Quem é o homem por detrás dos números do PSD?

06-11-2019
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O “meu Centeno” é melhor do que o teu. Foi mais ou menos este o tom da discussão entre António Costa e Rui Rio no último debate a dois antes das eleições legislativas. “O dr. António Costa tem um Mário Centeno, mas eu também tenho um Mário Centeno”, atirou Rio. “Mas eu não troco o meu pelo seu, fica já descansado. E os portugueses também não”, respondeu Costa. “Se o PS ganhar, [Centeno] fica, mas só enquanto for presidente do Eurogrupo, portanto vai-se embora no fim do próximo ano”, contra-atacou Rio. “Mesmo que seja assim, seria melhor seis meses do meu Centeno, do que quatro anos do seu”, disparou Costa.

A maioria dos portugueses não saberia de quem Rui Rio estava a falar como “seu Centeno”, mas quem tem acompanhado as propostas económicas do PSD percebeu que se referia a Joaquim Miranda Sarmento, porta-voz do partido para a área das Finanças. É ele quem tem dado a cara pela vertente orçamental do programa eleitoral social-democrata e é o principal responsável pelo cenário macroeconómico que está na sua base. No fundo, um papel semelhante àquele que desempenhou… Mário Centeno, quando liderou, em 2015, a equipa de economistas que preparou as contas do programa do PS.

Tal como Centeno, Joaquim Miranda Sarmento vem da academia. Doutorou-se em Finanças pela Universidade de Tillburg, na Holanda, e é atualmente professor de Finanças no ISEG. Trabalhou durante vários anos no Ministério das Finanças, com responsabilidades na área dos impostos e do orçamento. Foi consultor da UTAO (entidade responsável por dar apoio aos deputados na área orçamental) e assessor económico de Cavaco Silva na Presidência da República.

Embora seja cronista regular no Eco, a atuação de Miranda Sarmento tem sido essencialmente na sombra. O seu pensamento ficou mais claro com a publicação em abril do livro A Reforma das Finanças Públicas, no qual explica várias das suas principais propostas para a gestão das contas nacionais.

Algumas das medidas sugeridas seriam difíceis de vender ao eleitorado, como é o caso do regresso da Função Pública às 40 horas de trabalho semanal, a recolocação do IVA da restauração nos 23% e a criação de um pagamento mínimo de 40 euros por todas as famílias que entregam declaração de IRS. Nenhuma delas entrou no programa do PSD, tal como aconteceu com a indexação dos salários e pensões ao crescimento da economia, que também defendia.

Rui Rio esteve presente na apresentação do livro e assumiu, logo ali, que existiam diferenças. Embora tenha sublinhado que se revia em Miranda Sarmento e que “ele se revê em mim”, o presidente social-democrata notou que “isso não quer dizer que todas as medidas que ele defende venham a ser acolhidas pelo PSD”.

Em entrevistas, Miranda Sarmento foi avisando que há pouca margem para redução de impostos, mas o programa do PSD assumiu como bandeira um alívio fiscal de 3,7 mil milhões de euros até 2023. Do lado da despesa, o programa social-democrata parece coincidir mais com o pensamento de Miranda Sarmento, quando propõe “maior eficiência” e “melhoria da gestão” dos recursos do Estado, ainda que sem assumir, tal como o economista faz à VISÃO (ver caixa), a necessidade de diminuir o peso do Estado.

“O livro que escrevi é o meu pensamento pessoal. Como é óbvio, nos partidos políticos há convergência de opiniões. A minha é mais uma. É natural que o programa do PSD reúna vária sensibilidades”, explicou à VISÃO.

Questionado acerca da sua disponibilidade para ser ministro das Finanças de um executivo social-democrata, Miranda Sarmento é cauteloso – “não sou eu que faço a escolha” -, dizendo apenas que “gostaria que Portugal tivesse um governo não socialista e procuro dar o meu contributo para isso”.

Trunfo eleitoral

Para Rui Rio, é bom ter “um Centeno”. A forma como o presidente do PSD falou de Mário Centeno coloca-o como uma referência da gestão financeira, um modelo de ministro. Uma postura que contrasta com as críticas que Miranda Sarmento tem feito à estratégia de gestão das contas públicas do Governo, acusando-o de seguir uma lógica conjuntural e não estrutural.

É pouco comum o líder da oposição elogiar, mesmo que indiretamente, o detentor da pasta das Finanças do Governo, mas neste caso talvez não seja surpreendente. Afinal, Centeno é o membro mais popular do Executivo por larga margem. Mais: o ministro das Finanças não só é quase tão popular como António Costa, como, entre o eleitorado de direita, é mais popular do que o próprio Rui Rio.

“Isto constitui uma bomba eleitoral, pois significa que o político mais popular para o eleitorado de direita em Portugal (depois de Marcelo Rebelo de Sousa) está no Governo do PS, é e será o ministro das Finanças de António Costa”, escreveu no Expresso Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Ao contrário de Centeno pelo PS, Miranda Sarmento não faz parte da lista de candidatos do PSD à Assembleia da República, tendo sido nomeado mandatário nacional do partido. Embora tenha sido atirado para o ringue mediático contra o “Ronaldo do Ecofin”, não fugiu dos holofotes e disponibilizou-se para um frente-a-frente com Mário Centeno acerca dos números do programa do PSD versus os do PS. Até agora, o ministro das Finanças não respondeu ao desafio.

Joaquim Miranda Sarmento explica à VISÃO o que o diferencia do ministro das Finanças. Embora critique a estratégia de descida do défice, elogia Centeno por ter travado as “tentações” da esquerda.

O que o diferencia de Mário Centeno?

Primeiro o foco na competitividade, nas exportações e no investimento. Depois, considero que, apesar da importância das funções do Estado, este tem de ter uma dimensão mais reduzida. E terceiro: a necessidade de fazer uma consolidação estrutural das contas públicas e não conjuntural, como sucedeu até agora.

Que problemas identifica nessa estratégia de consolidação? Isso não colide com a caracterização de Mário Centeno como um ministro bem-sucedido no controlo das contas?

Em relação à primeira pergunta, dois terços da consolidação orçamental resultaram da política monetária do BCE. Quando passámos de um défice de 3% em 2015 para 0% este ano, estamos a falar de dois pontos percentuais que vêm de juros [da dívida] e dividendos do Banco de Portugal. O resto é aumento da carga fiscal e redução do investimento público. Tudo isto é conjuntural. Quanto ao segundo ponto, o ministro Mário Centeno tem o mérito de ter travado muitas das tentações que existiam à esquerda do PS de não prosseguir o caminho de consolidação. Foi numa conjuntura mais favorável, mas colocou um travão a tentações para deixar resvalar as contas públicas.

Vamos esquecer as sondagens. No caso de uma vitória do PSD, esperaria ser o ministro das Finanças?

Isso já não me compete dizer. Não sou eu que faço a escolha.

Este ano, publicou A Reforma das Finanças Públicas. Depois da apresentação do livro, foram sublinhadas divergências face ao programa eleitoral do PSD. Existe uma distância?

O livro que escrevi é o meu pensamento pessoal. Como é óbvio, nos partidos políticos há convergência de opiniões. A minha é mais uma. É natural que o programa do PSD reúna várias sensibilidades. Seria bizarro e preocupante se o programa do PSD fosse igual ao meu livro. Mas do ponto de vista dos objetivos estratégicos, acho que o programa até está em linha com o que escrevi e tem muitas das medidas operacionais, sobretudo na reforma da administração financeira do Estado. Na parte fiscal, também.

No debate de segunda-feira, Rui Rio referiu-se a si, dizendo “também tenho o meu Centeno”. Sentiu-se incomodado por o seu nome surgir desta forma, como um “outro Centeno”?

Do ponto de vista académico e profissional, tenho o maior respeito intelectual por Mário Centeno. Acho que é um académico de créditos firmados, apesar de não o conhecer pessoalmente. Aquilo que acho que o dr. Rui Rio quis dizer foi: “Se António Costa tem, desde 2015, um economista do seu lado com quem discute assuntos, eu também tenho um economista com quem discuto o programa e ideias.” Penso que foi nesse sentido.

Não importa que a referência seja feita assumindo o sucesso de Mário Centeno nestes quatro anos?

Não. Acho que o dr. Rui Rio estava a considerar que o dr. Centeno era um economista credível e um académico respeitável. E fez essa comparação comigo.

O “meu Centeno” é melhor do que o teu. Foi mais ou menos este o tom da discussão entre António Costa e Rui Rio no último debate a dois antes das eleições legislativas. “O dr. António Costa tem um Mário Centeno, mas eu também tenho um Mário Centeno”, atirou Rio. “Mas eu não troco o meu pelo seu, fica já descansado. E os portugueses também não”, respondeu Costa. “Se o PS ganhar, [Centeno] fica, mas só enquanto for presidente do Eurogrupo, portanto vai-se embora no fim do próximo ano”, contra-atacou Rio. “Mesmo que seja assim, seria melhor seis meses do meu Centeno, do que quatro anos do seu”, disparou Costa.

A maioria dos portugueses não saberia de quem Rui Rio estava a falar como “seu Centeno”, mas quem tem acompanhado as propostas económicas do PSD percebeu que se referia a Joaquim Miranda Sarmento, porta-voz do partido para a área das Finanças. É ele quem tem dado a cara pela vertente orçamental do programa eleitoral social-democrata e é o principal responsável pelo cenário macroeconómico que está na sua base. No fundo, um papel semelhante àquele que desempenhou… Mário Centeno, quando liderou, em 2015, a equipa de economistas que preparou as contas do programa do PS.

Tal como Centeno, Joaquim Miranda Sarmento vem da academia. Doutorou-se em Finanças pela Universidade de Tillburg, na Holanda, e é atualmente professor de Finanças no ISEG. Trabalhou durante vários anos no Ministério das Finanças, com responsabilidades na área dos impostos e do orçamento. Foi consultor da UTAO (entidade responsável por dar apoio aos deputados na área orçamental) e assessor económico de Cavaco Silva na Presidência da República.

Embora seja cronista regular no Eco, a atuação de Miranda Sarmento tem sido essencialmente na sombra. O seu pensamento ficou mais claro com a publicação em abril do livro A Reforma das Finanças Públicas, no qual explica várias das suas principais propostas para a gestão das contas nacionais.

Algumas das medidas sugeridas seriam difíceis de vender ao eleitorado, como é o caso do regresso da Função Pública às 40 horas de trabalho semanal, a recolocação do IVA da restauração nos 23% e a criação de um pagamento mínimo de 40 euros por todas as famílias que entregam declaração de IRS. Nenhuma delas entrou no programa do PSD, tal como aconteceu com a indexação dos salários e pensões ao crescimento da economia, que também defendia.

Rui Rio esteve presente na apresentação do livro e assumiu, logo ali, que existiam diferenças. Embora tenha sublinhado que se revia em Miranda Sarmento e que “ele se revê em mim”, o presidente social-democrata notou que “isso não quer dizer que todas as medidas que ele defende venham a ser acolhidas pelo PSD”.

Em entrevistas, Miranda Sarmento foi avisando que há pouca margem para redução de impostos, mas o programa do PSD assumiu como bandeira um alívio fiscal de 3,7 mil milhões de euros até 2023. Do lado da despesa, o programa social-democrata parece coincidir mais com o pensamento de Miranda Sarmento, quando propõe “maior eficiência” e “melhoria da gestão” dos recursos do Estado, ainda que sem assumir, tal como o economista faz à VISÃO (ver caixa), a necessidade de diminuir o peso do Estado.

“O livro que escrevi é o meu pensamento pessoal. Como é óbvio, nos partidos políticos há convergência de opiniões. A minha é mais uma. É natural que o programa do PSD reúna vária sensibilidades”, explicou à VISÃO.

Questionado acerca da sua disponibilidade para ser ministro das Finanças de um executivo social-democrata, Miranda Sarmento é cauteloso – “não sou eu que faço a escolha” -, dizendo apenas que “gostaria que Portugal tivesse um governo não socialista e procuro dar o meu contributo para isso”.

Trunfo eleitoral

Para Rui Rio, é bom ter “um Centeno”. A forma como o presidente do PSD falou de Mário Centeno coloca-o como uma referência da gestão financeira, um modelo de ministro. Uma postura que contrasta com as críticas que Miranda Sarmento tem feito à estratégia de gestão das contas públicas do Governo, acusando-o de seguir uma lógica conjuntural e não estrutural.

É pouco comum o líder da oposição elogiar, mesmo que indiretamente, o detentor da pasta das Finanças do Governo, mas neste caso talvez não seja surpreendente. Afinal, Centeno é o membro mais popular do Executivo por larga margem. Mais: o ministro das Finanças não só é quase tão popular como António Costa, como, entre o eleitorado de direita, é mais popular do que o próprio Rui Rio.

“Isto constitui uma bomba eleitoral, pois significa que o político mais popular para o eleitorado de direita em Portugal (depois de Marcelo Rebelo de Sousa) está no Governo do PS, é e será o ministro das Finanças de António Costa”, escreveu no Expresso Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Ao contrário de Centeno pelo PS, Miranda Sarmento não faz parte da lista de candidatos do PSD à Assembleia da República, tendo sido nomeado mandatário nacional do partido. Embora tenha sido atirado para o ringue mediático contra o “Ronaldo do Ecofin”, não fugiu dos holofotes e disponibilizou-se para um frente-a-frente com Mário Centeno acerca dos números do programa do PSD versus os do PS. Até agora, o ministro das Finanças não respondeu ao desafio.

Joaquim Miranda Sarmento explica à VISÃO o que o diferencia do ministro das Finanças. Embora critique a estratégia de descida do défice, elogia Centeno por ter travado as “tentações” da esquerda.

O que o diferencia de Mário Centeno?

Primeiro o foco na competitividade, nas exportações e no investimento. Depois, considero que, apesar da importância das funções do Estado, este tem de ter uma dimensão mais reduzida. E terceiro: a necessidade de fazer uma consolidação estrutural das contas públicas e não conjuntural, como sucedeu até agora.

Que problemas identifica nessa estratégia de consolidação? Isso não colide com a caracterização de Mário Centeno como um ministro bem-sucedido no controlo das contas?

Em relação à primeira pergunta, dois terços da consolidação orçamental resultaram da política monetária do BCE. Quando passámos de um défice de 3% em 2015 para 0% este ano, estamos a falar de dois pontos percentuais que vêm de juros [da dívida] e dividendos do Banco de Portugal. O resto é aumento da carga fiscal e redução do investimento público. Tudo isto é conjuntural. Quanto ao segundo ponto, o ministro Mário Centeno tem o mérito de ter travado muitas das tentações que existiam à esquerda do PS de não prosseguir o caminho de consolidação. Foi numa conjuntura mais favorável, mas colocou um travão a tentações para deixar resvalar as contas públicas.

Vamos esquecer as sondagens. No caso de uma vitória do PSD, esperaria ser o ministro das Finanças?

Isso já não me compete dizer. Não sou eu que faço a escolha.

Este ano, publicou A Reforma das Finanças Públicas. Depois da apresentação do livro, foram sublinhadas divergências face ao programa eleitoral do PSD. Existe uma distância?

O livro que escrevi é o meu pensamento pessoal. Como é óbvio, nos partidos políticos há convergência de opiniões. A minha é mais uma. É natural que o programa do PSD reúna várias sensibilidades. Seria bizarro e preocupante se o programa do PSD fosse igual ao meu livro. Mas do ponto de vista dos objetivos estratégicos, acho que o programa até está em linha com o que escrevi e tem muitas das medidas operacionais, sobretudo na reforma da administração financeira do Estado. Na parte fiscal, também.

No debate de segunda-feira, Rui Rio referiu-se a si, dizendo “também tenho o meu Centeno”. Sentiu-se incomodado por o seu nome surgir desta forma, como um “outro Centeno”?

Do ponto de vista académico e profissional, tenho o maior respeito intelectual por Mário Centeno. Acho que é um académico de créditos firmados, apesar de não o conhecer pessoalmente. Aquilo que acho que o dr. Rui Rio quis dizer foi: “Se António Costa tem, desde 2015, um economista do seu lado com quem discute assuntos, eu também tenho um economista com quem discuto o programa e ideias.” Penso que foi nesse sentido.

Não importa que a referência seja feita assumindo o sucesso de Mário Centeno nestes quatro anos?

Não. Acho que o dr. Rui Rio estava a considerar que o dr. Centeno era um economista credível e um académico respeitável. E fez essa comparação comigo.

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