Fernando Lima não quer "vender empresas só por vender"

23-11-2019
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Renegociar as dívidas das empresas do universo da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) com a banca, reestruturar as empresas com viabilidade e interesse para os accionistas e manter os mais de quatro mil postos de trabalho do grupo - é este o desafio que Fernando Lima tem pela frente.

O presidente da SLN diz que a última coisa que pretende fazer é "fechar ou vender empresas só por vender". Gestor há mais de 30 anos, com experiência em recuperação de empresas, confessa que "a tarefa não é fácil".

Há um mês e meio na antiga dona do BPN, o ex-presidente da construtora Abrantina já fez a radiografia à SLN. A conjuntura de crise não é a melhor para renegociar passivos nem para vender activos ou arranjar parceiros e ao mesmo tempo manter postos de trabalho. "Não somos uma excepção à realidade", afirma, embora acredite que pode remar contra a maré, apesar do endividamento e descapitalização das empresas.

Só ao BPN a SLN deve entre €350 milhões e €400 milhões. Contratos que têm de ser renegociados, a que se somam cerca de €200 milhões de empréstimos a outros bancos, como o BCP, BES, Barclays e Santander. A este valor há que juntar alguns créditos por apurar que estão estacionados nas mais de 94 offshores que são da SLN. O gestor espera poder negociar a carência de juros ou mesmo de capital com a banca por um prazo que dê tempo para recuperar ou vender as empresas.

A conversão das dívidas que tem junto do BPN em capital, através da qual o Estado passaria a ser accionista da SLN - como defendem alguns dos maiores accionistas -, é um cenário ainda em aberto, em relação ao qual Fernando Lima não toma neste momento posição.

"A nacionalização do BPN criou problemas às empresas da SLN, que precisam de capital, mas grande parte delas são viáveis, embora atravessem graves dificuldades financeiras", afirma. Para isso, adianta, "entregámos à Roland Berger a avaliação dos activos, na certeza de que temos de racionalizar o modelo de negócio. Queremos saber o que faz mais sentido alienar ou liquidar". Até final do mês a SLN espera ter as contas individuais fechadas.

A jóia da coroa é agora o Grupo Português de Saúde, onde haverá desenvolvimentos. Entre os sectores já identificados para o reenfoque do grupo está também a seguradora Real, a área do turismo, o sector automóvel (que deverá reformular o conceito e encontrar parcerias) e possivelmente o negócio dos vinhos.

Empresas a sair da SLN

Entre os negócios que sem o banco não faz sentido manter, Fernando Lima refere as tecnologias. Dá exemplos: "a Datacomp pode sair do perímetro da SLN. Não é racional manter a Netpay na SLN, por isso estamos a negociar a sua migração com o BPN e a SIBS". Assume ter problemas financeiros sérios com as empresas do universo Plêiade, nomeadamente a Inapal Plásticos e Sociedade Portuguesa de Pintura e Módulos (SPPM) e os parceiros alemães que fornecem a Autoeuropa. "Estamos a conversar com o Governo para reconverter os passivos de forma a resolver a situação sem prejudicar a Autoeuropa". Quanto à cimenteira CNE, "há questões jurídicas com os sócios que têm bloqueado a sua gestão. Esperamos resolvê-los a curto prazo".

Outros sectores, como o imobiliário, ainda carecem de uma "visão global", pois está a ser feito o levantamento dos activos, tendo em conta que alguns estão em "barrigas de aluguer" e, como tal, fora do balanço da SLN. "Era o caso da Gestroprata (engloba uma série de terrenos e projectos imobiliários), a Paprefu (terrenos de Rio Frio) e Domurbanis (antigo edifício do Banco de Portugal em Setúbal), cuja co-propriedade era dividida entre a SLN e Fernando Fantasia, Emídio Catum e a Sabrico (fornecimento de carros e camiões) no Brasil, situações que estão a ser regularizadas". Mas "há ainda questões jurídicas e contabilísticas a resolver", adverte Fernando Lima, que reuniu ontem com 100 quadros da SLN para os sensibilizar para o trabalho que têm pela frente.

Mais acções contra gestão

Fernando Lima diz que a sua missão "é defender o interesse dos accionistas e dos trabalhadores". E, como tal, "sempre que detectarmos operações irregulares e que tenham criado prejuízos não deixaremos de actuar judicialmente". Ou seja, admite avançar com acções que responsabilizem gestores ou ex-gestores que tenham causado prejuízos, como fez a equipa de Cadilhe ao avançar com o arresto de bens do fundador do BPN, José Oliveira Costa, e da sua mulher, assim como do ex-administrador António Franco.

Contestação à decisão do Governo

Não há ainda decisão sobre a impugnação jurídica da administração de Miguel Cadilhe ao acto jurídico de nacionalização do BPN decretada em Novembro pelo Estado. Fernando Lima explica que teria feito o mesmo por considerar que não se pode ter em conta apenas o critério que foi considerado: o património líquido. Caso a decisão seja favorável, como os efeitos não podem retroagir nesta altura, a solução poderá passar por indemnizações com vantagens para os accionistas, colaboradores e credores.

Oliveira Costa assinou cartas responsabilizando-se por operações feitas através do Insular. Bloco de Esquerda pede declarações ao BPN e SLN

O fundador do grupo BPN, José Oliveira Costa, em prisão preventiva por suspeita de abuso de confiança, branqueamento de capitais e fraude fiscal, entre outros, assinou várias declarações onde assume "a responsabilidade de todas as acções e tarefas", feitas pelo menos por quatro colaboradores da direcção de operações do BPN - António Franco, António José Duarte, Emanuel Peixoto e Ricardo Pinheiro. Responsáveis que já assumiram perante a comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN ter recebido ordens para lançar operações sobre o Banco Insular, em Cabo Verde.

As declarações assinadas por Oliveira Costa têm a data de 11 de Dezembro de 2007, a recta final do seu mandato (saiu em Fevereiro de 2008), mas esta terá sido forjada. O documento terá apenas valor do ponto de vista interno. Mas sobre o mesmo assunto existem duas versões.

Oliveira Costa foi confrontado com esta questão no decurso dos depoimentos feitos no Ministério Público. O ex-presidente do BPN explicou então que foi alvo de chantagem, tendo-lhe sido dito que se não assinasse a declaração, sairiam para a imprensa informações sobre "determinados actos praticados no grupo que levantavam dúvidas".

A segunda versão tem em conta o facto de em Janeiro de 2008 o Expresso ter noticiado que o grupo estava a ser pressionado pelo Banco de Portugal a esclarecer quem eram os beneficiários últimos e que activos garantiam empréstimos feitos pelo banco a diversas sociedades com sede em paraísos fiscais (offshores). Logo a seguir Oliveira Costa disse ao "Diário Económico": "No BPN não tenho nada a esconder.

Existem regras muito rigorosas sobre estas matérias, espero que as pessoas responsáveis por essas áreas as estejam a cumprir". Terá sido após estas declarações que o então administrador António Franco pediu a Oliveira Costa que assinasse as declarações. O Bloco de Esquerda vai solicitar ao BPN e à SLN as cópias de todos estes documentos.

I.V.

Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Março de 2009

Renegociar as dívidas das empresas do universo da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) com a banca, reestruturar as empresas com viabilidade e interesse para os accionistas e manter os mais de quatro mil postos de trabalho do grupo - é este o desafio que Fernando Lima tem pela frente.

O presidente da SLN diz que a última coisa que pretende fazer é "fechar ou vender empresas só por vender". Gestor há mais de 30 anos, com experiência em recuperação de empresas, confessa que "a tarefa não é fácil".

Há um mês e meio na antiga dona do BPN, o ex-presidente da construtora Abrantina já fez a radiografia à SLN. A conjuntura de crise não é a melhor para renegociar passivos nem para vender activos ou arranjar parceiros e ao mesmo tempo manter postos de trabalho. "Não somos uma excepção à realidade", afirma, embora acredite que pode remar contra a maré, apesar do endividamento e descapitalização das empresas.

Só ao BPN a SLN deve entre €350 milhões e €400 milhões. Contratos que têm de ser renegociados, a que se somam cerca de €200 milhões de empréstimos a outros bancos, como o BCP, BES, Barclays e Santander. A este valor há que juntar alguns créditos por apurar que estão estacionados nas mais de 94 offshores que são da SLN. O gestor espera poder negociar a carência de juros ou mesmo de capital com a banca por um prazo que dê tempo para recuperar ou vender as empresas.

A conversão das dívidas que tem junto do BPN em capital, através da qual o Estado passaria a ser accionista da SLN - como defendem alguns dos maiores accionistas -, é um cenário ainda em aberto, em relação ao qual Fernando Lima não toma neste momento posição.

"A nacionalização do BPN criou problemas às empresas da SLN, que precisam de capital, mas grande parte delas são viáveis, embora atravessem graves dificuldades financeiras", afirma. Para isso, adianta, "entregámos à Roland Berger a avaliação dos activos, na certeza de que temos de racionalizar o modelo de negócio. Queremos saber o que faz mais sentido alienar ou liquidar". Até final do mês a SLN espera ter as contas individuais fechadas.

A jóia da coroa é agora o Grupo Português de Saúde, onde haverá desenvolvimentos. Entre os sectores já identificados para o reenfoque do grupo está também a seguradora Real, a área do turismo, o sector automóvel (que deverá reformular o conceito e encontrar parcerias) e possivelmente o negócio dos vinhos.

Empresas a sair da SLN

Entre os negócios que sem o banco não faz sentido manter, Fernando Lima refere as tecnologias. Dá exemplos: "a Datacomp pode sair do perímetro da SLN. Não é racional manter a Netpay na SLN, por isso estamos a negociar a sua migração com o BPN e a SIBS". Assume ter problemas financeiros sérios com as empresas do universo Plêiade, nomeadamente a Inapal Plásticos e Sociedade Portuguesa de Pintura e Módulos (SPPM) e os parceiros alemães que fornecem a Autoeuropa. "Estamos a conversar com o Governo para reconverter os passivos de forma a resolver a situação sem prejudicar a Autoeuropa". Quanto à cimenteira CNE, "há questões jurídicas com os sócios que têm bloqueado a sua gestão. Esperamos resolvê-los a curto prazo".

Outros sectores, como o imobiliário, ainda carecem de uma "visão global", pois está a ser feito o levantamento dos activos, tendo em conta que alguns estão em "barrigas de aluguer" e, como tal, fora do balanço da SLN. "Era o caso da Gestroprata (engloba uma série de terrenos e projectos imobiliários), a Paprefu (terrenos de Rio Frio) e Domurbanis (antigo edifício do Banco de Portugal em Setúbal), cuja co-propriedade era dividida entre a SLN e Fernando Fantasia, Emídio Catum e a Sabrico (fornecimento de carros e camiões) no Brasil, situações que estão a ser regularizadas". Mas "há ainda questões jurídicas e contabilísticas a resolver", adverte Fernando Lima, que reuniu ontem com 100 quadros da SLN para os sensibilizar para o trabalho que têm pela frente.

Mais acções contra gestão

Fernando Lima diz que a sua missão "é defender o interesse dos accionistas e dos trabalhadores". E, como tal, "sempre que detectarmos operações irregulares e que tenham criado prejuízos não deixaremos de actuar judicialmente". Ou seja, admite avançar com acções que responsabilizem gestores ou ex-gestores que tenham causado prejuízos, como fez a equipa de Cadilhe ao avançar com o arresto de bens do fundador do BPN, José Oliveira Costa, e da sua mulher, assim como do ex-administrador António Franco.

Contestação à decisão do Governo

Não há ainda decisão sobre a impugnação jurídica da administração de Miguel Cadilhe ao acto jurídico de nacionalização do BPN decretada em Novembro pelo Estado. Fernando Lima explica que teria feito o mesmo por considerar que não se pode ter em conta apenas o critério que foi considerado: o património líquido. Caso a decisão seja favorável, como os efeitos não podem retroagir nesta altura, a solução poderá passar por indemnizações com vantagens para os accionistas, colaboradores e credores.

Oliveira Costa assinou cartas responsabilizando-se por operações feitas através do Insular. Bloco de Esquerda pede declarações ao BPN e SLN

O fundador do grupo BPN, José Oliveira Costa, em prisão preventiva por suspeita de abuso de confiança, branqueamento de capitais e fraude fiscal, entre outros, assinou várias declarações onde assume "a responsabilidade de todas as acções e tarefas", feitas pelo menos por quatro colaboradores da direcção de operações do BPN - António Franco, António José Duarte, Emanuel Peixoto e Ricardo Pinheiro. Responsáveis que já assumiram perante a comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN ter recebido ordens para lançar operações sobre o Banco Insular, em Cabo Verde.

As declarações assinadas por Oliveira Costa têm a data de 11 de Dezembro de 2007, a recta final do seu mandato (saiu em Fevereiro de 2008), mas esta terá sido forjada. O documento terá apenas valor do ponto de vista interno. Mas sobre o mesmo assunto existem duas versões.

Oliveira Costa foi confrontado com esta questão no decurso dos depoimentos feitos no Ministério Público. O ex-presidente do BPN explicou então que foi alvo de chantagem, tendo-lhe sido dito que se não assinasse a declaração, sairiam para a imprensa informações sobre "determinados actos praticados no grupo que levantavam dúvidas".

A segunda versão tem em conta o facto de em Janeiro de 2008 o Expresso ter noticiado que o grupo estava a ser pressionado pelo Banco de Portugal a esclarecer quem eram os beneficiários últimos e que activos garantiam empréstimos feitos pelo banco a diversas sociedades com sede em paraísos fiscais (offshores). Logo a seguir Oliveira Costa disse ao "Diário Económico": "No BPN não tenho nada a esconder.

Existem regras muito rigorosas sobre estas matérias, espero que as pessoas responsáveis por essas áreas as estejam a cumprir". Terá sido após estas declarações que o então administrador António Franco pediu a Oliveira Costa que assinasse as declarações. O Bloco de Esquerda vai solicitar ao BPN e à SLN as cópias de todos estes documentos.

I.V.

Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Março de 2009

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