DOLO EVENTUAL: A responsabilidade dos agentes culturais

01-09-2020
marcar artigo

Já passou uma semana, mas mesmo assim acho que vale a pena voltar ao assunto. Na passada 3ª feira estive presente no debate no Passos Manuel promovido pelos “ocupas” do Rivoli. Era suposto debaterem-se as «Funções e Fundamentos» da cultura enquanto serviço público. Não vou entrar em grandes detalhes, até porque a Cristina já o fez muito bem feito. Estas minhas apreciações são já de outro domínio.Uma nota preliminar: 1) acho que o episódio da ocupação do Rivoli teve o condão de por a cidade (e o país) a discutir o papel da cultura (embora o debate se tenha concentrado quase todo na questão do custo/benefício, enfim, não se pode ter tudo...) e só por isso valeu a pena; 2) apesar de alguns escrupulos meus quanto à legalidade e oportunidade da ocupação, considerei-a legítima; 3) sou um espectador assíduo do teatro e sentir-me-ia muito triste se alguns dos grupos fechassem portas e partissem para o exílio (ao contrário de outros, não acho que se faça mau teatro no Porto e que este seja “elitista”, na verdade até o acho bastante conservador, mas isso é já outra história...).A troca de experiências sempre poderá ter um efeito de catarse e de purgação das frustrações. Faz bem e até deviamos todos repetir a experiência mais vezes. Mas dei por mim a pensar se não fosse a existência de uma ameaça exterior, nenhum dos presentes se teria dado ao trabalho de dialogar com os seus colegas. Mais: muito se queixaram da atitude da ministra que não ficou para o «debate», mas quanto a mim, apesar de também me ter sentido incomodado com a atitude de “atropelamento e fuga” da ministra, pareceu-me que por ali havia outra coisa no ar. Pareceu-me que a decepção de alguns se confundiu com um certo sentimento de orfandade. Quem esperava protecção teve de se contentar com uma cavalgada política para Rui Rio ver. Quem esperava apoio apenas teve direito a uma palmadinha discreta nas costas e a um foguetório de números. Foi pouco e soube a pouco.Ninguém – para além de Augusto M. Seabra – se terá apercebido do grande equívoco que por ali (mais uma vez) se ensaiava. É verdade que a política anti-cultural de Rui Rio é um erro estratégico e que as suas críticas aos agentes culturais são injustas. É verdade que o apoio do Ministério é sempre insuficiente, desarticulado e vem sempre atrasado. É verdade que a Ministra não se tem mostrado à altura do cargo que ocupa. É verdade que os portuenses se deixaram reduzir à condição de meros figurantes. Mas tudo isto somado é apenas metade do problema. A outra metade do problema está na própria comunidade (o termo “comunidade” é manifestamente exagerado) artística que é incapaz de definir um rumo e de desenhar uma estratégia própria. À pergunta final: «E agora? O que fazemos a seguir?» ninguém foi capaz de balbuciar uma sugestão sequer. Apenas mais do mesmo: fazer mais encontros como aquele (com ou sem ministra?), ocupar novamente o Rivoli, informar e “sensibilizar” a população para o problema e até – imagine-se! – uma marcha em pêlo pela causa! Quer dizer, apenas medidas de protesto e nada mais. Com tanta gente que se dedica à criação artística espanta-me que a ninguém ocorresse a ideia de que o único caminho a fazer será justamente o de mudar de vida. E mudar de vida é continuar a fazer bom teatro (ou qualquer outra actividade artística), mas sem dependência dos humores autárquicos e até mesmo da errância ministerial. Como já tinha dito em outra ocasião, uma câmara mínima é uma boa oportunidade para se sair da menoridade cívica. Antes de se queixarem da inexistência de uma sociedade civil que suporte a cultura, talvez fosse mais interessante passarmos à construção dessa mesma sociedade civil.A privatização do Rivoli e o corte de subsídios não constavam no programa eleitoral que a coligação PSD/CDS apresentou nas últimas eleições, o que é, do ponto de vista democrático, censurável. Contudo, os sinais eram bem claros. Quem vê a tempestade a se aproximar e nada faz, sujeita-se ao pior. Veja-se, por exemplo, este documento do site municipal intitulado «O Porto e o Futuro: o quadro de referência estratégica nacional» que se debruça sobre a estratégia do Porto para a gestão dos fundos europeus entre 2007 e 2013. Encontram alguma referência à cultura? Claro que não! E, no entanto, a UE considera a cultura como um sector estratégico e como um motor de produção de riqueza. Aliás, o consenso parece ser geral: na europa, no país e na região norte. Porto é a excepção. A este propósito, recomendo a leitura deste Relatório sobre a Cultura apresentado por Helena Santos no contexto do Norte2015. Em particular, gostaria de destacar o facto de se ter concluído que a política da cultura em Portugal «apresenta-se tardia, hesitante, frágil e “Estado-dependente”, ou seja, trata-se de uma política que torna o Estado no principal agente cultural. Para tal, contribuem dois factores: por um lado, as políticas locais são débeis e elas próprias dependentes do estado central; e, por outro lado, não existem verdadeiros interlocutores entre o estado central, as autarquias, os privados e os criadores.Ora, parece-me óbvio que é por aqui mesmo que os agentes culturais devem começar. Devem organizar-se de maneira a passarem também a ser mediadores das políticas culturais em vez de continuarem enquanto meros receptores dessas políticas. O exemplo da Plateia é muito bom, mas insuficiente. Na verdade, o que a cidade precisava era de uma plataforma multidisciplinar que funcionasse como um agente poderoso não de reindivicação ou de protecção de interesses corporativos, mas de criação de estratégias locais para a cultura e de criação de condições para a criação e fruição artísticas. Enfim, se a câmara prescinde da política cultural, alguém deveria chamar essa responsabilidade a si. Etiquetas: Cultura, Porto

Já passou uma semana, mas mesmo assim acho que vale a pena voltar ao assunto. Na passada 3ª feira estive presente no debate no Passos Manuel promovido pelos “ocupas” do Rivoli. Era suposto debaterem-se as «Funções e Fundamentos» da cultura enquanto serviço público. Não vou entrar em grandes detalhes, até porque a Cristina já o fez muito bem feito. Estas minhas apreciações são já de outro domínio.Uma nota preliminar: 1) acho que o episódio da ocupação do Rivoli teve o condão de por a cidade (e o país) a discutir o papel da cultura (embora o debate se tenha concentrado quase todo na questão do custo/benefício, enfim, não se pode ter tudo...) e só por isso valeu a pena; 2) apesar de alguns escrupulos meus quanto à legalidade e oportunidade da ocupação, considerei-a legítima; 3) sou um espectador assíduo do teatro e sentir-me-ia muito triste se alguns dos grupos fechassem portas e partissem para o exílio (ao contrário de outros, não acho que se faça mau teatro no Porto e que este seja “elitista”, na verdade até o acho bastante conservador, mas isso é já outra história...).A troca de experiências sempre poderá ter um efeito de catarse e de purgação das frustrações. Faz bem e até deviamos todos repetir a experiência mais vezes. Mas dei por mim a pensar se não fosse a existência de uma ameaça exterior, nenhum dos presentes se teria dado ao trabalho de dialogar com os seus colegas. Mais: muito se queixaram da atitude da ministra que não ficou para o «debate», mas quanto a mim, apesar de também me ter sentido incomodado com a atitude de “atropelamento e fuga” da ministra, pareceu-me que por ali havia outra coisa no ar. Pareceu-me que a decepção de alguns se confundiu com um certo sentimento de orfandade. Quem esperava protecção teve de se contentar com uma cavalgada política para Rui Rio ver. Quem esperava apoio apenas teve direito a uma palmadinha discreta nas costas e a um foguetório de números. Foi pouco e soube a pouco.Ninguém – para além de Augusto M. Seabra – se terá apercebido do grande equívoco que por ali (mais uma vez) se ensaiava. É verdade que a política anti-cultural de Rui Rio é um erro estratégico e que as suas críticas aos agentes culturais são injustas. É verdade que o apoio do Ministério é sempre insuficiente, desarticulado e vem sempre atrasado. É verdade que a Ministra não se tem mostrado à altura do cargo que ocupa. É verdade que os portuenses se deixaram reduzir à condição de meros figurantes. Mas tudo isto somado é apenas metade do problema. A outra metade do problema está na própria comunidade (o termo “comunidade” é manifestamente exagerado) artística que é incapaz de definir um rumo e de desenhar uma estratégia própria. À pergunta final: «E agora? O que fazemos a seguir?» ninguém foi capaz de balbuciar uma sugestão sequer. Apenas mais do mesmo: fazer mais encontros como aquele (com ou sem ministra?), ocupar novamente o Rivoli, informar e “sensibilizar” a população para o problema e até – imagine-se! – uma marcha em pêlo pela causa! Quer dizer, apenas medidas de protesto e nada mais. Com tanta gente que se dedica à criação artística espanta-me que a ninguém ocorresse a ideia de que o único caminho a fazer será justamente o de mudar de vida. E mudar de vida é continuar a fazer bom teatro (ou qualquer outra actividade artística), mas sem dependência dos humores autárquicos e até mesmo da errância ministerial. Como já tinha dito em outra ocasião, uma câmara mínima é uma boa oportunidade para se sair da menoridade cívica. Antes de se queixarem da inexistência de uma sociedade civil que suporte a cultura, talvez fosse mais interessante passarmos à construção dessa mesma sociedade civil.A privatização do Rivoli e o corte de subsídios não constavam no programa eleitoral que a coligação PSD/CDS apresentou nas últimas eleições, o que é, do ponto de vista democrático, censurável. Contudo, os sinais eram bem claros. Quem vê a tempestade a se aproximar e nada faz, sujeita-se ao pior. Veja-se, por exemplo, este documento do site municipal intitulado «O Porto e o Futuro: o quadro de referência estratégica nacional» que se debruça sobre a estratégia do Porto para a gestão dos fundos europeus entre 2007 e 2013. Encontram alguma referência à cultura? Claro que não! E, no entanto, a UE considera a cultura como um sector estratégico e como um motor de produção de riqueza. Aliás, o consenso parece ser geral: na europa, no país e na região norte. Porto é a excepção. A este propósito, recomendo a leitura deste Relatório sobre a Cultura apresentado por Helena Santos no contexto do Norte2015. Em particular, gostaria de destacar o facto de se ter concluído que a política da cultura em Portugal «apresenta-se tardia, hesitante, frágil e “Estado-dependente”, ou seja, trata-se de uma política que torna o Estado no principal agente cultural. Para tal, contribuem dois factores: por um lado, as políticas locais são débeis e elas próprias dependentes do estado central; e, por outro lado, não existem verdadeiros interlocutores entre o estado central, as autarquias, os privados e os criadores.Ora, parece-me óbvio que é por aqui mesmo que os agentes culturais devem começar. Devem organizar-se de maneira a passarem também a ser mediadores das políticas culturais em vez de continuarem enquanto meros receptores dessas políticas. O exemplo da Plateia é muito bom, mas insuficiente. Na verdade, o que a cidade precisava era de uma plataforma multidisciplinar que funcionasse como um agente poderoso não de reindivicação ou de protecção de interesses corporativos, mas de criação de estratégias locais para a cultura e de criação de condições para a criação e fruição artísticas. Enfim, se a câmara prescinde da política cultural, alguém deveria chamar essa responsabilidade a si. Etiquetas: Cultura, Porto

Já passou uma semana, mas mesmo assim acho que vale a pena voltar ao assunto. Na passada 3ª feira estive presente no debate no Passos Manuel promovido pelos “ocupas” do Rivoli. Era suposto debaterem-se as «Funções e Fundamentos» da cultura enquanto serviço público. Não vou entrar em grandes detalhes, até porque a Cristina já o fez muito bem feito. Estas minhas apreciações são já de outro domínio.Uma nota preliminar: 1) acho que o episódio da ocupação do Rivoli teve o condão de por a cidade (e o país) a discutir o papel da cultura (embora o debate se tenha concentrado quase todo na questão do custo/benefício, enfim, não se pode ter tudo...) e só por isso valeu a pena; 2) apesar de alguns escrupulos meus quanto à legalidade e oportunidade da ocupação, considerei-a legítima; 3) sou um espectador assíduo do teatro e sentir-me-ia muito triste se alguns dos grupos fechassem portas e partissem para o exílio (ao contrário de outros, não acho que se faça mau teatro no Porto e que este seja “elitista”, na verdade até o acho bastante conservador, mas isso é já outra história...).A troca de experiências sempre poderá ter um efeito de catarse e de purgação das frustrações. Faz bem e até deviamos todos repetir a experiência mais vezes. Mas dei por mim a pensar se não fosse a existência de uma ameaça exterior, nenhum dos presentes se teria dado ao trabalho de dialogar com os seus colegas. Mais: muito se queixaram da atitude da ministra que não ficou para o «debate», mas quanto a mim, apesar de também me ter sentido incomodado com a atitude de “atropelamento e fuga” da ministra, pareceu-me que por ali havia outra coisa no ar. Pareceu-me que a decepção de alguns se confundiu com um certo sentimento de orfandade. Quem esperava protecção teve de se contentar com uma cavalgada política para Rui Rio ver. Quem esperava apoio apenas teve direito a uma palmadinha discreta nas costas e a um foguetório de números. Foi pouco e soube a pouco.Ninguém – para além de Augusto M. Seabra – se terá apercebido do grande equívoco que por ali (mais uma vez) se ensaiava. É verdade que a política anti-cultural de Rui Rio é um erro estratégico e que as suas críticas aos agentes culturais são injustas. É verdade que o apoio do Ministério é sempre insuficiente, desarticulado e vem sempre atrasado. É verdade que a Ministra não se tem mostrado à altura do cargo que ocupa. É verdade que os portuenses se deixaram reduzir à condição de meros figurantes. Mas tudo isto somado é apenas metade do problema. A outra metade do problema está na própria comunidade (o termo “comunidade” é manifestamente exagerado) artística que é incapaz de definir um rumo e de desenhar uma estratégia própria. À pergunta final: «E agora? O que fazemos a seguir?» ninguém foi capaz de balbuciar uma sugestão sequer. Apenas mais do mesmo: fazer mais encontros como aquele (com ou sem ministra?), ocupar novamente o Rivoli, informar e “sensibilizar” a população para o problema e até – imagine-se! – uma marcha em pêlo pela causa! Quer dizer, apenas medidas de protesto e nada mais. Com tanta gente que se dedica à criação artística espanta-me que a ninguém ocorresse a ideia de que o único caminho a fazer será justamente o de mudar de vida. E mudar de vida é continuar a fazer bom teatro (ou qualquer outra actividade artística), mas sem dependência dos humores autárquicos e até mesmo da errância ministerial. Como já tinha dito em outra ocasião, uma câmara mínima é uma boa oportunidade para se sair da menoridade cívica. Antes de se queixarem da inexistência de uma sociedade civil que suporte a cultura, talvez fosse mais interessante passarmos à construção dessa mesma sociedade civil.A privatização do Rivoli e o corte de subsídios não constavam no programa eleitoral que a coligação PSD/CDS apresentou nas últimas eleições, o que é, do ponto de vista democrático, censurável. Contudo, os sinais eram bem claros. Quem vê a tempestade a se aproximar e nada faz, sujeita-se ao pior. Veja-se, por exemplo, este documento do site municipal intitulado «O Porto e o Futuro: o quadro de referência estratégica nacional» que se debruça sobre a estratégia do Porto para a gestão dos fundos europeus entre 2007 e 2013. Encontram alguma referência à cultura? Claro que não! E, no entanto, a UE considera a cultura como um sector estratégico e como um motor de produção de riqueza. Aliás, o consenso parece ser geral: na europa, no país e na região norte. Porto é a excepção. A este propósito, recomendo a leitura deste Relatório sobre a Cultura apresentado por Helena Santos no contexto do Norte2015. Em particular, gostaria de destacar o facto de se ter concluído que a política da cultura em Portugal «apresenta-se tardia, hesitante, frágil e “Estado-dependente”, ou seja, trata-se de uma política que torna o Estado no principal agente cultural. Para tal, contribuem dois factores: por um lado, as políticas locais são débeis e elas próprias dependentes do estado central; e, por outro lado, não existem verdadeiros interlocutores entre o estado central, as autarquias, os privados e os criadores.Ora, parece-me óbvio que é por aqui mesmo que os agentes culturais devem começar. Devem organizar-se de maneira a passarem também a ser mediadores das políticas culturais em vez de continuarem enquanto meros receptores dessas políticas. O exemplo da Plateia é muito bom, mas insuficiente. Na verdade, o que a cidade precisava era de uma plataforma multidisciplinar que funcionasse como um agente poderoso não de reindivicação ou de protecção de interesses corporativos, mas de criação de estratégias locais para a cultura e de criação de condições para a criação e fruição artísticas. Enfim, se a câmara prescinde da política cultural, alguém deveria chamar essa responsabilidade a si. Etiquetas: Cultura, Porto

Já passou uma semana, mas mesmo assim acho que vale a pena voltar ao assunto. Na passada 3ª feira estive presente no debate no Passos Manuel promovido pelos “ocupas” do Rivoli. Era suposto debaterem-se as «Funções e Fundamentos» da cultura enquanto serviço público. Não vou entrar em grandes detalhes, até porque a Cristina já o fez muito bem feito. Estas minhas apreciações são já de outro domínio.Uma nota preliminar: 1) acho que o episódio da ocupação do Rivoli teve o condão de por a cidade (e o país) a discutir o papel da cultura (embora o debate se tenha concentrado quase todo na questão do custo/benefício, enfim, não se pode ter tudo...) e só por isso valeu a pena; 2) apesar de alguns escrupulos meus quanto à legalidade e oportunidade da ocupação, considerei-a legítima; 3) sou um espectador assíduo do teatro e sentir-me-ia muito triste se alguns dos grupos fechassem portas e partissem para o exílio (ao contrário de outros, não acho que se faça mau teatro no Porto e que este seja “elitista”, na verdade até o acho bastante conservador, mas isso é já outra história...).A troca de experiências sempre poderá ter um efeito de catarse e de purgação das frustrações. Faz bem e até deviamos todos repetir a experiência mais vezes. Mas dei por mim a pensar se não fosse a existência de uma ameaça exterior, nenhum dos presentes se teria dado ao trabalho de dialogar com os seus colegas. Mais: muito se queixaram da atitude da ministra que não ficou para o «debate», mas quanto a mim, apesar de também me ter sentido incomodado com a atitude de “atropelamento e fuga” da ministra, pareceu-me que por ali havia outra coisa no ar. Pareceu-me que a decepção de alguns se confundiu com um certo sentimento de orfandade. Quem esperava protecção teve de se contentar com uma cavalgada política para Rui Rio ver. Quem esperava apoio apenas teve direito a uma palmadinha discreta nas costas e a um foguetório de números. Foi pouco e soube a pouco.Ninguém – para além de Augusto M. Seabra – se terá apercebido do grande equívoco que por ali (mais uma vez) se ensaiava. É verdade que a política anti-cultural de Rui Rio é um erro estratégico e que as suas críticas aos agentes culturais são injustas. É verdade que o apoio do Ministério é sempre insuficiente, desarticulado e vem sempre atrasado. É verdade que a Ministra não se tem mostrado à altura do cargo que ocupa. É verdade que os portuenses se deixaram reduzir à condição de meros figurantes. Mas tudo isto somado é apenas metade do problema. A outra metade do problema está na própria comunidade (o termo “comunidade” é manifestamente exagerado) artística que é incapaz de definir um rumo e de desenhar uma estratégia própria. À pergunta final: «E agora? O que fazemos a seguir?» ninguém foi capaz de balbuciar uma sugestão sequer. Apenas mais do mesmo: fazer mais encontros como aquele (com ou sem ministra?), ocupar novamente o Rivoli, informar e “sensibilizar” a população para o problema e até – imagine-se! – uma marcha em pêlo pela causa! Quer dizer, apenas medidas de protesto e nada mais. Com tanta gente que se dedica à criação artística espanta-me que a ninguém ocorresse a ideia de que o único caminho a fazer será justamente o de mudar de vida. E mudar de vida é continuar a fazer bom teatro (ou qualquer outra actividade artística), mas sem dependência dos humores autárquicos e até mesmo da errância ministerial. Como já tinha dito em outra ocasião, uma câmara mínima é uma boa oportunidade para se sair da menoridade cívica. Antes de se queixarem da inexistência de uma sociedade civil que suporte a cultura, talvez fosse mais interessante passarmos à construção dessa mesma sociedade civil.A privatização do Rivoli e o corte de subsídios não constavam no programa eleitoral que a coligação PSD/CDS apresentou nas últimas eleições, o que é, do ponto de vista democrático, censurável. Contudo, os sinais eram bem claros. Quem vê a tempestade a se aproximar e nada faz, sujeita-se ao pior. Veja-se, por exemplo, este documento do site municipal intitulado «O Porto e o Futuro: o quadro de referência estratégica nacional» que se debruça sobre a estratégia do Porto para a gestão dos fundos europeus entre 2007 e 2013. Encontram alguma referência à cultura? Claro que não! E, no entanto, a UE considera a cultura como um sector estratégico e como um motor de produção de riqueza. Aliás, o consenso parece ser geral: na europa, no país e na região norte. Porto é a excepção. A este propósito, recomendo a leitura deste Relatório sobre a Cultura apresentado por Helena Santos no contexto do Norte2015. Em particular, gostaria de destacar o facto de se ter concluído que a política da cultura em Portugal «apresenta-se tardia, hesitante, frágil e “Estado-dependente”, ou seja, trata-se de uma política que torna o Estado no principal agente cultural. Para tal, contribuem dois factores: por um lado, as políticas locais são débeis e elas próprias dependentes do estado central; e, por outro lado, não existem verdadeiros interlocutores entre o estado central, as autarquias, os privados e os criadores.Ora, parece-me óbvio que é por aqui mesmo que os agentes culturais devem começar. Devem organizar-se de maneira a passarem também a ser mediadores das políticas culturais em vez de continuarem enquanto meros receptores dessas políticas. O exemplo da Plateia é muito bom, mas insuficiente. Na verdade, o que a cidade precisava era de uma plataforma multidisciplinar que funcionasse como um agente poderoso não de reindivicação ou de protecção de interesses corporativos, mas de criação de estratégias locais para a cultura e de criação de condições para a criação e fruição artísticas. Enfim, se a câmara prescinde da política cultural, alguém deveria chamar essa responsabilidade a si. Etiquetas: Cultura, Porto

marcar artigo