Empresas às voltas com a incerteza do inverno

14-11-2020
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No início deste ano, quando a covid-19 era apenas um surto localizado na China, os números oficiais mostravam que em 2019 as exportações portuguesas atingiram os €93,5 mil milhões, um valor nunca antes atingido e que representava um peso de 44% no produto interno bruto (PIB). Além disso, com o bom momento económico que a Europa — e outros países clientes de Portugal no mundo — estava a viver, as expectativas para 2020 eram muito animadoras. Mas entretanto a pandemia chegou à Europa — o principal cliente de Portugal —, depois à América do Sul e aos Estados Unidos, e ao mundo inteiro.

Em março, a maior parte dos países fechou, atirando as exportações portuguesas para o vermelho. Segundo dados do Banco de Portugal (BdP) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), a quebra foi de 24% em março e em abril e maio chegou aos 56% e 62%. Isto nas exportações de serviços. No comércio internacional de bens, inicialmente a descida foi de 12,9% (março), mas em abril e maio ascendeu a 41% e 39%. “Em 15 dias, a faturação caiu abruptamente e tivemos problemas no transporte. Por exemplo, chegar a Itália e ter de voltar para trás”, conta Nuno Rangel, CEO da Rangel, uma empresa de logística e transporte de mercadorias.

O primeiro impacto da pandemia foi, de facto, dramático. Mas assim que os países começaram a desconfinar e a aligeirar restrições, as exportações recuperaram, e em agosto a queda foi de 45% nos serviços e de 1,4% nos bens. Um comportamento que mostra bem a “vitalidade das empresas portuguesas”, diz o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Luís Castro Henriques. Mas neste momento o número de casos de covid na Europa está novamente a crescer e os principais clientes de Portugal — Espanha, França, Alemanha e Reino Unido — adotaram novas medidas de confinamento, e desta vez mais prolongadas do que na primeira vaga. Até Portugal vai entrar em estado de emergência a partir de segunda-feira.

Ninguém sabe como serão os próximos meses de 2020 nem como será o próximo ano, porque “ainda haverá pandemia em 2021”, como referiu a ministra da Saúde, Marta Temido, na quinta-feira à tarde, no Parlamento. E é essa incerteza que domina o dia a dia das empresas. Contudo, é nela que têm de continuar a trabalhar e com a certeza de que: “O que se passou em abril e maio não pode voltar a acontecer”, afirma Nuno Rangel.

Para isso é preciso continuar a reagir, refere Luís Castro Henriques, por exemplo apostando mais no comércio online, que foi uma grande ajuda na primeira vaga. E é preciso continuar a procurar novos mercados, para reduzir a exposição aos países europeus, como sugeriram o CEO do Novo Banco, António Ramalho, e o administrador da Quidgest, João Paulo Carvalho, na conferência de lançamento do projeto Mês das Exportações, uma iniciativa do Expresso e do Novo Banco que arrancou segunda-feira à tarde. E há vários exemplos disso.

Os casos de resistência

A empresa chama-se Summer Vanguard e produz e exporta mobiliário e serviços de decoração para hotéis, restaurantes ou clínicas, maioritariamente para a Costa do Marfim, Argélia e Marrocos. O nome é estrangeiro, porque os mercados assim o exigem, mas a empresa é portuguesa, de Paços de Ferreira, e quase todos os materiais que utiliza nos seus projetos são portugueses, como as loiças da SPAL ou as toalhas de mesa de têxteis nacionais. Ana Monteiro, a fundadora desta empresa, criada em 2015, conta ao Expresso que não sentiram muito o impacto da covid-19 porque continuaram sempre a trabalhar. “Nem sequer abrimos lay-off”, diz. O facto de trabalharem para África ajuda muito, mas nem por isso deixaram de procurar novos mercados, e recentemente até ganharam um projeto de 250 milhões de dólares na Arábia Saudita, dos quais 25% são para mobiliário e decoração. “Lutei muito para conseguir este trabalho, precisamente porque acho que as coisas não vão melhorar na Europa”, conta Ana Monteiro.

A DFJ Vinhos, um produtor da Região de Vinhos de Lisboa que exporta 99% da sua produção para 50 países, também reforçou os seus mercados, nomeadamente o da Noruega e dos EUA. Juntamente com outros reforços feitos antes da pandemia, por exemplo no Brasil, o negócio acabou por crescer bastante entre setembro de 2019 e setembro de 2020. No número de garrafas vendidas foi um aumento de 28%, para 7,4 milhões, e a faturação subiu 30,6%, para €11,8 milhões, refere o fundador e presidente da empresa, José Neiva Correia. Com 81 anos e várias crises ultrapassadas, considera-se um otimista bafejado pela sorte e por isso está tranquilo com as incertezas dos próximos meses. “Até setembro foi uma coisa, de setembro para a frente seja o que Deus quiser”, diz. Por isso é que investiu numa nova rotuladora e numa nova plataforma, para que os trabalhadores possam estar mais afastados (por causa da covid), e mantém a expectativa de vender 10 milhões de garrafas este ano e 15 milhões em 2021. Se Deus quiser.

Os números anteriores e após covid

Antes

€1390

milhões foi o montante atingido nas exportações portuguesas de serviços de turismo em abril de 2019, o sector mais afetado pela pandemia

€481

milhões foi o valor das exportações de produtos alimentares e bebidas em abril de 2019

€3231

milhões foi o valor dos bens negociados entre Portugal e os principais mercados na União Europeia

Depois

€202

milhões foi o montante atingido nas exportações de serviços de turismo em abril de 2020, menos 85% face ao mesmo período de 2019

€482

milhões foi o valor das exportações de produtos alimentares em abril de 2020, fazendo dele o sector mais resiliente da pandemia

€1823

milhões foi o valor do comércio de bens entre Portugal e a UE. Foi uma descida de 44%

Textos originalmente publicados no Expresso de 7 de novembro de 2020

No início deste ano, quando a covid-19 era apenas um surto localizado na China, os números oficiais mostravam que em 2019 as exportações portuguesas atingiram os €93,5 mil milhões, um valor nunca antes atingido e que representava um peso de 44% no produto interno bruto (PIB). Além disso, com o bom momento económico que a Europa — e outros países clientes de Portugal no mundo — estava a viver, as expectativas para 2020 eram muito animadoras. Mas entretanto a pandemia chegou à Europa — o principal cliente de Portugal —, depois à América do Sul e aos Estados Unidos, e ao mundo inteiro.

Em março, a maior parte dos países fechou, atirando as exportações portuguesas para o vermelho. Segundo dados do Banco de Portugal (BdP) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), a quebra foi de 24% em março e em abril e maio chegou aos 56% e 62%. Isto nas exportações de serviços. No comércio internacional de bens, inicialmente a descida foi de 12,9% (março), mas em abril e maio ascendeu a 41% e 39%. “Em 15 dias, a faturação caiu abruptamente e tivemos problemas no transporte. Por exemplo, chegar a Itália e ter de voltar para trás”, conta Nuno Rangel, CEO da Rangel, uma empresa de logística e transporte de mercadorias.

O primeiro impacto da pandemia foi, de facto, dramático. Mas assim que os países começaram a desconfinar e a aligeirar restrições, as exportações recuperaram, e em agosto a queda foi de 45% nos serviços e de 1,4% nos bens. Um comportamento que mostra bem a “vitalidade das empresas portuguesas”, diz o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Luís Castro Henriques. Mas neste momento o número de casos de covid na Europa está novamente a crescer e os principais clientes de Portugal — Espanha, França, Alemanha e Reino Unido — adotaram novas medidas de confinamento, e desta vez mais prolongadas do que na primeira vaga. Até Portugal vai entrar em estado de emergência a partir de segunda-feira.

Ninguém sabe como serão os próximos meses de 2020 nem como será o próximo ano, porque “ainda haverá pandemia em 2021”, como referiu a ministra da Saúde, Marta Temido, na quinta-feira à tarde, no Parlamento. E é essa incerteza que domina o dia a dia das empresas. Contudo, é nela que têm de continuar a trabalhar e com a certeza de que: “O que se passou em abril e maio não pode voltar a acontecer”, afirma Nuno Rangel.

Para isso é preciso continuar a reagir, refere Luís Castro Henriques, por exemplo apostando mais no comércio online, que foi uma grande ajuda na primeira vaga. E é preciso continuar a procurar novos mercados, para reduzir a exposição aos países europeus, como sugeriram o CEO do Novo Banco, António Ramalho, e o administrador da Quidgest, João Paulo Carvalho, na conferência de lançamento do projeto Mês das Exportações, uma iniciativa do Expresso e do Novo Banco que arrancou segunda-feira à tarde. E há vários exemplos disso.

Os casos de resistência

A empresa chama-se Summer Vanguard e produz e exporta mobiliário e serviços de decoração para hotéis, restaurantes ou clínicas, maioritariamente para a Costa do Marfim, Argélia e Marrocos. O nome é estrangeiro, porque os mercados assim o exigem, mas a empresa é portuguesa, de Paços de Ferreira, e quase todos os materiais que utiliza nos seus projetos são portugueses, como as loiças da SPAL ou as toalhas de mesa de têxteis nacionais. Ana Monteiro, a fundadora desta empresa, criada em 2015, conta ao Expresso que não sentiram muito o impacto da covid-19 porque continuaram sempre a trabalhar. “Nem sequer abrimos lay-off”, diz. O facto de trabalharem para África ajuda muito, mas nem por isso deixaram de procurar novos mercados, e recentemente até ganharam um projeto de 250 milhões de dólares na Arábia Saudita, dos quais 25% são para mobiliário e decoração. “Lutei muito para conseguir este trabalho, precisamente porque acho que as coisas não vão melhorar na Europa”, conta Ana Monteiro.

A DFJ Vinhos, um produtor da Região de Vinhos de Lisboa que exporta 99% da sua produção para 50 países, também reforçou os seus mercados, nomeadamente o da Noruega e dos EUA. Juntamente com outros reforços feitos antes da pandemia, por exemplo no Brasil, o negócio acabou por crescer bastante entre setembro de 2019 e setembro de 2020. No número de garrafas vendidas foi um aumento de 28%, para 7,4 milhões, e a faturação subiu 30,6%, para €11,8 milhões, refere o fundador e presidente da empresa, José Neiva Correia. Com 81 anos e várias crises ultrapassadas, considera-se um otimista bafejado pela sorte e por isso está tranquilo com as incertezas dos próximos meses. “Até setembro foi uma coisa, de setembro para a frente seja o que Deus quiser”, diz. Por isso é que investiu numa nova rotuladora e numa nova plataforma, para que os trabalhadores possam estar mais afastados (por causa da covid), e mantém a expectativa de vender 10 milhões de garrafas este ano e 15 milhões em 2021. Se Deus quiser.

Os números anteriores e após covid

Antes

€1390

milhões foi o montante atingido nas exportações portuguesas de serviços de turismo em abril de 2019, o sector mais afetado pela pandemia

€481

milhões foi o valor das exportações de produtos alimentares e bebidas em abril de 2019

€3231

milhões foi o valor dos bens negociados entre Portugal e os principais mercados na União Europeia

Depois

€202

milhões foi o montante atingido nas exportações de serviços de turismo em abril de 2020, menos 85% face ao mesmo período de 2019

€482

milhões foi o valor das exportações de produtos alimentares em abril de 2020, fazendo dele o sector mais resiliente da pandemia

€1823

milhões foi o valor do comércio de bens entre Portugal e a UE. Foi uma descida de 44%

Textos originalmente publicados no Expresso de 7 de novembro de 2020

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