Esquerda critica metas do défice, direita preocupa-se com crescimento. Reuniões sobre o Orçamento continuam pela noite dentro

06-10-2020
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Défice e desemprego a crescer, crescimento a cair. A contagem decrescente para a entrega do Orçamento do Estado começou esta terça-feira, com o Governo a chamar os partidos para lhes mostrar as linhas-gerais do documento e o cenário macroeconómico que traçou. Mostrados os números, as conclusões foram pouco otimistas: se a direita ficou preocupada com os indícios de queda no crescimento, para a esquerda - que continua sem falar em acordo para aprovar o Orçamento - o obstáculo são as metas do défice.

Primeiro os números. Conforme o Expresso foi apurando à medida que se sucediam as reuniões, segundo o cenário calculado pelo Governo o défice previsto para este ano bate nos 7,5% mas o de 2021 já desce para 4%, voltando a cair em 2022 para 3,5%. Ainda este ano, a economia continuará em queda, num valor da ordem dos 8,5%, e recuperando 5,4% no próximo. A crescer estará o número de desempregados, como era de esperar: o Governo conta com uma percentagem de 8,7% no próximo ano e de 8,2% em 2022, confirmaram ao Expresso fontes presentes nas reuniões.

Conclusões? As reuniões não eram de trabalho - essas continuam ao longo da semana, em encontros entre a esquerda e o Governo com a presença do primeiro-ministro -, pelo que não houve avanços no que toca a acordos propriamente ditos. Mas, confrontados com as previsões do Governo, os partidos deixaram avisos.

Desde logo a esquerda deixou uma preocupação registada: com a situação excecional que se vive e as regras europeias suspensas, “as pressões que existiam em torno da questão do défice não existem neste momento”, sublinhou Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda. Por isso, Portugal não deve ser “temerário”, dando prioridade ao investimento para não “atrasar a recuperação”.

As prioridades que o partido estabelece para o Orçamento mantêm-se, de resto, as mesmas: mexidas nas leis laborais, reforço dos apoios sociais, reforço dos serviços públicos e fim do uso do dinheiro dos contribuintes no Novo Banco. Mas as leituras sobre o decorrer das negociações variam: para Catarina Martins há um impasse, para António Costa caminha-se para uma “boa solução” à esquerda. Os próximos dias o dirão - tal como vão esclarecer a posição do PCP, que por agora mantém um mantra: “Prognósticos só no fim do jogo”. À saída da reunião com o Governo, João Oliveira, líder parlamentar comunista, manteve o suspense e concluiu apenas que, pelo lado do PCP, as propostas que quer ver inscritas no Orçamento estão apresentadas: “Temos o nosso trabalho feito”.

Quanto às previsões do défice, uma certeza: "O critério prioritário é responder aos problemas do país", portanto esse indicador não deve ser "a preocupação do Governo". Por agora o PCP diz-se empenhado em trabalhar em "soluções concretas" para este Orçamento. E é isso que quer continuar a fazer no futuro, sem querer falar de acordos mais alargados ou reedições da geringonça: "Essa questão foi sendo ultrapassada com o passar do tempo. O que é preciso é ir encontrando soluções para os problemas".

Do PAN pareceu haver alguma abertura para viabilizar o Orçamento na generalidade, uma vez que a líder parlamentar, Inês Sousa Real, falou de medidas que podem ser incluídas mais à frente, na fase da especialidade. O diálogo é para continuar, garante o PAN, no contexto de um Orçamento que reconhece como "difícil". Para o partido, através de medidas de combate à fraude fiscal ou à corrupção, será possível compensar financeiramente as suas propostas; resta saber qual a "abertura" do Governo para isso (sendo certo que uma viabilização do Orçamento poderia, matematicamente, ser feita através de uma soma de acordos com a CDU e o PAN, por exemplo).

Direita preocupada com falta de apoio às empresas

À direita, uma preocupação comum: todos os partidos, do PSD ao Chega, viram nas propostas do Governo uma fraca aposta nas empresas e no investimento privado - com uma queda do crescimento como pano de fundo - e a prova de que o Orçamento foi pensado apenas para ser aprovado à esquerda. O deputado Afonso Oliveira resumiu assim a posição do PSD: “Ficámos com a convicção de que há uma preocupação muito mais forte com o sector público do que com o privado”, num Orçamento pouco virado para “a economia e as empresas”. E somou-lhe outra preocupação: o facto de “ainda não ter percebido” se “já está fechada a negociação com Bloco de Esquerda e PCP”. Ou seja, o partido de Rui Rio aproveitou para frisar que, como António Costa tem dito e repetido, as conversas sobre Orçamento estão a ser tidas à esquerda e é a esquerda que tem a responsabilidade por essa aprovação. Isto dias depois de o Presidente da República ter vindo frisar que em último caso Rui Rio deve intervir para salvar o Orçamento - tal como o próprio Marcelo, enquanto líder da oposição, fez com os orçamentos de António Guterres.

Os alertas foram semelhantes um pouco por toda a direita: o CDS falou de um documento que, por ser negociado à esquerda, "dá muito menos importância à iniciativa privada do que à função pública e ao investimento público" e às empresas dedica apenas "medidas cirúrgicas". O Chega, falando do "Orçamento mais vergonhoso da História", desafiou: “Se o PCP e o BE viabilizarem este documento - ou o PAN - não podem voltar a dizer que falta dinheiro para SNS, apoio a trabalhadores, a empresas, proprietários”. E a Iniciativa Liberal considerou que este Orçamento, que “aumenta a despesa sem nada fazer para aumentar a competitividade”, demonstra “o preço elevado que PS está disposto a pagar pelo apoio dos partidos à esquerda”. Resta saber, a seis dias da entrega do documento, se esse apoio se confirma.

Da parte do Governo, as garantias habituais, pós-ameaças de crise política: as negociações estão a correr “com toda a normalidade” e o Executivo está “tranquilo”, garantiu no final dos encontros o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. E quis reforçar uma mensagem: a “preocupação central” do Governo não será a questão do défice, como a esquerda teme. Segundo o governante, a previsão de descida do défice no próximo ano - o Executivo conta com um valor de 7,5% este ano, que cairá para 4% em 2021 - acontecerá sobretudo graças ao crescimento do PIB.

A garantia pode ser uma mensagem relevante para levar às reuniões com os antigos parceiros: à hora de fecho deste texto, uma delegação do PCP reunia com o Governo em mais um encontro de preparação do Orçamento. Segue-se, ainda esta noite, o Bloco de Esquerda. Faltam seis dias para a apresentação do documento no Parlamento e a incógnita mantém-se: servirão estas reuniões finais para desbloquear a aprovação do OE?

Défice e desemprego a crescer, crescimento a cair. A contagem decrescente para a entrega do Orçamento do Estado começou esta terça-feira, com o Governo a chamar os partidos para lhes mostrar as linhas-gerais do documento e o cenário macroeconómico que traçou. Mostrados os números, as conclusões foram pouco otimistas: se a direita ficou preocupada com os indícios de queda no crescimento, para a esquerda - que continua sem falar em acordo para aprovar o Orçamento - o obstáculo são as metas do défice.

Primeiro os números. Conforme o Expresso foi apurando à medida que se sucediam as reuniões, segundo o cenário calculado pelo Governo o défice previsto para este ano bate nos 7,5% mas o de 2021 já desce para 4%, voltando a cair em 2022 para 3,5%. Ainda este ano, a economia continuará em queda, num valor da ordem dos 8,5%, e recuperando 5,4% no próximo. A crescer estará o número de desempregados, como era de esperar: o Governo conta com uma percentagem de 8,7% no próximo ano e de 8,2% em 2022, confirmaram ao Expresso fontes presentes nas reuniões.

Conclusões? As reuniões não eram de trabalho - essas continuam ao longo da semana, em encontros entre a esquerda e o Governo com a presença do primeiro-ministro -, pelo que não houve avanços no que toca a acordos propriamente ditos. Mas, confrontados com as previsões do Governo, os partidos deixaram avisos.

Desde logo a esquerda deixou uma preocupação registada: com a situação excecional que se vive e as regras europeias suspensas, “as pressões que existiam em torno da questão do défice não existem neste momento”, sublinhou Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda. Por isso, Portugal não deve ser “temerário”, dando prioridade ao investimento para não “atrasar a recuperação”.

As prioridades que o partido estabelece para o Orçamento mantêm-se, de resto, as mesmas: mexidas nas leis laborais, reforço dos apoios sociais, reforço dos serviços públicos e fim do uso do dinheiro dos contribuintes no Novo Banco. Mas as leituras sobre o decorrer das negociações variam: para Catarina Martins há um impasse, para António Costa caminha-se para uma “boa solução” à esquerda. Os próximos dias o dirão - tal como vão esclarecer a posição do PCP, que por agora mantém um mantra: “Prognósticos só no fim do jogo”. À saída da reunião com o Governo, João Oliveira, líder parlamentar comunista, manteve o suspense e concluiu apenas que, pelo lado do PCP, as propostas que quer ver inscritas no Orçamento estão apresentadas: “Temos o nosso trabalho feito”.

Quanto às previsões do défice, uma certeza: "O critério prioritário é responder aos problemas do país", portanto esse indicador não deve ser "a preocupação do Governo". Por agora o PCP diz-se empenhado em trabalhar em "soluções concretas" para este Orçamento. E é isso que quer continuar a fazer no futuro, sem querer falar de acordos mais alargados ou reedições da geringonça: "Essa questão foi sendo ultrapassada com o passar do tempo. O que é preciso é ir encontrando soluções para os problemas".

Do PAN pareceu haver alguma abertura para viabilizar o Orçamento na generalidade, uma vez que a líder parlamentar, Inês Sousa Real, falou de medidas que podem ser incluídas mais à frente, na fase da especialidade. O diálogo é para continuar, garante o PAN, no contexto de um Orçamento que reconhece como "difícil". Para o partido, através de medidas de combate à fraude fiscal ou à corrupção, será possível compensar financeiramente as suas propostas; resta saber qual a "abertura" do Governo para isso (sendo certo que uma viabilização do Orçamento poderia, matematicamente, ser feita através de uma soma de acordos com a CDU e o PAN, por exemplo).

Direita preocupada com falta de apoio às empresas

À direita, uma preocupação comum: todos os partidos, do PSD ao Chega, viram nas propostas do Governo uma fraca aposta nas empresas e no investimento privado - com uma queda do crescimento como pano de fundo - e a prova de que o Orçamento foi pensado apenas para ser aprovado à esquerda. O deputado Afonso Oliveira resumiu assim a posição do PSD: “Ficámos com a convicção de que há uma preocupação muito mais forte com o sector público do que com o privado”, num Orçamento pouco virado para “a economia e as empresas”. E somou-lhe outra preocupação: o facto de “ainda não ter percebido” se “já está fechada a negociação com Bloco de Esquerda e PCP”. Ou seja, o partido de Rui Rio aproveitou para frisar que, como António Costa tem dito e repetido, as conversas sobre Orçamento estão a ser tidas à esquerda e é a esquerda que tem a responsabilidade por essa aprovação. Isto dias depois de o Presidente da República ter vindo frisar que em último caso Rui Rio deve intervir para salvar o Orçamento - tal como o próprio Marcelo, enquanto líder da oposição, fez com os orçamentos de António Guterres.

Os alertas foram semelhantes um pouco por toda a direita: o CDS falou de um documento que, por ser negociado à esquerda, "dá muito menos importância à iniciativa privada do que à função pública e ao investimento público" e às empresas dedica apenas "medidas cirúrgicas". O Chega, falando do "Orçamento mais vergonhoso da História", desafiou: “Se o PCP e o BE viabilizarem este documento - ou o PAN - não podem voltar a dizer que falta dinheiro para SNS, apoio a trabalhadores, a empresas, proprietários”. E a Iniciativa Liberal considerou que este Orçamento, que “aumenta a despesa sem nada fazer para aumentar a competitividade”, demonstra “o preço elevado que PS está disposto a pagar pelo apoio dos partidos à esquerda”. Resta saber, a seis dias da entrega do documento, se esse apoio se confirma.

Da parte do Governo, as garantias habituais, pós-ameaças de crise política: as negociações estão a correr “com toda a normalidade” e o Executivo está “tranquilo”, garantiu no final dos encontros o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. E quis reforçar uma mensagem: a “preocupação central” do Governo não será a questão do défice, como a esquerda teme. Segundo o governante, a previsão de descida do défice no próximo ano - o Executivo conta com um valor de 7,5% este ano, que cairá para 4% em 2021 - acontecerá sobretudo graças ao crescimento do PIB.

A garantia pode ser uma mensagem relevante para levar às reuniões com os antigos parceiros: à hora de fecho deste texto, uma delegação do PCP reunia com o Governo em mais um encontro de preparação do Orçamento. Segue-se, ainda esta noite, o Bloco de Esquerda. Faltam seis dias para a apresentação do documento no Parlamento e a incógnita mantém-se: servirão estas reuniões finais para desbloquear a aprovação do OE?

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