GOTA DE ÁGUA: Teresa de Sousa

24-12-2019
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1.Na véspera das eleições gregas muita gente augurou o
fim de Alexis Tsipras, o novo fenómeno político europeu, acreditando nas
sondagens que lhe davam um perigoso “empate técnico” com a Nova Democracia. O
primeiro-ministro grego resolveu arriscar tudo na convocação de novas eleições
para legitimar a sua viragem de 180 graus em Bruxelas. Os dissidentes do Syriza
formaram um novo partido para o acusar de traição. A Nova Democracia, com um
novo líder, parecia mais resistente do que o previsto. Contados os votos, a
margem de vitória de Tsipras foi inesperadamente grande. Ganhou a legitimidade
de que precisa, com um brinde adicional: a monumental derrota dos dissidentes
do Syriza.

As sondagens não conseguiram reflectir nada disto.
Para além de razões técnicas que não sei explicar, o que parece óbvio hoje é
que a mudança da paisagem política europeia (ainda) não está a ser captada nos
inquéritos de opinião. Não é caso único. No Reino Unido, vimos em Maio o
“empate técnico” entre os Conservadores e o Labour transformado numa grande
vitória para David Cameron e uma derrota histórica para Ed Miliband. Na
Espanha, estamos igualmente perante um “empate técnico” entre os dois grandes
partidos (PP e PSOE), com os dois movimentos “anti-sistema”, Podemos e
Cidadãos, a afirmarem-se nas sondagens, abrindo as portas para as mais variadas
surpresas nas eleições de Novembro. Em Portugal, o “empate técnico” é a crónica
diária destas eleições.

2. O caso da Grécia parece resultar da conjugação de
dois factores: a resignação dos gregos perante a troika, da
qual perceberam que ainda precisam; a profunda desconfiança nos partidos que
dominaram a Grécia desde a reconquista da democracia, clientelares e corruptos
numa escala pouco comum. O curioso é que não é o centro-direita que paga as favas,
é o centro-esquerda do PASOK, remetido a pequeno partido, dispensável. Uma
ruptura da mesma ordem apenas aconteceu no início dos anos 90 na Itália, na
sequência do fim da Guerra Fria. Os socialistas desapareceram, o Partido
Comunista (que já era “euro”, ou seja, mais brando) transformou-se no Partido
Democrático de Esquerda, cujo líder, Massimo d’Alema, quis que fosse um partido
social-democrata. A democracia-cristã pagou o preço de décadas de poder e de
vícios. A implosão abriu as portas a Silvio Berlusconi, à direita, e a uma
sucessão de coligações à esquerda que nunca se conseguiram entender, a não ser
agora com a liderança de Matteo Renzi.

Em Atenas, Tsipras não se converteu certamente à
“terceira via”. Elegeu o pragmatismo como a única forma possível de governar,
aprendendo à sua própria custa a diferença abissal entre um partido de protesto
e um partido de governo. Aceitou as regras do jogo europeias para garantir o
lugar da Grécia no euro. A renovação da aliança com um partido nacionalista (os
Gregos Independentes) custa a perceber, quando tinha o PASOK e o To Potami,
ambos de centro-esquerda, à sua disposição. A escolha pode ser vista como o
reflexo da sua desconfiança endémica da social-democracia, cujo lugar quer
ocupar. Citado pelo Telegraph, Stathis Kalyavas, cientista político
em Yale, define o “incrível paradoxo”: “A Grécia elegeu a mesma coligação de
Janeiro, mas para aplicar politicas que são o seu exacto oposto”. Admite que
esta contradição “não aguentará muito tempo”: ou o governo aplica as políticas
da troika, transformando-se num partido de centro-esquerda, ou não o faz, e
acabará por perder o poder. Mas não vale a pena tirar grandes conclusões para o
futuro. Se há mudanças imprevistas, há também uma enorme volatilidade
eleitoral.

3.Para Tsipras a verdadeira prova só começa agora. Os
gregos deram-lhe o benefício da dúvida, à falta de melhor. Mas, se não houver
um mínimo de justiça na distribuição dos sacrifícios, a instabilidade política
pode regressar depressa. A questão essencial será como pôr a economia a crescer
nestas condições, porque é o único caminho para aliviar o fardo demasiado
pesado que os gregos suportam desde 2010. Uma das alavancas possíveis é a
redução do peso da dívida. A questão foi afastada nas negociações do novo resgate
com a promessa vaga de ser tratada mais à frente. Para Tsipras, o “mais à
frente” é agora. Irá na próxima quarta-feira a Bruxelas para participar no
Conselho Europeu sobre os refugiados. A sua simples presença dirá aos seus
parceiros europeus: é mesmo comigo que têm de tratar. “Há coisas que podem
correr melhor com alguma indulgência dos credores” lê-se na coluna Charlemagne
daEconomist.  “Haverá fundos para recapitalizar a banca, [o
governo] pode beneficiar do programa de Quantitativ Easing do BCE e de uma
restruturação da dívida, mesmo que não se saiba sob que forma”. Só falta
desmentir a maioria dos analistas: o interregno da crise grega não passará do
Natal. Depende de Tsipras, mas também de Berlim.

1.Na véspera das eleições gregas muita gente augurou o
fim de Alexis Tsipras, o novo fenómeno político europeu, acreditando nas
sondagens que lhe davam um perigoso “empate técnico” com a Nova Democracia. O
primeiro-ministro grego resolveu arriscar tudo na convocação de novas eleições
para legitimar a sua viragem de 180 graus em Bruxelas. Os dissidentes do Syriza
formaram um novo partido para o acusar de traição. A Nova Democracia, com um
novo líder, parecia mais resistente do que o previsto. Contados os votos, a
margem de vitória de Tsipras foi inesperadamente grande. Ganhou a legitimidade
de que precisa, com um brinde adicional: a monumental derrota dos dissidentes
do Syriza.

As sondagens não conseguiram reflectir nada disto.
Para além de razões técnicas que não sei explicar, o que parece óbvio hoje é
que a mudança da paisagem política europeia (ainda) não está a ser captada nos
inquéritos de opinião. Não é caso único. No Reino Unido, vimos em Maio o
“empate técnico” entre os Conservadores e o Labour transformado numa grande
vitória para David Cameron e uma derrota histórica para Ed Miliband. Na
Espanha, estamos igualmente perante um “empate técnico” entre os dois grandes
partidos (PP e PSOE), com os dois movimentos “anti-sistema”, Podemos e
Cidadãos, a afirmarem-se nas sondagens, abrindo as portas para as mais variadas
surpresas nas eleições de Novembro. Em Portugal, o “empate técnico” é a crónica
diária destas eleições.

2. O caso da Grécia parece resultar da conjugação de
dois factores: a resignação dos gregos perante a troika, da
qual perceberam que ainda precisam; a profunda desconfiança nos partidos que
dominaram a Grécia desde a reconquista da democracia, clientelares e corruptos
numa escala pouco comum. O curioso é que não é o centro-direita que paga as favas,
é o centro-esquerda do PASOK, remetido a pequeno partido, dispensável. Uma
ruptura da mesma ordem apenas aconteceu no início dos anos 90 na Itália, na
sequência do fim da Guerra Fria. Os socialistas desapareceram, o Partido
Comunista (que já era “euro”, ou seja, mais brando) transformou-se no Partido
Democrático de Esquerda, cujo líder, Massimo d’Alema, quis que fosse um partido
social-democrata. A democracia-cristã pagou o preço de décadas de poder e de
vícios. A implosão abriu as portas a Silvio Berlusconi, à direita, e a uma
sucessão de coligações à esquerda que nunca se conseguiram entender, a não ser
agora com a liderança de Matteo Renzi.

Em Atenas, Tsipras não se converteu certamente à
“terceira via”. Elegeu o pragmatismo como a única forma possível de governar,
aprendendo à sua própria custa a diferença abissal entre um partido de protesto
e um partido de governo. Aceitou as regras do jogo europeias para garantir o
lugar da Grécia no euro. A renovação da aliança com um partido nacionalista (os
Gregos Independentes) custa a perceber, quando tinha o PASOK e o To Potami,
ambos de centro-esquerda, à sua disposição. A escolha pode ser vista como o
reflexo da sua desconfiança endémica da social-democracia, cujo lugar quer
ocupar. Citado pelo Telegraph, Stathis Kalyavas, cientista político
em Yale, define o “incrível paradoxo”: “A Grécia elegeu a mesma coligação de
Janeiro, mas para aplicar politicas que são o seu exacto oposto”. Admite que
esta contradição “não aguentará muito tempo”: ou o governo aplica as políticas
da troika, transformando-se num partido de centro-esquerda, ou não o faz, e
acabará por perder o poder. Mas não vale a pena tirar grandes conclusões para o
futuro. Se há mudanças imprevistas, há também uma enorme volatilidade
eleitoral.

3.Para Tsipras a verdadeira prova só começa agora. Os
gregos deram-lhe o benefício da dúvida, à falta de melhor. Mas, se não houver
um mínimo de justiça na distribuição dos sacrifícios, a instabilidade política
pode regressar depressa. A questão essencial será como pôr a economia a crescer
nestas condições, porque é o único caminho para aliviar o fardo demasiado
pesado que os gregos suportam desde 2010. Uma das alavancas possíveis é a
redução do peso da dívida. A questão foi afastada nas negociações do novo resgate
com a promessa vaga de ser tratada mais à frente. Para Tsipras, o “mais à
frente” é agora. Irá na próxima quarta-feira a Bruxelas para participar no
Conselho Europeu sobre os refugiados. A sua simples presença dirá aos seus
parceiros europeus: é mesmo comigo que têm de tratar. “Há coisas que podem
correr melhor com alguma indulgência dos credores” lê-se na coluna Charlemagne
daEconomist.  “Haverá fundos para recapitalizar a banca, [o
governo] pode beneficiar do programa de Quantitativ Easing do BCE e de uma
restruturação da dívida, mesmo que não se saiba sob que forma”. Só falta
desmentir a maioria dos analistas: o interregno da crise grega não passará do
Natal. Depende de Tsipras, mas também de Berlim.

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