Ah Leão: a falar grosso para a direita e para a banca (mas a deixar muitas pontas soltas)

19-06-2020
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Sem drama nem suspense, e a defender um orçamento suplementar que passou com um “carimbo” - Mariana Mortágua dixit -, da maior abstenção de sempre (do PSD ao Bloco de Esquerda foram 115 deputados), João Leão teve uma prova de fogo fácil, mas com uma sombra que levará para o mandato. O novo ministro das Finanças não sucedeu apenas a Mário Centeno, teve a tarefa ingrata de defender as contas do antigo chefe no Parlamento, perante as acusações de o antecessor ter “desertado” a meio de uma crise “brutal”. O ministro da continuidade, apesar de ainda não parecer completamente à vontade na luta parlamentar, passou no teste em que teve de evitar estragos numa sala cheia de “elefantes”: falou grosso à direita e para o presidente Novo Banco, mas deixou incógnitas relevantes para o futuro sobre o défice, o IVA da luz ou a recapitalização do Novo Banco. E não resistiu ao pecado do otimismo.

João Leão levava a narrativa articulada, embora com espaços em branco que ficaram por esclarecer. Quando questionado pelo PSD sobre o que faria a um défice superior a 6% passada a crise aguda, o ministro respondeu que deixaria funcionar os “estabilizadores automáticos”, ou seja: com a recuperação económica (e o helicopter money europeu), deve esperar que o défice volte ao mesmo nível, sem austeridade. No discurso final, António Costa voltou ao mantra da sua definição de que não se cortam rendimentos nem se aumentam impostos, mas João Leão já tinha garantido “nenhum aumento de impostos para o futuro”. A promessa está feita. O tempo encarregar-se-á de dizer se a estabilização será automática, e se o Governo vai mesmo “rapidamente conseguir conduzir de novo o país a um caminho de crescimento”, como assegurou o ministro. Isto, sem pedir sacrifícios adicionais aos portugueses quando as metas europeias forem repostas.

"Otimismo em excesso não é bom conselheiro", havia de advertir o deputado Duarte Pacheco do PSD, que, apesar das críticas, algumas duras, viabilizou o suplementar com o argumento do interesse nacional. Rui Rio apontou baterias ao quadro económico como "demasiado otimista” que se falhar implica “indicadores do défice e da dívida pública ainda mais preocupantes do que aqueles que se prevê” para este ano. Ficou o aviso para memória futura e também uma lança apontada ao coração da polémica da última semana que só acabará com a nomeação (ou não) de Centeno para o Banco de Portugal: "Não faz sentido e é caso único na democracia portuguesa. Falaram mais alto as clivagens internas no Governo de que o respeito institucional pela Assembleia da República e do povo português. Nunca me passou pela cabeça que num quadro de pandemia o ministro das Finanças saísse no dia anterior à discussão do Orçamento", acusou Rio. Se Costa quer conforto para a transferência de Centeno, o líder do PSD não lhe parece dar espaço.

Apesar de estar longe do conservadorismo de Rio quanto aos números, com mais de 4% de crescimento previstos para 2021, o ministro da Economia, Siza Vieira, também pareceu mais prudente que o próprio colega das Finanças: “É um momento de grande incerteza. Não sabemos o ritmo da resposta internacional”, diria numa intervenção a meio do debate.

Uma manada de elefantes na sala

No hemiciclo onde metade dos deputados preparavam a abstenção, foi identificado um elefante na sala, o Novo Banco - José Luís Ferreira chamava-lhe “elefante branco” - mas foram mais quatro: a saída de Centeno, a descida no IVA da electricidade, o facto de o Governo não querer alterações ao orçamento aprovadas pela oposição e um problema chamado TAP.

Sobre o Novo Banco, João Leão cavalgou a onda de indignação da direita à esquerda, parafraseando o Presidente da República - "sim, estamos ‘estupefactos’, as declarações do presidente do Novo Banco foram extemporâneas e fora de tempo”, afirmou - e a frase produziu efeito (é popular bater na banca, como também já chegou a dizer Marcelo Rebelo de Sousa). Mas o ministro das Finanças não esclareceu se, em 2021, haverá uma transferência para cobrir as perdas com a pandemia, exigidas por António Ramalho. “Não está prevista nenhuma injeção no Novo Banco neste Orçamento Suplementar", limitou-se a dizer, sublinhando o óbvio. E no próximo? Não disse. O assunto é tóxico e ainda fará correr muita tinta nos próximos meses.

Sobre o IVA da electricidade, que quase arruinou a aprovação do orçamento anterior, o homem que no Governo é conhecido por ter uma “gaveta funda” ou por ser o artífice das cativações também não foi além de um vago adiamento para um momento “oportuno” - agora que a Comissão Europeia aprovou a variação da taxa do imposto consoante os consumos, proposta pelo Governo. O Bloco de Esquerda já garantiu que não vai deixar cair o tema e acusou António Costa de estar a fazer “chantagem”, ao apresentar um parecer jurídico que impede as alterações à proposta governamental de orçamento na especialidade. À direita, Cecília Meireles, do CDS, havia de classificar a atitude do Governo como criadora de uma “crise institucional”, sublinhando que o “dever” de um representante é “apresentar propostas”. João Leão, basicamente, ignorou os reparos.

Finalmente, no dossiê da TAP - muito atacado outra vez por Rui Rio - o ministro admitiu a conversão do empréstimo em capital, embora sem concretizar que tipo de influência terá o Estado na gestão da companhia (que o líder da oposição entende que deve ser do Estado caso tenha o capital maioritário). O Expresso escreveu este sábado que o Estado vai abdicar de ter um representante na Comissão Executiva, onde estão apenas três representantes dos acionistas privados, mas vai reforçar o seu poder através do conselho de administração. Só que sobre esse ‘detalhe’ - que divide o próprio ministro Pedro Nuno Santos e o primeiro-ministro -, nem uma palavra.

Nas respostas duras à direita, João Leão procurou fazer uma prova de capacidade de confronto político. Perante as críticas do deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, sobre a falta de verbas para o SNS ou falta de vacinas, o ministro não quis deixar uma primeira impressão de flacidez na reação aos adversários. Disse que também estava “estupefacto” com o pedido de verbas para o SNS, considerando os cortes feitos no tempo do Governo do PSD. E usou a mesma estratégia para rebater outras críticas da centrista Cecília Meireles, ao recordar os aumentos de impostos do Governo PSD/CDS no tempo da troika.

Este orçamento já estava garantido à partida. A primeira prova está passada. Se o teste do orçamento de outubro, para 2021, será mais difícil mas não impossível, a prova de fogo será daqui a um ano e meio. Até lá, com mais ou menos elefantes na sala, João Leão terá tempo de se ajustar ao fato herdado de patrão das Finanças.

Sem drama nem suspense, e a defender um orçamento suplementar que passou com um “carimbo” - Mariana Mortágua dixit -, da maior abstenção de sempre (do PSD ao Bloco de Esquerda foram 115 deputados), João Leão teve uma prova de fogo fácil, mas com uma sombra que levará para o mandato. O novo ministro das Finanças não sucedeu apenas a Mário Centeno, teve a tarefa ingrata de defender as contas do antigo chefe no Parlamento, perante as acusações de o antecessor ter “desertado” a meio de uma crise “brutal”. O ministro da continuidade, apesar de ainda não parecer completamente à vontade na luta parlamentar, passou no teste em que teve de evitar estragos numa sala cheia de “elefantes”: falou grosso à direita e para o presidente Novo Banco, mas deixou incógnitas relevantes para o futuro sobre o défice, o IVA da luz ou a recapitalização do Novo Banco. E não resistiu ao pecado do otimismo.

João Leão levava a narrativa articulada, embora com espaços em branco que ficaram por esclarecer. Quando questionado pelo PSD sobre o que faria a um défice superior a 6% passada a crise aguda, o ministro respondeu que deixaria funcionar os “estabilizadores automáticos”, ou seja: com a recuperação económica (e o helicopter money europeu), deve esperar que o défice volte ao mesmo nível, sem austeridade. No discurso final, António Costa voltou ao mantra da sua definição de que não se cortam rendimentos nem se aumentam impostos, mas João Leão já tinha garantido “nenhum aumento de impostos para o futuro”. A promessa está feita. O tempo encarregar-se-á de dizer se a estabilização será automática, e se o Governo vai mesmo “rapidamente conseguir conduzir de novo o país a um caminho de crescimento”, como assegurou o ministro. Isto, sem pedir sacrifícios adicionais aos portugueses quando as metas europeias forem repostas.

"Otimismo em excesso não é bom conselheiro", havia de advertir o deputado Duarte Pacheco do PSD, que, apesar das críticas, algumas duras, viabilizou o suplementar com o argumento do interesse nacional. Rui Rio apontou baterias ao quadro económico como "demasiado otimista” que se falhar implica “indicadores do défice e da dívida pública ainda mais preocupantes do que aqueles que se prevê” para este ano. Ficou o aviso para memória futura e também uma lança apontada ao coração da polémica da última semana que só acabará com a nomeação (ou não) de Centeno para o Banco de Portugal: "Não faz sentido e é caso único na democracia portuguesa. Falaram mais alto as clivagens internas no Governo de que o respeito institucional pela Assembleia da República e do povo português. Nunca me passou pela cabeça que num quadro de pandemia o ministro das Finanças saísse no dia anterior à discussão do Orçamento", acusou Rio. Se Costa quer conforto para a transferência de Centeno, o líder do PSD não lhe parece dar espaço.

Apesar de estar longe do conservadorismo de Rio quanto aos números, com mais de 4% de crescimento previstos para 2021, o ministro da Economia, Siza Vieira, também pareceu mais prudente que o próprio colega das Finanças: “É um momento de grande incerteza. Não sabemos o ritmo da resposta internacional”, diria numa intervenção a meio do debate.

Uma manada de elefantes na sala

No hemiciclo onde metade dos deputados preparavam a abstenção, foi identificado um elefante na sala, o Novo Banco - José Luís Ferreira chamava-lhe “elefante branco” - mas foram mais quatro: a saída de Centeno, a descida no IVA da electricidade, o facto de o Governo não querer alterações ao orçamento aprovadas pela oposição e um problema chamado TAP.

Sobre o Novo Banco, João Leão cavalgou a onda de indignação da direita à esquerda, parafraseando o Presidente da República - "sim, estamos ‘estupefactos’, as declarações do presidente do Novo Banco foram extemporâneas e fora de tempo”, afirmou - e a frase produziu efeito (é popular bater na banca, como também já chegou a dizer Marcelo Rebelo de Sousa). Mas o ministro das Finanças não esclareceu se, em 2021, haverá uma transferência para cobrir as perdas com a pandemia, exigidas por António Ramalho. “Não está prevista nenhuma injeção no Novo Banco neste Orçamento Suplementar", limitou-se a dizer, sublinhando o óbvio. E no próximo? Não disse. O assunto é tóxico e ainda fará correr muita tinta nos próximos meses.

Sobre o IVA da electricidade, que quase arruinou a aprovação do orçamento anterior, o homem que no Governo é conhecido por ter uma “gaveta funda” ou por ser o artífice das cativações também não foi além de um vago adiamento para um momento “oportuno” - agora que a Comissão Europeia aprovou a variação da taxa do imposto consoante os consumos, proposta pelo Governo. O Bloco de Esquerda já garantiu que não vai deixar cair o tema e acusou António Costa de estar a fazer “chantagem”, ao apresentar um parecer jurídico que impede as alterações à proposta governamental de orçamento na especialidade. À direita, Cecília Meireles, do CDS, havia de classificar a atitude do Governo como criadora de uma “crise institucional”, sublinhando que o “dever” de um representante é “apresentar propostas”. João Leão, basicamente, ignorou os reparos.

Finalmente, no dossiê da TAP - muito atacado outra vez por Rui Rio - o ministro admitiu a conversão do empréstimo em capital, embora sem concretizar que tipo de influência terá o Estado na gestão da companhia (que o líder da oposição entende que deve ser do Estado caso tenha o capital maioritário). O Expresso escreveu este sábado que o Estado vai abdicar de ter um representante na Comissão Executiva, onde estão apenas três representantes dos acionistas privados, mas vai reforçar o seu poder através do conselho de administração. Só que sobre esse ‘detalhe’ - que divide o próprio ministro Pedro Nuno Santos e o primeiro-ministro -, nem uma palavra.

Nas respostas duras à direita, João Leão procurou fazer uma prova de capacidade de confronto político. Perante as críticas do deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, sobre a falta de verbas para o SNS ou falta de vacinas, o ministro não quis deixar uma primeira impressão de flacidez na reação aos adversários. Disse que também estava “estupefacto” com o pedido de verbas para o SNS, considerando os cortes feitos no tempo do Governo do PSD. E usou a mesma estratégia para rebater outras críticas da centrista Cecília Meireles, ao recordar os aumentos de impostos do Governo PSD/CDS no tempo da troika.

Este orçamento já estava garantido à partida. A primeira prova está passada. Se o teste do orçamento de outubro, para 2021, será mais difícil mas não impossível, a prova de fogo será daqui a um ano e meio. Até lá, com mais ou menos elefantes na sala, João Leão terá tempo de se ajustar ao fato herdado de patrão das Finanças.

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