Gonçalo Afonso Dias, artes e ofícios

22-06-2020
marcar artigo

Fotografia: Gonçalo Afonso Dias

Luanda, Angola, 07/2012
QUITANDEIRA
A quitanda. Muito sol e a quitandeira à sombra da mulemba. - Laranja, minha senhora, laranjinha boa! A luz brinca na cidade o seu quente jogo de claros e escuros e a vida brinca em corações aflitos o jogo da cabra-cega. A quitandeira que vende fruta vende-se. - Minha senhora laranja, laranjinha boa! Compra laranja doces compra-me também o amargo desta tortura da vida sem vida. Compra-me a infância do espírito este botão de rosa que não abriu princípio impelido ainda para um início. Laranja, minha senhora! Esgotaram-se os sorrisos com que chorava eu já não choro. E aí vão as minhas esperanças como foi o sangue dos meus filhos amassado no pó das estradas enterrado nas roças e o meu suor embebido nos fios de algodão que me cobrem. Como o esforço foi oferecido à segurança das máquinas à beleza das ruas asfaltadas de prédios de vários andares à comodidade de senhores ricos à alegria dispersa por cidades e eu me fui confundindo com os próprios problemas da existência. Aí vão as laranjas como eu me ofereci ao álcool para me anestesiar e me entreguei às religiões para me insensibilizar e me atordoei para viver. Tudo tenho dado. Até mesmo a minha dor e a poesia dos meus seios nus entreguei-as aos poetas. Agora vendo-me eu própria. - Compra laranjas minha senhora! Leva-me para as quitandas da Vida o meu preço é único: - sangue. Talvez vendendo-me eu me possua. - Compra laranjas! (Agostinho Neto)

Fotografia: Gonçalo Afonso Dias

Luanda, Angola, 07/2012
QUITANDEIRA
A quitanda. Muito sol e a quitandeira à sombra da mulemba. - Laranja, minha senhora, laranjinha boa! A luz brinca na cidade o seu quente jogo de claros e escuros e a vida brinca em corações aflitos o jogo da cabra-cega. A quitandeira que vende fruta vende-se. - Minha senhora laranja, laranjinha boa! Compra laranja doces compra-me também o amargo desta tortura da vida sem vida. Compra-me a infância do espírito este botão de rosa que não abriu princípio impelido ainda para um início. Laranja, minha senhora! Esgotaram-se os sorrisos com que chorava eu já não choro. E aí vão as minhas esperanças como foi o sangue dos meus filhos amassado no pó das estradas enterrado nas roças e o meu suor embebido nos fios de algodão que me cobrem. Como o esforço foi oferecido à segurança das máquinas à beleza das ruas asfaltadas de prédios de vários andares à comodidade de senhores ricos à alegria dispersa por cidades e eu me fui confundindo com os próprios problemas da existência. Aí vão as laranjas como eu me ofereci ao álcool para me anestesiar e me entreguei às religiões para me insensibilizar e me atordoei para viver. Tudo tenho dado. Até mesmo a minha dor e a poesia dos meus seios nus entreguei-as aos poetas. Agora vendo-me eu própria. - Compra laranjas minha senhora! Leva-me para as quitandas da Vida o meu preço é único: - sangue. Talvez vendendo-me eu me possua. - Compra laranjas! (Agostinho Neto)

marcar artigo