Como o Ministério Público vê as culpas pelo rodapé da TVI que tirou quase €1.000 milhões ao Banif

07-11-2019
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“Última Hora – Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do banco. A parte boa vai para a Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas e depositantes acima dos 100 mil euros e muitos despedimentos”. O diretor de informação da TVI sabia que as notas de rodapé que, às 22h18 de 13 de dezembro de 2015, apontavam para o fecho do Banif e para perdas em depositantes poderiam conter teor “falso”, mas não evitou a sua publicação. Aliás, Sérgio Figueiredo “previu e quis revelar e divulgar/tornar público tal notícia”, mesmo sabendo que “seria ofensiva da imagem e competência económica do Banif”. Estas são razões para a acusação que o Ministério Público deduziu, em março deste ano, contra o número um da informação da estação de Queluz de Baixo e contra a própria TVI, e cuja versão integral foi obtida pelo Expresso. Segundo a acusação da procuradora-adjunta Gabriela da Costa, noticiada inicialmente pelo Correio da Manhã, Sérgio Figueiredo praticou “em autoria material e na forma consumada um crime de desobediência qualificada” e, “em autoria material, um crime de ofensa à reputação económica”. Deste último, também a TVI foi acusada. O primeiro ponto deve-se ao facto de, quase quatro anos depois, continuar por ser revelado o jornalista autor da notícia de rodapé da TVI24 – Sérgio Figueiredo recusa dizê-lo e já tinha assumido a total responsabilidade no caso na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. O segundo é porque a notícia foi dada numa semana que antecedeu a saída de quase mil milhões de euros – e, segundo a acusação, foi dada com consciência da falsidade dos factos noticiados. A comissão de inquérito ao Banif, cujos trabalhos terminaram em 2016, tinha deixado em aberto que o Ministério Público pudesse diligenciar para apurar qualquer violação legal, sendo que concluiu que a notícia não era verdadeira, que tinha “criado um stress na liquidez do banco”, mas que não havia indícios de que tinha sido ela a determinar a resolução do banco. Já a acusação do Ministério Público diz que foi na “sequência da notícia divulgada na TVI” que “ a situação de liquidez do Banif degradou-se pela diminuição dos depósitos dos clientes, que caíram 984 milhões entre os dias 14 e 21 de dezembro”. A origem do inquérito O inquérito partiu de uma queixa da comissão liquidatária do Banif, o banco que, uma semana depois da notícia, foi alvo de uma medida de resolução (que ditou a divisão do banco em três entidades), era 20 de dezembro de 2015. O Ministério Público decidiu acompanhar a comissão liquidatária, tendo em março encerrado o inquérito com a acusação. Só que a TVI e Sérgio Figueiredo pediram a instrução do processo, em que um juiz realiza diligências adicionais para decidir se efetivamente há razões para o julgamento ou se deverão ser arquivadas as conclusões. É essa a fase em que o caso se encontra. Sérgio Figueiredo foi sujeito a termo de identidade e residência, a medida de coação mais leve para um arguido. Contactada pelo Expresso, a TVI, da Media Capital, não quis fazer comentários, mas o Expresso sabe que esteve já agendado o debate instrutório (em que as várias partes são confrontadas com o caso).

José Oliveira

As imputações do Ministério Público Nas suas conclusões, o Ministério Público é duro para com Sérgio Figueiredo. “Teve conhecimento que a dita notícia iria ser divulgada e não assegurou ao Banif a possibilidade de se pronunciar em momento prévio à divulgação de tal notícia, nem se asseverou, com segurança, da fiabilidade das informações que possuía”, disse. A correção foi feita depois de publicada a notícia, “situação que não evitou a propalação da notícia e criação de alerta junto dos depositantes desta instituição bancária”. Naquele dia de 2015, foram sendo feitas alterações ao texto, com a última versão a ficar estabilizada pelas 23h06. “Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco. Está em estudo recorrer à Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas. Depositantes salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros. Esta é uma notícia que vai ser desenvolvida e analisada na TVI24 à meia-noite”. Já não há referência a fecho, nem a perdas para depositantes. Mesmo assim, na semana a seguir ao rodapé, saíram do Banif recursos de clientes (depósitos), de 984 milhões de euros, bem como se verificou uma queda expressiva das ações. O montante não é novo e já tinha sido referido na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. Naquela semana, esperavam-se propostas para a compra do banco. Não foram suficientemente boas e a resolução – que passou ativos e passivos para o Santander, que transferiu imóveis e malparado para um veículo denominado Oitante e que manteve no Banif ativos residuais – ocorreu a 20 de dezembro. “O arguido não se assegurou da veracidade da notícia emitida em nota de rodapé, como era o seu dever e como diretor de informação da TVI24 lhe era exigível, não se opondo a que a notícia falsa fosse difundida, bem sabendo que a ser verdadeiro ou falso tal conteúdo, era prejudicial e ofensivo da credibilidade, consideração e prestígio, confiança e reputação na entidade bancária em causa”, continua ainda a procuradora-adjunta, que refere que “poderia ter diligenciado por apurar junto do Banif ou do Banco de Portugal se o teor da mesma representava o que estava a ocorrer ou poderia ocorrer”. Não o fez, e fê-lo de forma “livre” e “deliberadamente e conscientemente bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei”. Sérgio Figueiredo continua também sem revelar o autor da notícia, mesmo quando notificado judicialmente para o fazer, em 2016: “O arguido livre e deliberada e conscientemente não informou a autoridade judiciária da identidade do autor de tal escrito”.

A defesa: mensageiro mais importante que mensagem À Lusa, em julho (quando anunciou o pedido de abertura de instrução), Sérgio Figueiredo defendeu-se ao indicar que o Ministério Público tinha as prioridades trocadas. “Acho estranho que num país em que os banqueiros conseguiram destruir praticamente todo o negócio bancário que o país tinha em sete ou oito anos, que muitos desses processos resultaram em vários tipos de intervenção do Estado - alguns na extinção dos bancos que existiam -, que os reguladores permitiram tudo isso (...), nunca preveniram a morte [das instituições], se esteja a discutir uma notícia de rodapé”, declarou, na altura. BdP, Banif e TVI ouvidos, Governo nem por isso Neste processo, o Ministério Público ouviu 14 testemunhas, antes da sua decisão final. Nesse leque, havia três representantes do Banco de Portugal, desde logo o governador, Carlos Costa, mas também um ex-vice-governador, José Berberan Ramalho, e um ex-administrador, António Varela. Entre este grupo, encontram-se três antigos membros do Banif, como Jorge Tomé, ex-presidente executivo, e oito elementos da redação da TVI, entre jornalistas, editores e diretores. Nos seus testemunhos, a estação diz que criou um grupo de trabalho para estudar o Banif, depois de uma entrevista de António Costa. Apesar de o Ministério das Finanças ter – tal como o Banif e o Banco de Portugal – emitido um comunicado naqueles dias, tomando uma posição pública sobre o tema, não houve nenhuma testemunha do Executivo convocada.

“Última Hora – Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do banco. A parte boa vai para a Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas e depositantes acima dos 100 mil euros e muitos despedimentos”. O diretor de informação da TVI sabia que as notas de rodapé que, às 22h18 de 13 de dezembro de 2015, apontavam para o fecho do Banif e para perdas em depositantes poderiam conter teor “falso”, mas não evitou a sua publicação. Aliás, Sérgio Figueiredo “previu e quis revelar e divulgar/tornar público tal notícia”, mesmo sabendo que “seria ofensiva da imagem e competência económica do Banif”. Estas são razões para a acusação que o Ministério Público deduziu, em março deste ano, contra o número um da informação da estação de Queluz de Baixo e contra a própria TVI, e cuja versão integral foi obtida pelo Expresso. Segundo a acusação da procuradora-adjunta Gabriela da Costa, noticiada inicialmente pelo Correio da Manhã, Sérgio Figueiredo praticou “em autoria material e na forma consumada um crime de desobediência qualificada” e, “em autoria material, um crime de ofensa à reputação económica”. Deste último, também a TVI foi acusada. O primeiro ponto deve-se ao facto de, quase quatro anos depois, continuar por ser revelado o jornalista autor da notícia de rodapé da TVI24 – Sérgio Figueiredo recusa dizê-lo e já tinha assumido a total responsabilidade no caso na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. O segundo é porque a notícia foi dada numa semana que antecedeu a saída de quase mil milhões de euros – e, segundo a acusação, foi dada com consciência da falsidade dos factos noticiados. A comissão de inquérito ao Banif, cujos trabalhos terminaram em 2016, tinha deixado em aberto que o Ministério Público pudesse diligenciar para apurar qualquer violação legal, sendo que concluiu que a notícia não era verdadeira, que tinha “criado um stress na liquidez do banco”, mas que não havia indícios de que tinha sido ela a determinar a resolução do banco. Já a acusação do Ministério Público diz que foi na “sequência da notícia divulgada na TVI” que “ a situação de liquidez do Banif degradou-se pela diminuição dos depósitos dos clientes, que caíram 984 milhões entre os dias 14 e 21 de dezembro”. A origem do inquérito O inquérito partiu de uma queixa da comissão liquidatária do Banif, o banco que, uma semana depois da notícia, foi alvo de uma medida de resolução (que ditou a divisão do banco em três entidades), era 20 de dezembro de 2015. O Ministério Público decidiu acompanhar a comissão liquidatária, tendo em março encerrado o inquérito com a acusação. Só que a TVI e Sérgio Figueiredo pediram a instrução do processo, em que um juiz realiza diligências adicionais para decidir se efetivamente há razões para o julgamento ou se deverão ser arquivadas as conclusões. É essa a fase em que o caso se encontra. Sérgio Figueiredo foi sujeito a termo de identidade e residência, a medida de coação mais leve para um arguido. Contactada pelo Expresso, a TVI, da Media Capital, não quis fazer comentários, mas o Expresso sabe que esteve já agendado o debate instrutório (em que as várias partes são confrontadas com o caso).

José Oliveira

As imputações do Ministério Público Nas suas conclusões, o Ministério Público é duro para com Sérgio Figueiredo. “Teve conhecimento que a dita notícia iria ser divulgada e não assegurou ao Banif a possibilidade de se pronunciar em momento prévio à divulgação de tal notícia, nem se asseverou, com segurança, da fiabilidade das informações que possuía”, disse. A correção foi feita depois de publicada a notícia, “situação que não evitou a propalação da notícia e criação de alerta junto dos depositantes desta instituição bancária”. Naquele dia de 2015, foram sendo feitas alterações ao texto, com a última versão a ficar estabilizada pelas 23h06. “Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco. Está em estudo recorrer à Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas. Depositantes salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros. Esta é uma notícia que vai ser desenvolvida e analisada na TVI24 à meia-noite”. Já não há referência a fecho, nem a perdas para depositantes. Mesmo assim, na semana a seguir ao rodapé, saíram do Banif recursos de clientes (depósitos), de 984 milhões de euros, bem como se verificou uma queda expressiva das ações. O montante não é novo e já tinha sido referido na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. Naquela semana, esperavam-se propostas para a compra do banco. Não foram suficientemente boas e a resolução – que passou ativos e passivos para o Santander, que transferiu imóveis e malparado para um veículo denominado Oitante e que manteve no Banif ativos residuais – ocorreu a 20 de dezembro. “O arguido não se assegurou da veracidade da notícia emitida em nota de rodapé, como era o seu dever e como diretor de informação da TVI24 lhe era exigível, não se opondo a que a notícia falsa fosse difundida, bem sabendo que a ser verdadeiro ou falso tal conteúdo, era prejudicial e ofensivo da credibilidade, consideração e prestígio, confiança e reputação na entidade bancária em causa”, continua ainda a procuradora-adjunta, que refere que “poderia ter diligenciado por apurar junto do Banif ou do Banco de Portugal se o teor da mesma representava o que estava a ocorrer ou poderia ocorrer”. Não o fez, e fê-lo de forma “livre” e “deliberadamente e conscientemente bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei”. Sérgio Figueiredo continua também sem revelar o autor da notícia, mesmo quando notificado judicialmente para o fazer, em 2016: “O arguido livre e deliberada e conscientemente não informou a autoridade judiciária da identidade do autor de tal escrito”.

A defesa: mensageiro mais importante que mensagem À Lusa, em julho (quando anunciou o pedido de abertura de instrução), Sérgio Figueiredo defendeu-se ao indicar que o Ministério Público tinha as prioridades trocadas. “Acho estranho que num país em que os banqueiros conseguiram destruir praticamente todo o negócio bancário que o país tinha em sete ou oito anos, que muitos desses processos resultaram em vários tipos de intervenção do Estado - alguns na extinção dos bancos que existiam -, que os reguladores permitiram tudo isso (...), nunca preveniram a morte [das instituições], se esteja a discutir uma notícia de rodapé”, declarou, na altura. BdP, Banif e TVI ouvidos, Governo nem por isso Neste processo, o Ministério Público ouviu 14 testemunhas, antes da sua decisão final. Nesse leque, havia três representantes do Banco de Portugal, desde logo o governador, Carlos Costa, mas também um ex-vice-governador, José Berberan Ramalho, e um ex-administrador, António Varela. Entre este grupo, encontram-se três antigos membros do Banif, como Jorge Tomé, ex-presidente executivo, e oito elementos da redação da TVI, entre jornalistas, editores e diretores. Nos seus testemunhos, a estação diz que criou um grupo de trabalho para estudar o Banif, depois de uma entrevista de António Costa. Apesar de o Ministério das Finanças ter – tal como o Banif e o Banco de Portugal – emitido um comunicado naqueles dias, tomando uma posição pública sobre o tema, não houve nenhuma testemunha do Executivo convocada.

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