Muxicongo: Respostas filosóficas para problemas teológicos (I)

03-10-2020
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“Embora a palavra Trindade não
seja encontrada na Bíblia (nem a palavra encarnação), o ensinamento que ela
descreve é encontrado ali. A doutrina da Trindade estabelece o conceito de que
há três Seres plenamente divinos: Pai, Filho e Espírito Santo, que formam um
Deus. Por sua vez, Ellen White usa o termo “Divindade” que é encontrado em
Romanos 1:20 e Colossenses 2:9. Através dessa palavra ela transmite a mesma ideia
contida no termo Trindade, ou seja, há três Seres viventes na Divindade…”

Gerhard Pfandl

Quando
frequentávamos o Curso de Teologia (ICVC) – do qual haveríamos de desistir,
face à nossa incompatibilidade com os dogmas – quatro conceitos metralhavam a
nossa mente e eram fonte de alguma dicotómica irritabilidade docente/discente: Trindade, Transubstanciação, Embriologia (aborto) e Ressurreição. Daí,
a Filosofia ter sido a nossa nova porta de entrada, sendo que aí a “discussão” pressupunha
uma discorrência lógica, precisamente pelo facto dos temas se interligarem,
abrindo, ao mesmo tempo, perspectivas de uma correlação teológica/filosófica. Foi
no âmbito do aprofundamento das temáticas curriculares leccionadas nas
disciplinas ao longo dos anos lectivos do Curso de Filosofia (UM), que José
Filipe Pereira da Silva, docente de Filosofia Medieval, foi o convidado de um
dos seminários, trazendo-nos à discussão – e/ou debate – um interessante tema
que, muitas vezes, se torna oportuno no tempo presente: «Respostas filosóficas para problemas teológicos». E diremos
interessante dado que, sem dissimulações e pautando-se por uma “clarividência
objectiva”, pondo em realce esses quatro pontos teológicos, mas vistos aos
“olhos” da filosofia.

Ao falarmos de
Trindade, por exemplo, começaremos
pelo conceito aristotélico de substância, cujo sentido lhe vem da forma, sendo
que a forma é, por sua vez, a natureza íntima das coisas. Sendo assim, para o
mesmo filósofo, a forma ou essência do homem é a sua alma, enquanto no animal a
forma ou essência é a alma sensitiva, e a da planta é a alma vegetativa: Substância é: a) o que «não é inerente a
outro nem dele se predica», e portanto é objecto de inerência e predicação; b)
o que «pode substituir por si» ou «separadamente» do resto, ou seja, independentemente;
c) o que é «algo determinado» (e não um universal abstracto), um «tóde ti»; d)
o que tem uma «unidade intrínseca» e não é um mero agregado de partes
organizadas; e) o que é «acto» ou «está em acto» – e não puramente em
potência.

Perante tal
postulado, como se pode chegar ao conceito teológico de Trindade, como três pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito
Santo), mas consubstanciais numa só natureza? Dirão os mais afoitos
aristotélicos que se pode chegar a esta (una) trindade através de uma das suas
categorias, aquela que Aristóteles denominou de “relação”. Por outro lado, ao
colocarmos neste dogmático conceito da Trindade
uma nova teorização de substância, sendo que passamos a denominá-la de
“ultra-substância” (não podemos predicar), formula-se assim os esforços da
teologia para chegar à “revelação” acerca do Deus único e da divindade do Pai,
do Filho e do Espírito Santo que, segundo Prof. Doutor Roque Cabral, tiveram
grande influência na história do pensamento europeu, levando à elaboração de não
poucos conceitos, nomeadamente os de hipóstase, pessoa, essência, processão e
relação. Claramente diferente deste conceito trinitário unificador, é o
conceito de triteísmo que sustenta que em Deus, não há só três pessoas, mas
também três essências, três substâncias e três deuses, ou seja, que equivale a
um monoteísmo trifórmico.

Em consonância
com o que acima referimos passamos à Transubstanciação.
Tendo em conta que para Aristóteles a substância é em certo sentido a forma (eidos, morphé) – significa o que uma
coisa é ela mesma –, outro problema se coloca quando falamos de
transubstanciação, aquilo que para os cristãos, na eucaristia, é a mudança da
substância do pão na substância do corpo e do vinho no sangue de Jesus Cristo.
No fundo, aquilo que se procura explicar é a existência de uma transformação da
substância, mas não dos acidentes (perceptíveis aos sentidos), ou seja, o
sabor, a textura, a forma, a cor, o odor, etc. – aquilo a que podemos
denominar, também, de aparências – permanecem, mas já não são mais pão e vinho
porque assumem a transubstanciação de serem corpo e sangue, respectivamente.
Por isso, para os cristãos, por meio da transubstanciação Cristo está na
“realidade”, verdadeira e substancialmente presente sob as aparências
remanescentes do pão e do vinho. Segundo as grandes linhas
filosóficas/dogmáticas da Igreja Católica Apostólica Romana, a transformação
permanece pelo tempo em que as aparências (acidentes) remanesceram. Mesmo para
aqueles que, à luz da interpretação “filosófica”, emprestam à Eucaristia um
certo canibalismo (referido no mesmo seminário, por interposição de um outro
docente da mesma universidade) e/ou a “confusa” consideração que a presença de
Cristo na Eucaristia é meramente figurativa (hipótese que nós mesmo chegamos a
levantar) – dois erros em que mormente se pode ocorrer –, o conceito de
transubstanciação é, neste caso, e em contraposição aos possíveis erros de
interpretação, acompanhado pela distinção unambígua entre substância, ou
realidade subjacente, e acidente, ou perceptível pela aparência. Segundo o
Professor José Filipe Silva, a mudança da substância (com a sua forma,
qualidade, quantidade, etc.) para o corpo e sangue de Cristo, continua a ser
substância, mas sem acidentes, uma vez que os acidentes não existem por si.
Desta forma, o corpo de Cristo tem que estar todo em qualquer pedaço de uma
hóstia, depois de consagrada, altura em que se dá a transubstanciação. Mesmo quando
partida será indivisível!  

         Segundo a nossa opinião, os temas em debate – Trindade e transubstanciação –, pelas suas correlações situam-se na
fronteira entre a problemática da filosofia da linguagem e a filosofia do
conhecimento. Apesar do seu pendor teológico, ainda hoje se procurar
descortinar até onde vão os limites da vida e se de facto existe uma alma
subsistente ao corpo, que justifique o sentido da própria vida, ou seja, quando
nos afirmamos pelas causas da mente divina ou, simplesmente, das “verdades” da
natureza humana. Na próxima crónica, abordaremos a embriologia (aborto) e a ressurreição.

“Embora a palavra Trindade não
seja encontrada na Bíblia (nem a palavra encarnação), o ensinamento que ela
descreve é encontrado ali. A doutrina da Trindade estabelece o conceito de que
há três Seres plenamente divinos: Pai, Filho e Espírito Santo, que formam um
Deus. Por sua vez, Ellen White usa o termo “Divindade” que é encontrado em
Romanos 1:20 e Colossenses 2:9. Através dessa palavra ela transmite a mesma ideia
contida no termo Trindade, ou seja, há três Seres viventes na Divindade…”

Gerhard Pfandl

Quando
frequentávamos o Curso de Teologia (ICVC) – do qual haveríamos de desistir,
face à nossa incompatibilidade com os dogmas – quatro conceitos metralhavam a
nossa mente e eram fonte de alguma dicotómica irritabilidade docente/discente: Trindade, Transubstanciação, Embriologia (aborto) e Ressurreição. Daí,
a Filosofia ter sido a nossa nova porta de entrada, sendo que aí a “discussão” pressupunha
uma discorrência lógica, precisamente pelo facto dos temas se interligarem,
abrindo, ao mesmo tempo, perspectivas de uma correlação teológica/filosófica. Foi
no âmbito do aprofundamento das temáticas curriculares leccionadas nas
disciplinas ao longo dos anos lectivos do Curso de Filosofia (UM), que José
Filipe Pereira da Silva, docente de Filosofia Medieval, foi o convidado de um
dos seminários, trazendo-nos à discussão – e/ou debate – um interessante tema
que, muitas vezes, se torna oportuno no tempo presente: «Respostas filosóficas para problemas teológicos». E diremos
interessante dado que, sem dissimulações e pautando-se por uma “clarividência
objectiva”, pondo em realce esses quatro pontos teológicos, mas vistos aos
“olhos” da filosofia.

Ao falarmos de
Trindade, por exemplo, começaremos
pelo conceito aristotélico de substância, cujo sentido lhe vem da forma, sendo
que a forma é, por sua vez, a natureza íntima das coisas. Sendo assim, para o
mesmo filósofo, a forma ou essência do homem é a sua alma, enquanto no animal a
forma ou essência é a alma sensitiva, e a da planta é a alma vegetativa: Substância é: a) o que «não é inerente a
outro nem dele se predica», e portanto é objecto de inerência e predicação; b)
o que «pode substituir por si» ou «separadamente» do resto, ou seja, independentemente;
c) o que é «algo determinado» (e não um universal abstracto), um «tóde ti»; d)
o que tem uma «unidade intrínseca» e não é um mero agregado de partes
organizadas; e) o que é «acto» ou «está em acto» – e não puramente em
potência.

Perante tal
postulado, como se pode chegar ao conceito teológico de Trindade, como três pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito
Santo), mas consubstanciais numa só natureza? Dirão os mais afoitos
aristotélicos que se pode chegar a esta (una) trindade através de uma das suas
categorias, aquela que Aristóteles denominou de “relação”. Por outro lado, ao
colocarmos neste dogmático conceito da Trindade
uma nova teorização de substância, sendo que passamos a denominá-la de
“ultra-substância” (não podemos predicar), formula-se assim os esforços da
teologia para chegar à “revelação” acerca do Deus único e da divindade do Pai,
do Filho e do Espírito Santo que, segundo Prof. Doutor Roque Cabral, tiveram
grande influência na história do pensamento europeu, levando à elaboração de não
poucos conceitos, nomeadamente os de hipóstase, pessoa, essência, processão e
relação. Claramente diferente deste conceito trinitário unificador, é o
conceito de triteísmo que sustenta que em Deus, não há só três pessoas, mas
também três essências, três substâncias e três deuses, ou seja, que equivale a
um monoteísmo trifórmico.

Em consonância
com o que acima referimos passamos à Transubstanciação.
Tendo em conta que para Aristóteles a substância é em certo sentido a forma (eidos, morphé) – significa o que uma
coisa é ela mesma –, outro problema se coloca quando falamos de
transubstanciação, aquilo que para os cristãos, na eucaristia, é a mudança da
substância do pão na substância do corpo e do vinho no sangue de Jesus Cristo.
No fundo, aquilo que se procura explicar é a existência de uma transformação da
substância, mas não dos acidentes (perceptíveis aos sentidos), ou seja, o
sabor, a textura, a forma, a cor, o odor, etc. – aquilo a que podemos
denominar, também, de aparências – permanecem, mas já não são mais pão e vinho
porque assumem a transubstanciação de serem corpo e sangue, respectivamente.
Por isso, para os cristãos, por meio da transubstanciação Cristo está na
“realidade”, verdadeira e substancialmente presente sob as aparências
remanescentes do pão e do vinho. Segundo as grandes linhas
filosóficas/dogmáticas da Igreja Católica Apostólica Romana, a transformação
permanece pelo tempo em que as aparências (acidentes) remanesceram. Mesmo para
aqueles que, à luz da interpretação “filosófica”, emprestam à Eucaristia um
certo canibalismo (referido no mesmo seminário, por interposição de um outro
docente da mesma universidade) e/ou a “confusa” consideração que a presença de
Cristo na Eucaristia é meramente figurativa (hipótese que nós mesmo chegamos a
levantar) – dois erros em que mormente se pode ocorrer –, o conceito de
transubstanciação é, neste caso, e em contraposição aos possíveis erros de
interpretação, acompanhado pela distinção unambígua entre substância, ou
realidade subjacente, e acidente, ou perceptível pela aparência. Segundo o
Professor José Filipe Silva, a mudança da substância (com a sua forma,
qualidade, quantidade, etc.) para o corpo e sangue de Cristo, continua a ser
substância, mas sem acidentes, uma vez que os acidentes não existem por si.
Desta forma, o corpo de Cristo tem que estar todo em qualquer pedaço de uma
hóstia, depois de consagrada, altura em que se dá a transubstanciação. Mesmo quando
partida será indivisível!  

         Segundo a nossa opinião, os temas em debate – Trindade e transubstanciação –, pelas suas correlações situam-se na
fronteira entre a problemática da filosofia da linguagem e a filosofia do
conhecimento. Apesar do seu pendor teológico, ainda hoje se procurar
descortinar até onde vão os limites da vida e se de facto existe uma alma
subsistente ao corpo, que justifique o sentido da própria vida, ou seja, quando
nos afirmamos pelas causas da mente divina ou, simplesmente, das “verdades” da
natureza humana. Na próxima crónica, abordaremos a embriologia (aborto) e a ressurreição.

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