Luís Graça & Camaradas da Guiné

23-11-2019
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O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]

1. Introdução

Apresentei no início deste ano uma resenha histórica, dividida em duas partes por questões editoriais, relacionada com a realização do I Congresso do PAIGC, organizado nos arredores da tabanca de Cassacá (Frente Sul), entre 13 a 17 de Fevereiro de 1964 [P16991 e P16998].(*)

Nela dei conta, com particular destaque, à importância social da saúde e da instrução literária,. analisadas um mês depois, em 21 de março, na Base Central (Morés), por iniciativa dos responsáveis dessa Frente [Norte], Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira, 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes, 1939-1978], cumprindo deste modo as resoluções aprovadas no encontro de Cassacá.

Nesse âmbito, e no que concerne à área da Saúde, Simão António Mendes [enfermeiro de formação], seu principal responsável na Região Norte, apresentou um relatório [normas ou regulamento] com dez pontos, que foi aprovado por unanimidade.
Hoje, ao ler o P17119, da responsabilidade do camarada Jorge Ferreira (**), onde se faz referência a Simão [António] Mendes, nome com que foi baptizado o Hospital Nacional de Bissau [imagem acima], “antigo enfermeiro da época colonial, militante do PAIGC, morto em combate no Morés, e sobre o qual se sabe muito pouco”, tomei a iniciativa de partilhar convosco o que apurei sobre este tema.

2. SIMÃO ANTÓNIO MENDES – As suas funções e a sua morte

2.1. O que apurei

Como fonte de investigação bibliográfica, utilizei para este caso os arquivos da Casa Comum da Fundação Mário Soares.

Confirma-se, pela nota abaixo reproduzida, que Simão António Mendes fazia parte, de facto, da Direcção de Saúde do PAIGC.

No documento, por si assinado, enviado à Direcção Central do PAIGC em 24 de Março de 1964, ou seja, três dias após ter apresentado na Base Central (Morés) as normas de funcionamento da sua estrutura, pode ler-se:

I – Junto se remete a requisição dos medicamentos e mais artigos para um trimestre para consumo de guerrilheiros e povo da zona libertada por esses últimos não poderem deslocar a outra parte à procura de assistência sanitária. II – Tomámos boa nota da última carta do nosso camarada Lourenço Gomes [responsável no exterior (Senegal; Base de Samine) pelo acompanhamento dos evacuados do interior da Guiné], sobre doentes a enviar para a fronteira que passarão a ser só os feridos por arma de fogo, tais como fracturas e certos casos graves que não podemos resolver cá, por falta de recursos. Cumprimentos cordiais. 
Simão António Mendes e João Augusto Costa

Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35806 (2017-3-09)

Fonte: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04613.065.155

Assunto: Remete a requisição de medicamentos e mais artigos para os guerrilheiros e população (para um trimestre). Refere que tomaram boa nota das indicações de Lourenço Gomes de enviar para a fronteira apenas os feridos com arma de fogo.

Remetente: Simão António Mendes, João Augusto Costa.

Destinatário: Direcção do PAIGC.

Data: Terça, 24 de Março de 1964.

Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).

Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.

Tipo Documental: Correspondência

(Reproduzido com a devida vénia...)

2.2. A sua morte em 20 de fevereiro de 1966

De acordo com o comunicado da Base Central (Morés), a morte de Simão António Mendes ocorreu no dia 20 de fevereiro de 1996, domingo, sendo descrita nos seguintes termos:

“No dia 20 de fevereiro [de 1966] o inimigo apoiado por 8 caçadores [caça-bomdeiros  T 6 ? ou companhias de caçadores ?] invadiu a Base Central [Morés]. O combate que durou 6 horas de tempo, teve como resultado a retirada em debandada inimiga que caiu em 3 emboscadas sucessivas. O inimigo,  não podendo realizar o plano, reforçou a aviação. Com o fim de bombardear a base, onde os nossos camaradas de armas anti-aéreas deram uma grande prova de corage,  não os deixando realizar o plano. Depois de duas horas de combate, só conseguiram lançar uma bomba dentro da Base causando a morte a 3 camaradas entre os quais o responsável da saúde do C.I.R.N., Simão António Mendes. Dois aviões foram atingidos pelo fogo da D.C.K. [metralhadora pesada de 14.5 mm] Região Oío, Zona Morés, Base Central.

Citação: (s.d.), "Comunicado [Região 3]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40720 (2017-3-09)

Fonte:  Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07065.068.011

Título: Comunicado [Região 3]

Assunto: Comunicado da Base Central, na Região de Oío, Zona de Morés, dando conta da invasão desta Base pelo exército e aviação portugueses, tendo sido atingidos dois aviões pelos combatentes do PAIGC, munidos de armas antiaéreas.

Data: s.d.

Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Exército Popular Zona Norte (Comunicados)

Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.

Tipo Documental: Documentos.

(Reproduzido com a devida vénia...)

Mapa da Região do Oio - Base Central (Morés)

2..3. A versãodo cmdt Bobo Keita:

A antiga glória do futebol guineense, Bobo Keita (1939-2009), nas suas memórias, tem  uma versão um pouco mais detalhada sobre a vida e a morte de Simão Mendes:

(i) "trabalhou na administração colonial como responsável pela saúde" (sic), em Binar ou Bissorã ("não tenho a certeza");

(ii) numa das suas deslocações, "caiu num emboscada montada pelo camarada Agostinho Cabral d'Almada", o famoso "Gazela";

(iii) essa emboscada foi já "perto da base de Morés";

(iv) "foi levado como prisioneiro" (sic)  para o Morés e aí explicou que já há tempo "procurava estabelecer contactos" com o PAIGC;

(v) ingressou, deste modo pouco ortodoxo, no Partido;

(vi) "morreu,  mais tarde, no intenso bombardeamemnto da base de Morés ocorrido no dia 14 de novembro de 1964" [, aqui é que a data não bate certo com a do comunicado, acima reproduzido, que refere 20/2/1966, ou seja um ano e três meses depois...];

(vii) nesse bombardeamento, "os camaradas Juvêncio Gomes e  Tiago Aleluia Lopes foram atingidos por estilhaços", na cabeça (o Tiago) e  nas mãos e parte do rosto (o Juvêncio).

Fonte: CARVALHO, Norberto Tavares - De campo em campo:  dos estádiso de futebol à luta de libertação nacional dos povos da Guiné e de Cabo Verde; conversas com o comandanet Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, p. 244.
_____________________

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2017.

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16998: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (5): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte II

(**) Vd. poste de 9 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17119: (De) Caras (68): Buruntuma, 1961: o enfermeiro Cirilo e o professor primário Timóteo Costa... (Jorge Ferreira / Mário Magalhães)

O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]

1. Introdução

Apresentei no início deste ano uma resenha histórica, dividida em duas partes por questões editoriais, relacionada com a realização do I Congresso do PAIGC, organizado nos arredores da tabanca de Cassacá (Frente Sul), entre 13 a 17 de Fevereiro de 1964 [P16991 e P16998].(*)

Nela dei conta, com particular destaque, à importância social da saúde e da instrução literária,. analisadas um mês depois, em 21 de março, na Base Central (Morés), por iniciativa dos responsáveis dessa Frente [Norte], Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira, 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes, 1939-1978], cumprindo deste modo as resoluções aprovadas no encontro de Cassacá.

Nesse âmbito, e no que concerne à área da Saúde, Simão António Mendes [enfermeiro de formação], seu principal responsável na Região Norte, apresentou um relatório [normas ou regulamento] com dez pontos, que foi aprovado por unanimidade.
Hoje, ao ler o P17119, da responsabilidade do camarada Jorge Ferreira (**), onde se faz referência a Simão [António] Mendes, nome com que foi baptizado o Hospital Nacional de Bissau [imagem acima], “antigo enfermeiro da época colonial, militante do PAIGC, morto em combate no Morés, e sobre o qual se sabe muito pouco”, tomei a iniciativa de partilhar convosco o que apurei sobre este tema.

2. SIMÃO ANTÓNIO MENDES – As suas funções e a sua morte

2.1. O que apurei

Como fonte de investigação bibliográfica, utilizei para este caso os arquivos da Casa Comum da Fundação Mário Soares.

Confirma-se, pela nota abaixo reproduzida, que Simão António Mendes fazia parte, de facto, da Direcção de Saúde do PAIGC.

No documento, por si assinado, enviado à Direcção Central do PAIGC em 24 de Março de 1964, ou seja, três dias após ter apresentado na Base Central (Morés) as normas de funcionamento da sua estrutura, pode ler-se:

I – Junto se remete a requisição dos medicamentos e mais artigos para um trimestre para consumo de guerrilheiros e povo da zona libertada por esses últimos não poderem deslocar a outra parte à procura de assistência sanitária. II – Tomámos boa nota da última carta do nosso camarada Lourenço Gomes [responsável no exterior (Senegal; Base de Samine) pelo acompanhamento dos evacuados do interior da Guiné], sobre doentes a enviar para a fronteira que passarão a ser só os feridos por arma de fogo, tais como fracturas e certos casos graves que não podemos resolver cá, por falta de recursos. Cumprimentos cordiais. 
Simão António Mendes e João Augusto Costa

Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35806 (2017-3-09)

Fonte: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04613.065.155

Assunto: Remete a requisição de medicamentos e mais artigos para os guerrilheiros e população (para um trimestre). Refere que tomaram boa nota das indicações de Lourenço Gomes de enviar para a fronteira apenas os feridos com arma de fogo.

Remetente: Simão António Mendes, João Augusto Costa.

Destinatário: Direcção do PAIGC.

Data: Terça, 24 de Março de 1964.

Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).

Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.

Tipo Documental: Correspondência

(Reproduzido com a devida vénia...)

2.2. A sua morte em 20 de fevereiro de 1966

De acordo com o comunicado da Base Central (Morés), a morte de Simão António Mendes ocorreu no dia 20 de fevereiro de 1996, domingo, sendo descrita nos seguintes termos:

“No dia 20 de fevereiro [de 1966] o inimigo apoiado por 8 caçadores [caça-bomdeiros  T 6 ? ou companhias de caçadores ?] invadiu a Base Central [Morés]. O combate que durou 6 horas de tempo, teve como resultado a retirada em debandada inimiga que caiu em 3 emboscadas sucessivas. O inimigo,  não podendo realizar o plano, reforçou a aviação. Com o fim de bombardear a base, onde os nossos camaradas de armas anti-aéreas deram uma grande prova de corage,  não os deixando realizar o plano. Depois de duas horas de combate, só conseguiram lançar uma bomba dentro da Base causando a morte a 3 camaradas entre os quais o responsável da saúde do C.I.R.N., Simão António Mendes. Dois aviões foram atingidos pelo fogo da D.C.K. [metralhadora pesada de 14.5 mm] Região Oío, Zona Morés, Base Central.

Citação: (s.d.), "Comunicado [Região 3]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40720 (2017-3-09)

Fonte:  Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07065.068.011

Título: Comunicado [Região 3]

Assunto: Comunicado da Base Central, na Região de Oío, Zona de Morés, dando conta da invasão desta Base pelo exército e aviação portugueses, tendo sido atingidos dois aviões pelos combatentes do PAIGC, munidos de armas antiaéreas.

Data: s.d.

Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Exército Popular Zona Norte (Comunicados)

Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.

Tipo Documental: Documentos.

(Reproduzido com a devida vénia...)

Mapa da Região do Oio - Base Central (Morés)

2..3. A versãodo cmdt Bobo Keita:

A antiga glória do futebol guineense, Bobo Keita (1939-2009), nas suas memórias, tem  uma versão um pouco mais detalhada sobre a vida e a morte de Simão Mendes:

(i) "trabalhou na administração colonial como responsável pela saúde" (sic), em Binar ou Bissorã ("não tenho a certeza");

(ii) numa das suas deslocações, "caiu num emboscada montada pelo camarada Agostinho Cabral d'Almada", o famoso "Gazela";

(iii) essa emboscada foi já "perto da base de Morés";

(iv) "foi levado como prisioneiro" (sic)  para o Morés e aí explicou que já há tempo "procurava estabelecer contactos" com o PAIGC;

(v) ingressou, deste modo pouco ortodoxo, no Partido;

(vi) "morreu,  mais tarde, no intenso bombardeamemnto da base de Morés ocorrido no dia 14 de novembro de 1964" [, aqui é que a data não bate certo com a do comunicado, acima reproduzido, que refere 20/2/1966, ou seja um ano e três meses depois...];

(vii) nesse bombardeamento, "os camaradas Juvêncio Gomes e  Tiago Aleluia Lopes foram atingidos por estilhaços", na cabeça (o Tiago) e  nas mãos e parte do rosto (o Juvêncio).

Fonte: CARVALHO, Norberto Tavares - De campo em campo:  dos estádiso de futebol à luta de libertação nacional dos povos da Guiné e de Cabo Verde; conversas com o comandanet Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, p. 244.
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Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2017.

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16998: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (5): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte II

(**) Vd. poste de 9 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17119: (De) Caras (68): Buruntuma, 1961: o enfermeiro Cirilo e o professor primário Timóteo Costa... (Jorge Ferreira / Mário Magalhães)

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