António Costa, o produtor de promessas

04-11-2019
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1. António Costa fez questão de garantir que com ele não haverá pântano, numa alusão indireta, mas explícita e não muito simpática, a Guterres, que saiu depois de umas autárquicas perdidas, invocando precisamente o risco de o país entrar num pântano político. Tal como o atual secretário-geral da ONU, Costa não tem uma maioria absoluta na Assembleia da República e terá de fazer muita ginástica política para se aguentar. Com a sua afirmação, Costa reconhece objetivamente que as autárquicas serão um momento determinante. Ao falar de um pântano e garantir que ele não se repetirá, não mostra força, mas fraqueza. Isto porque admite à distância que as autárquicas serão um verdadeiro momento decisivo, como Rui Rio afirma.

2. Ninguém percebeu a razão da estranha estrutura do Governo e o seu gigantismo, cheio de áreas que potencialmente se encavalitam. Mas, pensando bem, faz sentido da parte de António Costa. Sabendo-se como o primeiro-ministro tem a promessa fácil, a explicação deve estar aí. O Governo tem 70 membros, o que significa que terá 70 chefes de gabinete e cerca de 400 adjuntos. Ora, tamanho exército pode facilmente fazer dez reuniões diárias, avançando com promessas inerentes às organizações e pessoas singulares ou coletivas que pretendam alguma coisa, tenham eles projetos, ideias ou problemas mais ou menos graves e prementes. Sendo certo que os portugueses adoram ser recebidos por gente importante, mesmo que subliminarmente saibam que de nada serve e que a probabilidade de resolução dos assuntos é baixa ou nula, há sempre uma expetativa que se cria. E criar expetativas virtuais, prometer, empurrar com a barriga ou chutar para canto são métodos a que temos assistidos nos últimos quatro anos. Mas vamos a contas: dez reuniões de promessas ou “empatanço” multiplicadas por 70 dá 700 não decisões e promessas num único dia, o que multiplicado por 300 dias úteis políticos por ano (há que ver que os sábados contam) daria 21 mil promessas num ano e 84 mil numa legislatura. Quanto ao programa do Governo, nada a dizer – assinale-se que os ministros não o fizeram, apenas dele tiveram conhecimento na reunião que se seguiu à posse.

3. Neste espaço tinha-se dito, logo no dia em que se soube da escolha de Nuno Artur Silva para secretário de Estado dos Média e mais umas quantas coisas, que a história da venda das Produções Fictícias e do Canal Q tinha de ser explicada quanto aos compradores. Cheirava a esturro. O cozinhado queimou mesmo. Afinal, foi o sobrinho que comprou, apoiado no argumento de que era um dos gestores da empresa, havendo até nota de que só terá de pagar a fatura daqui a dois anos. Uma chico-espertice legal, mas que não deixa de o ser. Aliás, a mesma que terá levado a certas contratações para a RTP de funcionários do Canal Q.

4. Tomás Correia abandonou a liderança da Associação Mutualista Montepio, mas sabe-se que vai continuar a andar por lá ativamente, até porque ficam os seus acólitos. O anúncio de saída foi feito de surpresa numa reunião do conselho-geral, quando já era óbvio que a entidade reguladora que fiscaliza o Montepio lhe ia retirar a idoneidade. Agora é preciso ver em profundidade como está o grupo nos seus meandros económico-financeiros. Simultaneamente, é essencial promover uma renovação na liderança da associação, o que só se faz com eleições reconhecidamente participadas e transparentes. Há, aliás, sinais preocupantes de que estão em curso manobras para que o sistema de opacidade se mantenha, prejudicando opções alternativas. Quem fiscaliza e quem garante a idoneidade do próximo processo eleitoral? Achar que tudo o que se passa no vasto universo do Montepio é apenas matéria técnica e financeira é absurdo. Há responsabilidades políticas a apurar em todos os setores, porque o Montepio sempre foi um melting pot.

5. José Sócrates clama inocência. Como diria o seu amigo de vida e número dois António Costa, o ex-líder socialista defende a sua verdade. Culpado ou inocente não é propriamente o que vem para o caso aqui. É preciso, sim, reafirmar que uma justiça lenta favorece os culpados e penaliza os inocentes. Goste-se ou não de Sócrates, Salgado, Bava ou Granadeiro e muitos outros, o arrastamento dos processos retira toda a credibilidade às sentenças, quaisquer que elas sejam.

6. Dentro de sensivelmente três anos realiza-se em Lisboa e Loures a Jornada Mundial da Juventude. O Papa virá e esperam-se mais de um milhão de jovens. A zona ribeirinha de Loures tem de ser completamente remodelada para o evento, aproveitando-se para obras de melhoria permanentes. Seria conveniente remover o enorme terminal de contentores. São precisas novas vias de acesso. O problema é que nada está feito. Vai ser tudo a mata-cavalos e, de certeza, mais caro. Os contribuintes que se preparem para mais uns enriquecimentos súbitos.

7. É gratificante saber de terras que não esquecem os seus filhos mais ilustres. Recentemente, forças vivas de todos os quadrantes homenagearam João Calvão da Silva, um eminente catedrático e reconhecido político social-democrata, originário de Montalegre, concretamente de Solveira, prematuramente desaparecido. Associou-se à homenagem o município vizinho de Boticas. Fernando Nogueira, ex-líder do PSD e amigo de vida de Calvão da Silva, esteve presente. Na altura disse que devem existir mais homenagens, já que hoje “vivemos na tirania do efémero”. Sábias palavras de um homem também excecional.

Escreve à quarta-feira

1. António Costa fez questão de garantir que com ele não haverá pântano, numa alusão indireta, mas explícita e não muito simpática, a Guterres, que saiu depois de umas autárquicas perdidas, invocando precisamente o risco de o país entrar num pântano político. Tal como o atual secretário-geral da ONU, Costa não tem uma maioria absoluta na Assembleia da República e terá de fazer muita ginástica política para se aguentar. Com a sua afirmação, Costa reconhece objetivamente que as autárquicas serão um momento determinante. Ao falar de um pântano e garantir que ele não se repetirá, não mostra força, mas fraqueza. Isto porque admite à distância que as autárquicas serão um verdadeiro momento decisivo, como Rui Rio afirma.

2. Ninguém percebeu a razão da estranha estrutura do Governo e o seu gigantismo, cheio de áreas que potencialmente se encavalitam. Mas, pensando bem, faz sentido da parte de António Costa. Sabendo-se como o primeiro-ministro tem a promessa fácil, a explicação deve estar aí. O Governo tem 70 membros, o que significa que terá 70 chefes de gabinete e cerca de 400 adjuntos. Ora, tamanho exército pode facilmente fazer dez reuniões diárias, avançando com promessas inerentes às organizações e pessoas singulares ou coletivas que pretendam alguma coisa, tenham eles projetos, ideias ou problemas mais ou menos graves e prementes. Sendo certo que os portugueses adoram ser recebidos por gente importante, mesmo que subliminarmente saibam que de nada serve e que a probabilidade de resolução dos assuntos é baixa ou nula, há sempre uma expetativa que se cria. E criar expetativas virtuais, prometer, empurrar com a barriga ou chutar para canto são métodos a que temos assistidos nos últimos quatro anos. Mas vamos a contas: dez reuniões de promessas ou “empatanço” multiplicadas por 70 dá 700 não decisões e promessas num único dia, o que multiplicado por 300 dias úteis políticos por ano (há que ver que os sábados contam) daria 21 mil promessas num ano e 84 mil numa legislatura. Quanto ao programa do Governo, nada a dizer – assinale-se que os ministros não o fizeram, apenas dele tiveram conhecimento na reunião que se seguiu à posse.

3. Neste espaço tinha-se dito, logo no dia em que se soube da escolha de Nuno Artur Silva para secretário de Estado dos Média e mais umas quantas coisas, que a história da venda das Produções Fictícias e do Canal Q tinha de ser explicada quanto aos compradores. Cheirava a esturro. O cozinhado queimou mesmo. Afinal, foi o sobrinho que comprou, apoiado no argumento de que era um dos gestores da empresa, havendo até nota de que só terá de pagar a fatura daqui a dois anos. Uma chico-espertice legal, mas que não deixa de o ser. Aliás, a mesma que terá levado a certas contratações para a RTP de funcionários do Canal Q.

4. Tomás Correia abandonou a liderança da Associação Mutualista Montepio, mas sabe-se que vai continuar a andar por lá ativamente, até porque ficam os seus acólitos. O anúncio de saída foi feito de surpresa numa reunião do conselho-geral, quando já era óbvio que a entidade reguladora que fiscaliza o Montepio lhe ia retirar a idoneidade. Agora é preciso ver em profundidade como está o grupo nos seus meandros económico-financeiros. Simultaneamente, é essencial promover uma renovação na liderança da associação, o que só se faz com eleições reconhecidamente participadas e transparentes. Há, aliás, sinais preocupantes de que estão em curso manobras para que o sistema de opacidade se mantenha, prejudicando opções alternativas. Quem fiscaliza e quem garante a idoneidade do próximo processo eleitoral? Achar que tudo o que se passa no vasto universo do Montepio é apenas matéria técnica e financeira é absurdo. Há responsabilidades políticas a apurar em todos os setores, porque o Montepio sempre foi um melting pot.

5. José Sócrates clama inocência. Como diria o seu amigo de vida e número dois António Costa, o ex-líder socialista defende a sua verdade. Culpado ou inocente não é propriamente o que vem para o caso aqui. É preciso, sim, reafirmar que uma justiça lenta favorece os culpados e penaliza os inocentes. Goste-se ou não de Sócrates, Salgado, Bava ou Granadeiro e muitos outros, o arrastamento dos processos retira toda a credibilidade às sentenças, quaisquer que elas sejam.

6. Dentro de sensivelmente três anos realiza-se em Lisboa e Loures a Jornada Mundial da Juventude. O Papa virá e esperam-se mais de um milhão de jovens. A zona ribeirinha de Loures tem de ser completamente remodelada para o evento, aproveitando-se para obras de melhoria permanentes. Seria conveniente remover o enorme terminal de contentores. São precisas novas vias de acesso. O problema é que nada está feito. Vai ser tudo a mata-cavalos e, de certeza, mais caro. Os contribuintes que se preparem para mais uns enriquecimentos súbitos.

7. É gratificante saber de terras que não esquecem os seus filhos mais ilustres. Recentemente, forças vivas de todos os quadrantes homenagearam João Calvão da Silva, um eminente catedrático e reconhecido político social-democrata, originário de Montalegre, concretamente de Solveira, prematuramente desaparecido. Associou-se à homenagem o município vizinho de Boticas. Fernando Nogueira, ex-líder do PSD e amigo de vida de Calvão da Silva, esteve presente. Na altura disse que devem existir mais homenagens, já que hoje “vivemos na tirania do efémero”. Sábias palavras de um homem também excecional.

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