que reafectar e reafectação existem.

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