Da eutanásia atrasada à comissão suspensa após 7 minutos. A política que o coronavírus pôs na gaveta

02-04-2020
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Pedimos desculpa pela interrupção, a política como a conhecíamos segue dentro de momentos. Com a crise do coronavírus todos os partidos orientaram a sua ação para a resposta ao surto. É o mais urgente, é onde todos se concentram. E se o estilo mudou — como uma oposição mais suave — houve muitos projetos que ficaram em suspenso e que serão retomados com o prazo impreciso de “quando tudo isto passar“. A eutanásia, que estava na especialidade, já não vai entrar em vigor tão cedo; a revisão constitucional caiu, pelo menos, no período ordinário; e na terça-feira da semana passada houve uma comissão parlamentar de inquérito (às fraudes dos incêndios) que iniciou os trabalhos e foi suspensa pouco mais de sete minutos depois.

Havia outros assuntos já com data marcada para debate, como a regulamentação do olival intensivo no Alentejo, a imposição de declarar a pertença à maçonaria ou ao Opus Dei ou a regulamentação do lobbying que foram adiados. O próprio governo já pediu para adiar obrigações que tinha perante os deputados. Exemplo disso foi um ofício enviado ao Parlamento em que o executivo pediu a suspensão do prazo de entrega (que ocorre a 31 de março) do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). O relatório mostra a situação do país em matéria de segurança interna, bem como a atividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior.

Os partidos concordam que, mesmo sendo importante, a maior parte do processo legislativo em curso não era urgente. Já a crise sanitária e a consequente crise económica que parece inevitável vai precisar de toda a atenção dos deputados.

O vice-presidente da bancada do PS, Pedro Delgado Alves, explica ao Observador que foi necessário “reajustar o calendário” para “dar prioridade a tudo o que está relacionado com a doença, passando tudo o resto a estar adiado sine die“. Para já, o PS não vai deixar cair nenhum projeto, mas tudo será “reavaliado caso a caso no dia seguinte a terminar o estado de emergência“.

Havia um maior risco de se perderem projetos caso a legislatura estivesse a acabar, uma vez que nesse caso havia a “caducidade”dos mesmos. Como está no início e ainda faltam três sessões legislativas, o que vai acontecer é que os projetos passam para a sessão legislativa seguinte. Pedro Delgado Alves recorda que, “por regra, a primeira sessão legislativa é sempre diferente das outras. Tem pouco tempo. No final do ano tem toda a discussão de início de legislatura, com a discussão de programa de governo, depois tem orçamento e nem tudo se consegue concluir até ao final da sessão”. Isto ainda a encurta mais: “A diferença agora é que vão ser muito mais as coisas que passarão para a sessão legislativa seguinte“.

Surto travou novo líder na bancada: “Não nos vamos distrair com outras coisas”

O vice-presidente da bancada do PSD, Adão Silva, ainda não foi promovido por culpa do surto. Só não é já o líder parlamentar do PSD — é ele quem substituirá Rui Rio já que é o único candidato — porque a crise do coronavírus atirou as eleições (que deviam realizar-se a 19 de março) para mais tarde. Ao Observador, Adão Silva explica que o agendamento potestativo do PSD — sobre uma rede nacional de cuidados paliativos — não foi adiado “foi mesmo eliminado” e será “retomado um dia destes”. Isto porque o entendimento do PSD é que — declarado o estado de emergência — “o processo legislativo deve ser liderado pelo governo.”

Na leitura do PSD, a Assembleia da República “não deve entrar num processo de competição legislativa” com o governo. Quando assim entender, o PSD “fará propostas de alteração que achar convenientes”, mas não irá fazer “projetos de lei que façam competição com o governo”.

Para Adão Silva, a “marca temporal” para o PSD retomar o que agora deixa para trás é “quando tudo isto passar”. Agora, tudo o resto tem menos importância: “O que queremos é salvar Portugal. Todos empenhados nesta guerra. Não nos vamos distrair com outras coisas”.

Reavaliações, novas preocupações e efeitos secundários da cura

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, admite que, quando acabar este período de exceção, os vários projetos do partido serão “reavaliados” e serão “reequacionadas as prioridades”. O líder da bancada bloquista, em declarações ao Observador, destaca que, “a seguir a esta crise sanitária, vai ser necessário responder a uma crise económica” e que “há dois meses a realidade era muito diferente do que vai ser no fim deste período”. Houve propostas que o Bloco fez num clima de redução do desemprego e crescimento económico que serão menos “urgentes” após os efeitos do coronavírus, que vai exigir outro tipo de respostas.

Já o PCP, através do líder parlamentar João Oliveira, prevê retomar todos os projetos quando passar este período: “Não há necessidade de qualquer tipo de correção. Não há nada que caduque”. Sobre a redefinição de prioridades (dando primazia ao que está relacionado com o surto), João Oliveira lembra ao Observador que isso já “está transformado em prática real”, já que os agendamentos para o plenário “na prática têm-se resumido às iniciativas legislativas” direcionadas a responder ao problema que o país enfrenta.

João Oliveira lembra que o surto tem “implicações transversais” a todos os setores, que sentem o que chama de “efeitos secundários da cura”. “A saúde, a educação, o trabalho têm repercussões indiretas nesta questão. Agora não creio que deixemos cair problemas que vinham de trás. Por exemplo, na agricultura já tínhamos medidas de salvaguarda de bens alimentares, no apoio à produção nacional, que agora mantêm-se, mas acrescentam-se outros problemas, outras preocupações”, esclarece.

Também o líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, explica como os temas que eram as prioridades do CDS serão todos “forçosamente” atirados mais para a frente. Da economia à educação todos os deputados centrista tentam agora centrar-se na resposta ao surto nas mais variadas áreas. E dá exemplos: “Se tínhamos antes um conjunto de propostas para melhorar o sistema educativo, para nós o mais importante é como se garante que as aulas continuem em casa; se queríamos melhorar o SNS, a nossa preocupação agora é como ele sobrevive”.

Telmo Correia considera que neste momento a “urgência” da situação “sobrepõe-se a tudo o resto”. E prevê igualmente que, nos meses que se seguirem ao fim da crise sanitária, o CDS vai continuar dedicado a este assunto, já que vai ser preciso recuperar as empresas e assegurar o rendimento às famílias.

Eu cancelo, tu cancelas, nós cancelamos (Montijo e linha circular)

O PAN não se importou de deixar cair projetos que tinha, mas pede que o governo também suspenda os seus que não estão relacionados com o coronavírus. A líder do PAN, Inês Sousa Real, explica que os assuntos que ficam para trás são “importantes, mas o tempo excecional implica sentido de Estado” em prol de um “bem maior”. Este não é por isso, o “momento adequado para tratar desses temas”, já que agora é preciso “deixar o governo governar”.

Inês Sousa Real fala, no entanto, do “reverso da medalha”, alertando que o “adiamento não pode ser por parte do Parlamento” e por isso também apela “ao governo que o Aeroporto do Montijo e Linha Circular também fiquem em suspensos.” E acrescenta: “Demos um voto de confiança ao governo, é bom que retribua.”

Comissão de inquérito durou 7 minutos até ser suspensa

Mas afinal, quais foram os temas que iam ser debatidos e foram colocados na gaveta? Desde logo a comissão de inquérito às fraudes nos subsídios atribuídos às vítimas dos incêndios da zona centro. Logo a seguir ao plenário da última terça-feira, Ferro Rodrigues deu posse à comissão, que estava desfalcada (dois vice-presidentes não apareceram). E deixou logo o mote: “As maiores felicidades. O tempo em que estamos não é o mais lógico para esta comissão funcionar, mas tenho a dizer-vos que o presidente e a Mesa estarão à disposição para qualquer proposta que façam no sentido de suspender os tempos para começar os trabalhos mais tarde”. E despachou o processo de posse em cinco minutos. Quando se ia a levantar, voltou a sentar-se: “Ah, tenho que rubricar as folhas? Esta aqui, esta aqui. Esta aqui também?”.

Ferro lá saiu e a funcionária do Parlamento, munida de luvas e desinfetante, deixou o microfone impecavelmente limpo para o presidente da comissão, Paulo Rios Oliveira (do PSD). O social-democrata convidou os vice-presidentes a juntarem-se a ele, mas João Almeida (CDS) e Joaquim Barreto (PS) não estavam na sala.

O presidente da comissão lembrou que os trabalhos só se estavam a iniciar para cumprir “prazos regimentais” — que não foram contornados apesar da concordância de todos os partidos — mas sugeria que na próxima reunião se votasse a suspensão dos trabalhos. O líder parlamentar do Bloco, na sala, sugeria que a suspensão fosse decidida logo nesse dia para “não queimar reuniões”. Todos os grupos aderiram. A suspensão dos trabalhos foi aprovada por unanimidade e esta reunião zero durou pouco mais de sete minutos. A meio, Paulo Rios Oliveira começou a tossir após um gole de água e, como os tempos são diferentes, apressou-se a justificar: “Engasguei-me, engasguei-me“.

Revisão constitucional: uma morreu, outras duas foram adiadas

O período ordinário de revisão constitucional tinha sido aberto pelo Chega — e a discussão devia começar em abril — mas antes disso André Ventura desistiu do processo. Motivo: a situação provocada pelo novo coronavírus. “O estado de alerta em que se encontra o país, e a eventual declaração do estado de emergência não se coadunam com a apresentação de propostas de natureza de revisão constitucional, nem com a sua necessária discussão pública e a ponderação necessária para a levar a cabo”, disse o deputado do Chega na véspera da declaração do estado de emergência.

Uma das proposta de revisão constitucional do Chega era para que passasse a ser possível o internamento compulsivo (permitido apenas em questões mentais) para responder ao coronavírus, mas o estado de emergência permite-o sem alterações constitucionais.

As restantes alterações à Constituição pretendiam reintroduzir a prisão perpétua, bem como garantir a constitucionalidade da castração química de pedófilos.

Na verdade o processo de revisão constitucional não morre, até porque PSD e CDS continuam interessados em alterar a Constituição. A 12 março, quando Rio disse à bancada que ia avançar para a revisão constitucional ainda não se previa que o país entrasse em estado de emergência e, já aí, o presidente do PSD apontava para o final do ano.

Dias antes, o CDS prometia apresentar propostas para alterar a constituição a “breve trecho”. É esse breve trecho que agora fica comprometido e não o projeto que querem a apresentar. Ao Observador, Telmo Correia admite que os centristas continuam a querer alterar a Constituição, mas essa não é agora uma prioridade. E aproveita para mandar uma farpa a Ventura: “Não deixa de ser sintomático que quem queria alterar a Constituição por causa da pandemia, tenha desistido de a alterar por causa da pandemia”.

Eutanásia vai ter de esperar

A eutanásia foi aprovada na generalidade na Assembleia da República, mas baixou à especialidade. Neste processo, era necessário fazer audições a várias entidades para que fosse depois afinado um texto comum entre os vários projetos aprovados. Se tudo corresse como previsto, a eutanásia seria uma realidade no país em poucos meses, mas tudo isto será atrasado. A situação do coronavírus vai adiar toda a discussão em sede de especialidade, sem falar que, depois disso, ainda tem de voltar a ser submetida a uma votação final global.

O líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, comenta: “Bem, adiar a eutanásia, para nós nem é mau”. Já Adão Silva, vice-presidente do PSD, diz apenas que “não há tempo para falar sobre isso agora”. O líder parlamentar do PCP diz que o processo fica “comprometido” a curto prazo, já que a comissão onde iria decorrer o debate na especialidade nem vai estar a funcionar em moldes que permitam que ocorra esse debate e muito menos que haja audições. O PS, por Pedro Delgado Alves, limita-se a dizer: “É um processo na especialidade, que assim como todos os outros, vai ter de esperar uma altura mais oportuna”.

Pedimos desculpa pela interrupção, a política como a conhecíamos segue dentro de momentos. Com a crise do coronavírus todos os partidos orientaram a sua ação para a resposta ao surto. É o mais urgente, é onde todos se concentram. E se o estilo mudou — como uma oposição mais suave — houve muitos projetos que ficaram em suspenso e que serão retomados com o prazo impreciso de “quando tudo isto passar“. A eutanásia, que estava na especialidade, já não vai entrar em vigor tão cedo; a revisão constitucional caiu, pelo menos, no período ordinário; e na terça-feira da semana passada houve uma comissão parlamentar de inquérito (às fraudes dos incêndios) que iniciou os trabalhos e foi suspensa pouco mais de sete minutos depois.

Havia outros assuntos já com data marcada para debate, como a regulamentação do olival intensivo no Alentejo, a imposição de declarar a pertença à maçonaria ou ao Opus Dei ou a regulamentação do lobbying que foram adiados. O próprio governo já pediu para adiar obrigações que tinha perante os deputados. Exemplo disso foi um ofício enviado ao Parlamento em que o executivo pediu a suspensão do prazo de entrega (que ocorre a 31 de março) do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). O relatório mostra a situação do país em matéria de segurança interna, bem como a atividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior.

Os partidos concordam que, mesmo sendo importante, a maior parte do processo legislativo em curso não era urgente. Já a crise sanitária e a consequente crise económica que parece inevitável vai precisar de toda a atenção dos deputados.

O vice-presidente da bancada do PS, Pedro Delgado Alves, explica ao Observador que foi necessário “reajustar o calendário” para “dar prioridade a tudo o que está relacionado com a doença, passando tudo o resto a estar adiado sine die“. Para já, o PS não vai deixar cair nenhum projeto, mas tudo será “reavaliado caso a caso no dia seguinte a terminar o estado de emergência“.

Havia um maior risco de se perderem projetos caso a legislatura estivesse a acabar, uma vez que nesse caso havia a “caducidade”dos mesmos. Como está no início e ainda faltam três sessões legislativas, o que vai acontecer é que os projetos passam para a sessão legislativa seguinte. Pedro Delgado Alves recorda que, “por regra, a primeira sessão legislativa é sempre diferente das outras. Tem pouco tempo. No final do ano tem toda a discussão de início de legislatura, com a discussão de programa de governo, depois tem orçamento e nem tudo se consegue concluir até ao final da sessão”. Isto ainda a encurta mais: “A diferença agora é que vão ser muito mais as coisas que passarão para a sessão legislativa seguinte“.

Surto travou novo líder na bancada: “Não nos vamos distrair com outras coisas”

O vice-presidente da bancada do PSD, Adão Silva, ainda não foi promovido por culpa do surto. Só não é já o líder parlamentar do PSD — é ele quem substituirá Rui Rio já que é o único candidato — porque a crise do coronavírus atirou as eleições (que deviam realizar-se a 19 de março) para mais tarde. Ao Observador, Adão Silva explica que o agendamento potestativo do PSD — sobre uma rede nacional de cuidados paliativos — não foi adiado “foi mesmo eliminado” e será “retomado um dia destes”. Isto porque o entendimento do PSD é que — declarado o estado de emergência — “o processo legislativo deve ser liderado pelo governo.”

Na leitura do PSD, a Assembleia da República “não deve entrar num processo de competição legislativa” com o governo. Quando assim entender, o PSD “fará propostas de alteração que achar convenientes”, mas não irá fazer “projetos de lei que façam competição com o governo”.

Para Adão Silva, a “marca temporal” para o PSD retomar o que agora deixa para trás é “quando tudo isto passar”. Agora, tudo o resto tem menos importância: “O que queremos é salvar Portugal. Todos empenhados nesta guerra. Não nos vamos distrair com outras coisas”.

Reavaliações, novas preocupações e efeitos secundários da cura

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, admite que, quando acabar este período de exceção, os vários projetos do partido serão “reavaliados” e serão “reequacionadas as prioridades”. O líder da bancada bloquista, em declarações ao Observador, destaca que, “a seguir a esta crise sanitária, vai ser necessário responder a uma crise económica” e que “há dois meses a realidade era muito diferente do que vai ser no fim deste período”. Houve propostas que o Bloco fez num clima de redução do desemprego e crescimento económico que serão menos “urgentes” após os efeitos do coronavírus, que vai exigir outro tipo de respostas.

Já o PCP, através do líder parlamentar João Oliveira, prevê retomar todos os projetos quando passar este período: “Não há necessidade de qualquer tipo de correção. Não há nada que caduque”. Sobre a redefinição de prioridades (dando primazia ao que está relacionado com o surto), João Oliveira lembra ao Observador que isso já “está transformado em prática real”, já que os agendamentos para o plenário “na prática têm-se resumido às iniciativas legislativas” direcionadas a responder ao problema que o país enfrenta.

João Oliveira lembra que o surto tem “implicações transversais” a todos os setores, que sentem o que chama de “efeitos secundários da cura”. “A saúde, a educação, o trabalho têm repercussões indiretas nesta questão. Agora não creio que deixemos cair problemas que vinham de trás. Por exemplo, na agricultura já tínhamos medidas de salvaguarda de bens alimentares, no apoio à produção nacional, que agora mantêm-se, mas acrescentam-se outros problemas, outras preocupações”, esclarece.

Também o líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, explica como os temas que eram as prioridades do CDS serão todos “forçosamente” atirados mais para a frente. Da economia à educação todos os deputados centrista tentam agora centrar-se na resposta ao surto nas mais variadas áreas. E dá exemplos: “Se tínhamos antes um conjunto de propostas para melhorar o sistema educativo, para nós o mais importante é como se garante que as aulas continuem em casa; se queríamos melhorar o SNS, a nossa preocupação agora é como ele sobrevive”.

Telmo Correia considera que neste momento a “urgência” da situação “sobrepõe-se a tudo o resto”. E prevê igualmente que, nos meses que se seguirem ao fim da crise sanitária, o CDS vai continuar dedicado a este assunto, já que vai ser preciso recuperar as empresas e assegurar o rendimento às famílias.

Eu cancelo, tu cancelas, nós cancelamos (Montijo e linha circular)

O PAN não se importou de deixar cair projetos que tinha, mas pede que o governo também suspenda os seus que não estão relacionados com o coronavírus. A líder do PAN, Inês Sousa Real, explica que os assuntos que ficam para trás são “importantes, mas o tempo excecional implica sentido de Estado” em prol de um “bem maior”. Este não é por isso, o “momento adequado para tratar desses temas”, já que agora é preciso “deixar o governo governar”.

Inês Sousa Real fala, no entanto, do “reverso da medalha”, alertando que o “adiamento não pode ser por parte do Parlamento” e por isso também apela “ao governo que o Aeroporto do Montijo e Linha Circular também fiquem em suspensos.” E acrescenta: “Demos um voto de confiança ao governo, é bom que retribua.”

Comissão de inquérito durou 7 minutos até ser suspensa

Mas afinal, quais foram os temas que iam ser debatidos e foram colocados na gaveta? Desde logo a comissão de inquérito às fraudes nos subsídios atribuídos às vítimas dos incêndios da zona centro. Logo a seguir ao plenário da última terça-feira, Ferro Rodrigues deu posse à comissão, que estava desfalcada (dois vice-presidentes não apareceram). E deixou logo o mote: “As maiores felicidades. O tempo em que estamos não é o mais lógico para esta comissão funcionar, mas tenho a dizer-vos que o presidente e a Mesa estarão à disposição para qualquer proposta que façam no sentido de suspender os tempos para começar os trabalhos mais tarde”. E despachou o processo de posse em cinco minutos. Quando se ia a levantar, voltou a sentar-se: “Ah, tenho que rubricar as folhas? Esta aqui, esta aqui. Esta aqui também?”.

Ferro lá saiu e a funcionária do Parlamento, munida de luvas e desinfetante, deixou o microfone impecavelmente limpo para o presidente da comissão, Paulo Rios Oliveira (do PSD). O social-democrata convidou os vice-presidentes a juntarem-se a ele, mas João Almeida (CDS) e Joaquim Barreto (PS) não estavam na sala.

O presidente da comissão lembrou que os trabalhos só se estavam a iniciar para cumprir “prazos regimentais” — que não foram contornados apesar da concordância de todos os partidos — mas sugeria que na próxima reunião se votasse a suspensão dos trabalhos. O líder parlamentar do Bloco, na sala, sugeria que a suspensão fosse decidida logo nesse dia para “não queimar reuniões”. Todos os grupos aderiram. A suspensão dos trabalhos foi aprovada por unanimidade e esta reunião zero durou pouco mais de sete minutos. A meio, Paulo Rios Oliveira começou a tossir após um gole de água e, como os tempos são diferentes, apressou-se a justificar: “Engasguei-me, engasguei-me“.

Revisão constitucional: uma morreu, outras duas foram adiadas

O período ordinário de revisão constitucional tinha sido aberto pelo Chega — e a discussão devia começar em abril — mas antes disso André Ventura desistiu do processo. Motivo: a situação provocada pelo novo coronavírus. “O estado de alerta em que se encontra o país, e a eventual declaração do estado de emergência não se coadunam com a apresentação de propostas de natureza de revisão constitucional, nem com a sua necessária discussão pública e a ponderação necessária para a levar a cabo”, disse o deputado do Chega na véspera da declaração do estado de emergência.

Uma das proposta de revisão constitucional do Chega era para que passasse a ser possível o internamento compulsivo (permitido apenas em questões mentais) para responder ao coronavírus, mas o estado de emergência permite-o sem alterações constitucionais.

As restantes alterações à Constituição pretendiam reintroduzir a prisão perpétua, bem como garantir a constitucionalidade da castração química de pedófilos.

Na verdade o processo de revisão constitucional não morre, até porque PSD e CDS continuam interessados em alterar a Constituição. A 12 março, quando Rio disse à bancada que ia avançar para a revisão constitucional ainda não se previa que o país entrasse em estado de emergência e, já aí, o presidente do PSD apontava para o final do ano.

Dias antes, o CDS prometia apresentar propostas para alterar a constituição a “breve trecho”. É esse breve trecho que agora fica comprometido e não o projeto que querem a apresentar. Ao Observador, Telmo Correia admite que os centristas continuam a querer alterar a Constituição, mas essa não é agora uma prioridade. E aproveita para mandar uma farpa a Ventura: “Não deixa de ser sintomático que quem queria alterar a Constituição por causa da pandemia, tenha desistido de a alterar por causa da pandemia”.

Eutanásia vai ter de esperar

A eutanásia foi aprovada na generalidade na Assembleia da República, mas baixou à especialidade. Neste processo, era necessário fazer audições a várias entidades para que fosse depois afinado um texto comum entre os vários projetos aprovados. Se tudo corresse como previsto, a eutanásia seria uma realidade no país em poucos meses, mas tudo isto será atrasado. A situação do coronavírus vai adiar toda a discussão em sede de especialidade, sem falar que, depois disso, ainda tem de voltar a ser submetida a uma votação final global.

O líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, comenta: “Bem, adiar a eutanásia, para nós nem é mau”. Já Adão Silva, vice-presidente do PSD, diz apenas que “não há tempo para falar sobre isso agora”. O líder parlamentar do PCP diz que o processo fica “comprometido” a curto prazo, já que a comissão onde iria decorrer o debate na especialidade nem vai estar a funcionar em moldes que permitam que ocorra esse debate e muito menos que haja audições. O PS, por Pedro Delgado Alves, limita-se a dizer: “É um processo na especialidade, que assim como todos os outros, vai ter de esperar uma altura mais oportuna”.

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