Reino Unido. Portugal zangou-se (outra vez) com o velho aliado

06-07-2020
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Autoridades portuguesas puxaram pelas comparações, pelos adjetivos e pelos laços históricos para condenarem, alto e bom som, a decisão do Reino Unido de excluir Portugal das pontes aéreas. "Não ajuda nada, estas coisas não se fazem assim", diz Tiago Moreira de Sá. "Foi dito e bem dito. Agora vamos sentar-nos à mesa e resolver o problema de forma racional", contrapõe Seixas da Costa.

Reino Unido reabriu este fim de semana pubs, restaurantes e locais de culto. © EPA/NEIL HALL

"Injusta", "errada", "surpreendente", "desapontante", "absurda", uma opção "não própria das relações de confiança recíproca" entre dois países amigos, um exemplo de "caos". A decisão do Reino Unido de deixar Portugal fora do grupo de países para onde os britânicos podem viajar sem restrições foi recebida pelo Governo português com uma lista de adjetivos pouco comum na linguagem diplomática. Primeiro foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a dizê-lo de viva voz. Depois, a mensagem passou para o Twitter oficial do Palácio das Necessidades. Sem meias palavras: "É absurdo que um país, o Reino Unido, que tem 28 vezes mais óbitos do que Portugal, devido à #COVID-19, imponha quarentena a passageiros oriundos de Portugal".

Olhando para os comentários ao tweet é notória alguma perplexidade com a afirmação oficial do ministério. Mas a reação não se ficou por aqui. No mesmo dia também o primeiro-ministro, António Costa, usou o Twitter para comparar os números do Reino Unido e os do... Algarve, e com 'legenda' em inglês: "Qual é o sítio mais seguro? Estão convidados a passar umas férias seguras no Algarve!".

A reação bastante audível e desagradada das autoridades portuguesas merece reações díspares. "Não ajuda nada. Estas coisas não se fazem assim, fazem-se negociando nos bastidores. Tudo o que seja deitar achas para a fogueira não ajuda", diz ao DN Tiago Moreira de Sá, professor da Universidade Nova e especialista em relações internacionais, considerando que as palavras do Executivo foram sobretudo "para consumo interno": "O Governo está a falar para dentro".

"Dizer 'mas vocês estão pior' não é um argumento. O que é preciso fazer é construir uma contranarrativa, que tem que se basear nos indicadores bons que nós temos e nas medidas eficazes que temos que tomar para combater a pandemia", diz o também presidente da Comissão de Relações Internacionais do PSD (mas ressalvando que não fala nessa condição).

O embaixador Francisco Seixas da Costa tem uma perspetiva diferente. "É uma questão muito pública. Não estamos numa área em que as coisas estejam a ser tratadas de forma muito discreta, é uma temática que está a ter uma repercussão diária ao nível da comunicação social em toda a Europa", sublinha, defendendo que "a reação teve a sonoridade pública e a adjetivação necessária para, em primeiro lugar, ter impacto na comunicação social do Reino Unido, no sentido de mostrar o desagrado das autoridades portuguesas". "E acho que teve algum sucesso nesse sentido", acrescenta, sublinhando que "quer as posições do Governo quer a posição do vice-presidente do PSD [Ricardo Baptista Leite, que falou ao programa Good Morning Britain] tiveram repercussão ao nível da comunicação social britânica".

"Há um momento em que é preciso dizer alto e bom som o nosso desagrado"

Agora, o problema entra numa nova fase. "Há um momento em que é preciso dizer alto e bom som o nosso desagrado. Foi dito e, na minha opinião, bem dito. Agora vamos passar à segunda fase. É assim que, muitas vezes, funcionam as coisas em diplomacia. E a segunda fase é tratar isto de forma técnica, com especialistas, com diplomatas a apoiar e tentar reverter a decisão. A partir daqui vamos sentar-nos à mesa e tratar a questão de uma forma racional, de uma forma não emotiva."

Questionado pelo DN sobre os contactos que estão a ser desenvolvidos junto do governo britânico, o ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu que "Portugal mantém os contactos a nível técnico, diplomático e político com o Reino Unido, de modo a procurar transmitir toda a informação necessária a que a decisão das autoridades britânicas possa ser revertida no curto prazo".

"Portugal irá continuar a apresentar dados atualizados sobre a situação epidemiológica do país e a chamar a atenção para o facto de esta não poder ser avaliada com base num só critério ou em critérios vagos", refere o MNE.

"Não podemos ser ingénuos nem fazer como a avestruz"

Na última sexta-feira o Governo britânico publicou a lista de países considerados de baixo risco de contágio de covid-19 - os passageiros que cheguem a território britânico a partir destes países ficam dispensados da quarentena de 14 dias. No caso dos países que não constam da listagem o isolamento durante duas semanas é obrigatório. Com a avaliação centrada num único índice, o número de novos casos por cada 100 mil habitantes registados nos últimos 14 dias - um dado que o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças já considerou arbitrário - Portugal ficou fora dos destinos isentos da quarentena.

Uma decisão que, a manter-se, representará um duro golpe para o setor do turismo, dado que o Reino Unido é nada mais que o maior mercado de origem do turismo português.

De acordo com números do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2019, Portugal recebeu 2,15 milhões de hóspedes britânicos no ano passado, o correspondente a 9,3 milhões de dormidas - deste total quase seis milhões (5,9) foram no Algarve que, com a Madeira, são os destinos preferenciais dos britânicos. Seguem-se, a considerável distância (em dormidas), os alemães e os espanhóis. E isto num contexto em que o número de turistas de fora da Europa (e Portugal vinha registando um aumento significativo por exemplo do mercado norte-americano) deverá cair para números residuais, não só face à situação pandémica em países como os Estados Unidos ou o Brasil, como devido à complexidade que assumem agora os voos de longa distância.

Acresce que os principais mercados concorrentes do Algarve, o principal destino dos ingleses, estão dispensados de quarentena - é o caso de Espanha, Itália, Grécia ou Turquia. Além do confinamento no regresso, o facto de Portugal não constar da lista de destinos seguros (são desaconselhadas visitas não essenciais) tem outro fator dissuasor: os seguros de viagem deixam de assegurar cobertura no território português. Mas o Reino Unido não é caso único: Dinamarca, Grécia, Áustria ou República Checa são outros destinos que impõem restrições relativamente a Portugal.

"Não podemos ser ingénuos. Há e haverá uma competição mundial por mercados, nomeadamente no turístico, uma espécie de lei da selva. Esta dimensão está sempre presente, mas não podemos fazer como a avestruz e achar que isto é só uma decisão injusta. De facto as coisas não correram bem num dado momento do desconfinamento, sobretudo na região de Lisboa. As duas perspetivas são válidas", sublinha Tiago Moreira de Sá.

Seixas da Costa também sublinha que "não vale a pena ter a mais pequena dúvida" que esta é uma questão "permeada por interesses de natureza económica e, em particular, por interesses em matéria de alvos turísticos de que os governos não são manifestamente independentes". Também por isso, diz o diplomata, por ser uma questão com tanta projeção pública nos media e junto dos operadores económicos, faz sentido que o Governo "tenha levantado a voz" contra a exclusão de Portugal da lista de destinos seguros, até porque a decisão pode influenciar turistas de outros países que ponderem férias em Portugal.

Pode uma velha aliança ajudar num novo problema? Nem por isso...

Embora a partir de perspetivas diferentes, num ponto Seixas da Costa e Tiago Moreira de Sá concordam: de nada vale, neste caso, chamar a terreiro a velha aliança luso-britânica, de que se tem ouvido falar bastante nos últimos dias.

"A aliança entre os dois países não é uma coisa de afetos, emocional, teve a ver com interesses"

Para a Inglaterra era fundamental não ter uma Espanha hegemónica na Península Ibérica, não ter uma potência hegemónica que fosse da Europa central ao Atlântico, e para isso era muito importante que Portugal fosse independente. E para Portugal essa aliança também era muito importante, precisamente para evitar ser anexado por Espanha. É uma velha aliança, mas de interesses, nunca teve nada a ver com emoções. Por isso é que resultou tão bem", diz Moreira de Sá. Não será, pois, por este caminho que o problema atual se resolverá.

"Portugal tem é que diversificar os mercados de origem do turismo. E, já agora, não sermos tão dependentes do turismo. Temos olhado para este setor como a galinha dos ovos de ouro, mas as galinhas dos ovos de ouro só existem nas histórias infantis", refere o professor da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.

Seixas da Costa também não vê razões para chamar à liça aquela que é tida como a mais antiga aliança diplomática do mundo, nascida em 1373: "Não acredito e não aceito que coisas que têm a ver com a segurança das pessoas possam ser tratadas à luz de motivações de natureza afetiva, de ligação histórica, de alianças históricas. Para mim está fora de causa invocar a aliança luso-britânica para isso". Mais: "As alianças e a amizade dos povos é um quadro interessante para fazer assentar um diálogo racional, não é um quadro que se substitui a esse diálogo racional. O diálogo tem que ser sereno, calmo, sentados à volta de uma mesa, com números, com estatísticas. É a partir daí que se tomam decisões".

O diálogo tem que ser sereno, calmo, com números, com estatísticas. É a partir daí que se tomam decisões"

No último domingo o Presidente da República também comentou a decisão britânica, precisamente trazendo a lume a histórica relação entre os dois países. "[O Reino Unido] é o nosso aliado mais antigo, as nossas relações são de muitos séculos e há uma coisa que toda a gente sabe: que na vida das pessoas, como na dos países, ora se está no alto ora se está em baixo. E quando se está em baixo precisa-se dos outros. Quando se está no alto - ou quando se pensa que está no alto - às vezes esquecem-se os outros." "Há sempre uma ocasião - é um problema de esperar - em que é preciso a ajuda daqueles que, num determinado momento, se pensou que estariam, para sempre, em baixo", acrescentou o Presidente da República.

E, tal como o Governo, novamente uma comparação: "O Algarve tem números que, comparados com alguns números de países estrangeiros - para não estar a identificar um em particular -, são lisonjeiros para o Algarve."

E pode a exclusão ser uma boa notícia?

Há outra linha de argumentação que vai fazendo o seu caminho: a imposição de uma quarentena a quem chegue ao Reino Unido a partir de Portugal, e o expectável efeito dissuasor que isso terá nos turistas britânicos, pode ser uma boa notícia de saúde pública para Portugal. De acordo com os números divulgados esta segunda-feira, nas 24 horas anteriores foram diagnosticados 352 novos casos de covid-19 e 16 vítimas mortais. E o Reino Unido está agora a dar os maiores passos do desconfinamento: este fim de semana reabriram restaurantes e bares, espaços de culto e outros locais de ajuntamento.

No total o Reino Unido conta 285 768 contágios e 44 236 óbitos.

"Dizer que não queremos cá os ingleses é absurdo", resume Moreira de Sá - "Quer queiramos, quer não, a nossa dependência do turismo inglês é muito grande. ".

Já Seixas da Costa sublinha que "vivemos há meses nesta dualidade: ao abrirmos a economia aceitamos correr alguns riscos por razões de natureza económica". É também neste plano que se enquadra a vinda de turistas ingleses: "É uma decisão para tentar salvar a economia, mesmo correndo alguns riscos em matéria sanitária".

Autoridades portuguesas puxaram pelas comparações, pelos adjetivos e pelos laços históricos para condenarem, alto e bom som, a decisão do Reino Unido de excluir Portugal das pontes aéreas. "Não ajuda nada, estas coisas não se fazem assim", diz Tiago Moreira de Sá. "Foi dito e bem dito. Agora vamos sentar-nos à mesa e resolver o problema de forma racional", contrapõe Seixas da Costa.

Reino Unido reabriu este fim de semana pubs, restaurantes e locais de culto. © EPA/NEIL HALL

"Injusta", "errada", "surpreendente", "desapontante", "absurda", uma opção "não própria das relações de confiança recíproca" entre dois países amigos, um exemplo de "caos". A decisão do Reino Unido de deixar Portugal fora do grupo de países para onde os britânicos podem viajar sem restrições foi recebida pelo Governo português com uma lista de adjetivos pouco comum na linguagem diplomática. Primeiro foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a dizê-lo de viva voz. Depois, a mensagem passou para o Twitter oficial do Palácio das Necessidades. Sem meias palavras: "É absurdo que um país, o Reino Unido, que tem 28 vezes mais óbitos do que Portugal, devido à #COVID-19, imponha quarentena a passageiros oriundos de Portugal".

Olhando para os comentários ao tweet é notória alguma perplexidade com a afirmação oficial do ministério. Mas a reação não se ficou por aqui. No mesmo dia também o primeiro-ministro, António Costa, usou o Twitter para comparar os números do Reino Unido e os do... Algarve, e com 'legenda' em inglês: "Qual é o sítio mais seguro? Estão convidados a passar umas férias seguras no Algarve!".

A reação bastante audível e desagradada das autoridades portuguesas merece reações díspares. "Não ajuda nada. Estas coisas não se fazem assim, fazem-se negociando nos bastidores. Tudo o que seja deitar achas para a fogueira não ajuda", diz ao DN Tiago Moreira de Sá, professor da Universidade Nova e especialista em relações internacionais, considerando que as palavras do Executivo foram sobretudo "para consumo interno": "O Governo está a falar para dentro".

"Dizer 'mas vocês estão pior' não é um argumento. O que é preciso fazer é construir uma contranarrativa, que tem que se basear nos indicadores bons que nós temos e nas medidas eficazes que temos que tomar para combater a pandemia", diz o também presidente da Comissão de Relações Internacionais do PSD (mas ressalvando que não fala nessa condição).

O embaixador Francisco Seixas da Costa tem uma perspetiva diferente. "É uma questão muito pública. Não estamos numa área em que as coisas estejam a ser tratadas de forma muito discreta, é uma temática que está a ter uma repercussão diária ao nível da comunicação social em toda a Europa", sublinha, defendendo que "a reação teve a sonoridade pública e a adjetivação necessária para, em primeiro lugar, ter impacto na comunicação social do Reino Unido, no sentido de mostrar o desagrado das autoridades portuguesas". "E acho que teve algum sucesso nesse sentido", acrescenta, sublinhando que "quer as posições do Governo quer a posição do vice-presidente do PSD [Ricardo Baptista Leite, que falou ao programa Good Morning Britain] tiveram repercussão ao nível da comunicação social britânica".

"Há um momento em que é preciso dizer alto e bom som o nosso desagrado"

Agora, o problema entra numa nova fase. "Há um momento em que é preciso dizer alto e bom som o nosso desagrado. Foi dito e, na minha opinião, bem dito. Agora vamos passar à segunda fase. É assim que, muitas vezes, funcionam as coisas em diplomacia. E a segunda fase é tratar isto de forma técnica, com especialistas, com diplomatas a apoiar e tentar reverter a decisão. A partir daqui vamos sentar-nos à mesa e tratar a questão de uma forma racional, de uma forma não emotiva."

Questionado pelo DN sobre os contactos que estão a ser desenvolvidos junto do governo britânico, o ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu que "Portugal mantém os contactos a nível técnico, diplomático e político com o Reino Unido, de modo a procurar transmitir toda a informação necessária a que a decisão das autoridades britânicas possa ser revertida no curto prazo".

"Portugal irá continuar a apresentar dados atualizados sobre a situação epidemiológica do país e a chamar a atenção para o facto de esta não poder ser avaliada com base num só critério ou em critérios vagos", refere o MNE.

"Não podemos ser ingénuos nem fazer como a avestruz"

Na última sexta-feira o Governo britânico publicou a lista de países considerados de baixo risco de contágio de covid-19 - os passageiros que cheguem a território britânico a partir destes países ficam dispensados da quarentena de 14 dias. No caso dos países que não constam da listagem o isolamento durante duas semanas é obrigatório. Com a avaliação centrada num único índice, o número de novos casos por cada 100 mil habitantes registados nos últimos 14 dias - um dado que o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças já considerou arbitrário - Portugal ficou fora dos destinos isentos da quarentena.

Uma decisão que, a manter-se, representará um duro golpe para o setor do turismo, dado que o Reino Unido é nada mais que o maior mercado de origem do turismo português.

De acordo com números do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2019, Portugal recebeu 2,15 milhões de hóspedes britânicos no ano passado, o correspondente a 9,3 milhões de dormidas - deste total quase seis milhões (5,9) foram no Algarve que, com a Madeira, são os destinos preferenciais dos britânicos. Seguem-se, a considerável distância (em dormidas), os alemães e os espanhóis. E isto num contexto em que o número de turistas de fora da Europa (e Portugal vinha registando um aumento significativo por exemplo do mercado norte-americano) deverá cair para números residuais, não só face à situação pandémica em países como os Estados Unidos ou o Brasil, como devido à complexidade que assumem agora os voos de longa distância.

Acresce que os principais mercados concorrentes do Algarve, o principal destino dos ingleses, estão dispensados de quarentena - é o caso de Espanha, Itália, Grécia ou Turquia. Além do confinamento no regresso, o facto de Portugal não constar da lista de destinos seguros (são desaconselhadas visitas não essenciais) tem outro fator dissuasor: os seguros de viagem deixam de assegurar cobertura no território português. Mas o Reino Unido não é caso único: Dinamarca, Grécia, Áustria ou República Checa são outros destinos que impõem restrições relativamente a Portugal.

"Não podemos ser ingénuos. Há e haverá uma competição mundial por mercados, nomeadamente no turístico, uma espécie de lei da selva. Esta dimensão está sempre presente, mas não podemos fazer como a avestruz e achar que isto é só uma decisão injusta. De facto as coisas não correram bem num dado momento do desconfinamento, sobretudo na região de Lisboa. As duas perspetivas são válidas", sublinha Tiago Moreira de Sá.

Seixas da Costa também sublinha que "não vale a pena ter a mais pequena dúvida" que esta é uma questão "permeada por interesses de natureza económica e, em particular, por interesses em matéria de alvos turísticos de que os governos não são manifestamente independentes". Também por isso, diz o diplomata, por ser uma questão com tanta projeção pública nos media e junto dos operadores económicos, faz sentido que o Governo "tenha levantado a voz" contra a exclusão de Portugal da lista de destinos seguros, até porque a decisão pode influenciar turistas de outros países que ponderem férias em Portugal.

Pode uma velha aliança ajudar num novo problema? Nem por isso...

Embora a partir de perspetivas diferentes, num ponto Seixas da Costa e Tiago Moreira de Sá concordam: de nada vale, neste caso, chamar a terreiro a velha aliança luso-britânica, de que se tem ouvido falar bastante nos últimos dias.

"A aliança entre os dois países não é uma coisa de afetos, emocional, teve a ver com interesses"

Para a Inglaterra era fundamental não ter uma Espanha hegemónica na Península Ibérica, não ter uma potência hegemónica que fosse da Europa central ao Atlântico, e para isso era muito importante que Portugal fosse independente. E para Portugal essa aliança também era muito importante, precisamente para evitar ser anexado por Espanha. É uma velha aliança, mas de interesses, nunca teve nada a ver com emoções. Por isso é que resultou tão bem", diz Moreira de Sá. Não será, pois, por este caminho que o problema atual se resolverá.

"Portugal tem é que diversificar os mercados de origem do turismo. E, já agora, não sermos tão dependentes do turismo. Temos olhado para este setor como a galinha dos ovos de ouro, mas as galinhas dos ovos de ouro só existem nas histórias infantis", refere o professor da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.

Seixas da Costa também não vê razões para chamar à liça aquela que é tida como a mais antiga aliança diplomática do mundo, nascida em 1373: "Não acredito e não aceito que coisas que têm a ver com a segurança das pessoas possam ser tratadas à luz de motivações de natureza afetiva, de ligação histórica, de alianças históricas. Para mim está fora de causa invocar a aliança luso-britânica para isso". Mais: "As alianças e a amizade dos povos é um quadro interessante para fazer assentar um diálogo racional, não é um quadro que se substitui a esse diálogo racional. O diálogo tem que ser sereno, calmo, sentados à volta de uma mesa, com números, com estatísticas. É a partir daí que se tomam decisões".

O diálogo tem que ser sereno, calmo, com números, com estatísticas. É a partir daí que se tomam decisões"

No último domingo o Presidente da República também comentou a decisão britânica, precisamente trazendo a lume a histórica relação entre os dois países. "[O Reino Unido] é o nosso aliado mais antigo, as nossas relações são de muitos séculos e há uma coisa que toda a gente sabe: que na vida das pessoas, como na dos países, ora se está no alto ora se está em baixo. E quando se está em baixo precisa-se dos outros. Quando se está no alto - ou quando se pensa que está no alto - às vezes esquecem-se os outros." "Há sempre uma ocasião - é um problema de esperar - em que é preciso a ajuda daqueles que, num determinado momento, se pensou que estariam, para sempre, em baixo", acrescentou o Presidente da República.

E, tal como o Governo, novamente uma comparação: "O Algarve tem números que, comparados com alguns números de países estrangeiros - para não estar a identificar um em particular -, são lisonjeiros para o Algarve."

E pode a exclusão ser uma boa notícia?

Há outra linha de argumentação que vai fazendo o seu caminho: a imposição de uma quarentena a quem chegue ao Reino Unido a partir de Portugal, e o expectável efeito dissuasor que isso terá nos turistas britânicos, pode ser uma boa notícia de saúde pública para Portugal. De acordo com os números divulgados esta segunda-feira, nas 24 horas anteriores foram diagnosticados 352 novos casos de covid-19 e 16 vítimas mortais. E o Reino Unido está agora a dar os maiores passos do desconfinamento: este fim de semana reabriram restaurantes e bares, espaços de culto e outros locais de ajuntamento.

No total o Reino Unido conta 285 768 contágios e 44 236 óbitos.

"Dizer que não queremos cá os ingleses é absurdo", resume Moreira de Sá - "Quer queiramos, quer não, a nossa dependência do turismo inglês é muito grande. ".

Já Seixas da Costa sublinha que "vivemos há meses nesta dualidade: ao abrirmos a economia aceitamos correr alguns riscos por razões de natureza económica". É também neste plano que se enquadra a vinda de turistas ingleses: "É uma decisão para tentar salvar a economia, mesmo correndo alguns riscos em matéria sanitária".

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