Contra o Orçamento do Estado para 2015

05-05-2020
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É um orçamento evidentemente de rigor — Miguel Macedo

Evidentemente.

Acerca do Orçamento apresentado às Cortes, em 1836, Francisco António de Campos, ministro da Fazenda no Governo de José Jorge Loureiro, de 18 de Novembro de 1835 a 20 de Abril de 1836 – além de autor quer de A lingua portugueza é filha da latina, quer da primeira tradução portuguesa das Metamorfoses ou O Burro de Ouro de Apuleio (nas palavras de Costa Ramalho, “uma tradução digna, ainda hoje, de ser lida”)–, escrevia o seguinte:

Hoje, como acabámos de saber, foi dado mais um passo acelerado para a nossa ruína e verifica-se que, desde a proposta de 2012 (“em Outubro de 2011, Passos Coelho apresentou o seu primeiro Orçamento anual, o que passaria a vigorar em 2012“), a acção do tempo não foi reparadora.

Espero que António Costa mantenha a sensata decisão de votar contra a proposta que o Governo entregou há pouco na Assembleia da República. Efectivamente, como previsto ontem por Heloísa Apolónia, o Orçamento do Estado para 2015 é um “Orçamento do Estado da continuidade”. É verdade que Apolónia termina a frase com “da austeridade”, mas poderia perfeitamente ter adoptado outra perspectiva e rematado com “[dos] ilegíveis garatujos confusos” – exactamente, os “ilegíveis garatujos confusos” do Governo, como os daquele “médico céptico” (sim, ‘céptico’) do Fado Alexandrino de António Lobo Antunes.

Temos, desde 2012, “ilegíveis garatujos confusos” nas propostas de Orçamento do Estado que o titular da pasta das Finanças (Gaspar, em 2012 e 2013; Albuquerque, em 2014) entrega à presidente da Assembleia da República. Continuo sem perceber o porquê de essa proposta continuar a ser recebida com um sorriso institucional, em vez de imediatamente rejeitada, porque ortograficamente inadequada e particularmente confusa. Contudo, esse é um problema meu e, como dizia Helmut Schmidt, “aber auch wenn meine persönlichen Empfindungen nicht so wichtig sind”.

Debrucemo-nos, então – depois dos desastres de 2012, 2013 e 2014 –, sobre alguns dos aspectos mais relevantes do cataclismo (infelizmente, as inundações estão na moda) de 2015:

Aquisição líquida de activos financeiros (excepto privatizações) → p. 108;

total da despesa no âmbito de projectos → p. 116;

Os restantes valores respeitam apenas a projetos ativos → p. 116;

Na verdade, a população em idade ativa permanece como o grupo etário com maior peso na população total, no entanto, essa proporção vai diminuindo ao longo de todo o período de projecção → p. 202;

Despesa Efectiva excluindo transf. do OE p/ SFA’s → p. 117;

decréscimo de receita efetiva → p. 75;

a reafectação do financiamento para os setores → p. 229;

reafetação de recursos da estrutura produtiva dos sectores → p. 23;

medidas de caráter sectorial → p. 169;

produtividade a nível setorial → p. 222;

vasto conjunto de medidas sectoriais → 126;

ajustamentos nas medidas setoriais → p. 38;

Investigação científica de carácter geral → p. 142;

medidas de caráter transitório → p. 36;

Habitação e serviços colectivos → p. 132;

Habitação e Serviços Coletivos → p. 163;

A redução do prazo de caducidade e de sobrevigência das convenções colectivas pretende promover o desenvolvimento e aprofundamento dos mecanismos de negociação coletiva → p. 223;

Sistema Eléctrico Nacional → p. 162;

destinado ao sistema elétrico nacional → p. 230;

centros electroprodutores → p. 242;

Impostos indirectos → p. 74;

impostos indiretos → p. 76;

Impostos directos → p. 74;

Impostos diretos → p. 76;

é projectada uma diminuição da população → p. 201;

Em resultado das tendências projetadas → p. 203;

projectando-se que esse valor → p. 201;

projetando-se uma diminuição → p. 202;

Objectivo (componente da despesa /receita) → p. 214;

Permanece o objetivo de concluir → p. 169;

identificar aspectos a melhorar → p. 228;

nos aspetos fundamentais → p. 18;

Projecto do Orçamento do Estado → p. 245;

projeto do Hospital Lisboa Oriental → p. 64;

Direcção-Geral do Tesouro e Finanças → p. 66;

Direção-Geral do Tesouro e Finanças → p. 249;

Direção-Geral das Actividades Económicas → p. 249;

Valor Acrescentado Bruto a Custo de Factores → p. 258;

diversos fatores → p. 89;

Segurança e acção social → p. 132;

Segurança e ação social → p. 149;

Protecção do meio ambiente e conservação da natureza → p. 132;

regime de proteção social → p. 99;

Execução ajustada de situaçoes [sic] excepcionais → p. 85;

um crescimento excecional → p. 121;

Passagem da Ótica de Contabilidade Pública à Ótica de Contabilidade Nacional → p. 102;

Óptica da Contabilidade Nacional → p. 189.

E os clássicos:

Sublinha-se o fato de o valor previsto → p. 105

e

O programa SIMPLIFICAR, adotado pelo Governo na sequência da Resolução da Assembleia da República n.º 31/2014, prevê o envolvimento das partes relevantes, através de contatos diretos com empresas e campanhas de angariação de fundos → p. 237.

Efectivamente, como escrevi há um ano, só uma generosa dose de repugnância impedirá qualquer cidadão português alfabetizado de conter uma sonora gargalhada, perante o aviso “texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico”, inscrito num documento oficial do Governo português”. Agora, no Relatório do OE2015.

Não há estrangulamentos. Felizmente, também não há constrangimentos.

Continuação de uma óptima semana.

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É um orçamento evidentemente de rigor — Miguel Macedo

Evidentemente.

Acerca do Orçamento apresentado às Cortes, em 1836, Francisco António de Campos, ministro da Fazenda no Governo de José Jorge Loureiro, de 18 de Novembro de 1835 a 20 de Abril de 1836 – além de autor quer de A lingua portugueza é filha da latina, quer da primeira tradução portuguesa das Metamorfoses ou O Burro de Ouro de Apuleio (nas palavras de Costa Ramalho, “uma tradução digna, ainda hoje, de ser lida”)–, escrevia o seguinte:

Hoje, como acabámos de saber, foi dado mais um passo acelerado para a nossa ruína e verifica-se que, desde a proposta de 2012 (“em Outubro de 2011, Passos Coelho apresentou o seu primeiro Orçamento anual, o que passaria a vigorar em 2012“), a acção do tempo não foi reparadora.

Espero que António Costa mantenha a sensata decisão de votar contra a proposta que o Governo entregou há pouco na Assembleia da República. Efectivamente, como previsto ontem por Heloísa Apolónia, o Orçamento do Estado para 2015 é um “Orçamento do Estado da continuidade”. É verdade que Apolónia termina a frase com “da austeridade”, mas poderia perfeitamente ter adoptado outra perspectiva e rematado com “[dos] ilegíveis garatujos confusos” – exactamente, os “ilegíveis garatujos confusos” do Governo, como os daquele “médico céptico” (sim, ‘céptico’) do Fado Alexandrino de António Lobo Antunes.

Temos, desde 2012, “ilegíveis garatujos confusos” nas propostas de Orçamento do Estado que o titular da pasta das Finanças (Gaspar, em 2012 e 2013; Albuquerque, em 2014) entrega à presidente da Assembleia da República. Continuo sem perceber o porquê de essa proposta continuar a ser recebida com um sorriso institucional, em vez de imediatamente rejeitada, porque ortograficamente inadequada e particularmente confusa. Contudo, esse é um problema meu e, como dizia Helmut Schmidt, “aber auch wenn meine persönlichen Empfindungen nicht so wichtig sind”.

Debrucemo-nos, então – depois dos desastres de 2012, 2013 e 2014 –, sobre alguns dos aspectos mais relevantes do cataclismo (infelizmente, as inundações estão na moda) de 2015:

Aquisição líquida de activos financeiros (excepto privatizações) → p. 108;

total da despesa no âmbito de projectos → p. 116;

Os restantes valores respeitam apenas a projetos ativos → p. 116;

Na verdade, a população em idade ativa permanece como o grupo etário com maior peso na população total, no entanto, essa proporção vai diminuindo ao longo de todo o período de projecção → p. 202;

Despesa Efectiva excluindo transf. do OE p/ SFA’s → p. 117;

decréscimo de receita efetiva → p. 75;

a reafectação do financiamento para os setores → p. 229;

reafetação de recursos da estrutura produtiva dos sectores → p. 23;

medidas de caráter sectorial → p. 169;

produtividade a nível setorial → p. 222;

vasto conjunto de medidas sectoriais → 126;

ajustamentos nas medidas setoriais → p. 38;

Investigação científica de carácter geral → p. 142;

medidas de caráter transitório → p. 36;

Habitação e serviços colectivos → p. 132;

Habitação e Serviços Coletivos → p. 163;

A redução do prazo de caducidade e de sobrevigência das convenções colectivas pretende promover o desenvolvimento e aprofundamento dos mecanismos de negociação coletiva → p. 223;

Sistema Eléctrico Nacional → p. 162;

destinado ao sistema elétrico nacional → p. 230;

centros electroprodutores → p. 242;

Impostos indirectos → p. 74;

impostos indiretos → p. 76;

Impostos directos → p. 74;

Impostos diretos → p. 76;

é projectada uma diminuição da população → p. 201;

Em resultado das tendências projetadas → p. 203;

projectando-se que esse valor → p. 201;

projetando-se uma diminuição → p. 202;

Objectivo (componente da despesa /receita) → p. 214;

Permanece o objetivo de concluir → p. 169;

identificar aspectos a melhorar → p. 228;

nos aspetos fundamentais → p. 18;

Projecto do Orçamento do Estado → p. 245;

projeto do Hospital Lisboa Oriental → p. 64;

Direcção-Geral do Tesouro e Finanças → p. 66;

Direção-Geral do Tesouro e Finanças → p. 249;

Direção-Geral das Actividades Económicas → p. 249;

Valor Acrescentado Bruto a Custo de Factores → p. 258;

diversos fatores → p. 89;

Segurança e acção social → p. 132;

Segurança e ação social → p. 149;

Protecção do meio ambiente e conservação da natureza → p. 132;

regime de proteção social → p. 99;

Execução ajustada de situaçoes [sic] excepcionais → p. 85;

um crescimento excecional → p. 121;

Passagem da Ótica de Contabilidade Pública à Ótica de Contabilidade Nacional → p. 102;

Óptica da Contabilidade Nacional → p. 189.

E os clássicos:

Sublinha-se o fato de o valor previsto → p. 105

e

O programa SIMPLIFICAR, adotado pelo Governo na sequência da Resolução da Assembleia da República n.º 31/2014, prevê o envolvimento das partes relevantes, através de contatos diretos com empresas e campanhas de angariação de fundos → p. 237.

Efectivamente, como escrevi há um ano, só uma generosa dose de repugnância impedirá qualquer cidadão português alfabetizado de conter uma sonora gargalhada, perante o aviso “texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico”, inscrito num documento oficial do Governo português”. Agora, no Relatório do OE2015.

Não há estrangulamentos. Felizmente, também não há constrangimentos.

Continuação de uma óptima semana.

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