Esquerda regressa ao Parlamento. Como fica a geringonça?

06-11-2019
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Era o primeiro embate no Parlamento depois das eleições de 6 de outubro, que ditaram um reequilíbrio das forças que nos últimos quatro anos sustentaram a chamada “geringonça” – com um reforço do PS, uma manutenção do número de deputados do Bloco e um emagrecimento da bancada do PCP. No debate do programa de Governo, houve garantias de parte a parte de que o diálogo é para manter, mas também sinais de que a diplomacia passa para segundo plano nos quatro anos que aí vêm.

António Costa começou o dia a fazer contas às cabeças que tinha à sua frente e à respetiva cor política de cada um dos deputados. “A direita, toda junta, desde o PSD ao Chega!, só poderá derrotar o PS se conseguir somar aos seus votos os votos do PAN e de toda a esquerda”, evidenciou o primeiro-ministro, logo na abertura do primeiro dia de um longo debate. A aritmética parlamentar surgiu numa resposta ao PSD, mas o recado mereceria resposta do outro lado do hemiciclo.

Costa ainda acrescentaria que “o dever de promover o diálogo e o compromisso cabe a quem ganha as eleições” e, por isso, essa será a “postura” com que os socialistas se apresentam a trabalhos nesta legislatura. Mas esse “espírito de encontrar soluções”, espera o primeiro-ministro, deve estender-se às bancadas dos partidos com o que o PS assinou um acordo em 2015 e que, por recusa dos socialistas, não se renova em 2019 com o Bloco de Esquerda – o único dos três parceiros que mostrou abertura para essa reedição.

Na primeira tomada ao pulso dos “ex-geringonços”, Bloco e PCP disseram “presente” a entendimentos pontuais, mas recusaram ficar encostados a uma contabilidade que os obrigue a passar carta branca às propostas do PS.

Bloco avisa: “C ooperação não é submissão”

Pedro Filipe Soares só falou na sessão da tarde, já depois de Catarina Martins reconhecer os “sinais” do PS de abertura à negociação, mas assinalando que se o acordo de 2015 morreu foi porque António Costa assim quis. O líder parlamentar foi direto ao assunto da manhã ao dizer que o “tom de ameaça” que vem com o argumento da eventual falta de estabilidade político “não é um bom caminho” para garantir essa estabilidade. “Deviam era fazer as coisas certas para que essas contas nunca fossem feitas”, sugeriu Pedro Filipe Soares.

Os “sinais” identificados por Catarina Martins, e que abrem a porta ao diálogo já no Orçamento do Estado, são consequência das alterações cirúrgicas que o PS fez no seu programa eleitoral e que decidiu incluir no programa de Governo. É o caso da retórica de combate à precariedade no setor laboral, do fechar da porta às PPP na Saúde e, no Ambiente, da renegociação dos caudais do Tejo e do anúncio de antecipação do encerramento das centrais termoelétricas do Pego e de Sines.

São sinais, mas não passam disso mesmo. Daí que a líder do Bloco tenha lançado a “pergunta da legislatura” ao primeiro-ministro: “O PS e o Governo estão dispostos a essa negociação?” A interpelação direta a António Costa não deixa esconder o modo (cético) com que o Bloco olha para a manifestação de vontade dos socialistas em continuar a negociar com aqueles que foram os seus parceiros ao longo dos próximos quatro anos. Senão, veja-se a tirada do líder parlamentar do Bloco, quando disse que “pescar à linha pode servir de sinal de abertura, mas nesse engano ninguém devia cair”.

Outra das notas em que o primeiro-ministro tem insistido, e que recuperou no debate desta quarta-feira, é a de que “os portugueses gostaram” da geringonça e querem que cada um dos partidos continue na mesma linha que os trouxe de 2015 até aqui. Nesse braço-de-ferro em que o PS sai reforçado pelo resultado de 6 de outubro, Pedro Filipe Soares não recua e avisa que “cooperação não é submissão” e que “negociar é dialogar”.

PCP: mais geringonça sem geringonça. Ou a “luta”

Jerónimo de Sousa ouviu, registou, mas preferiu apontar baterias ao programa do Governo – que definiu como “vago e abrangente, elaborado para o PS não se comprometer em concreto com áreas políticas” determinantes para o PCP. O combate político e a definição de posições ficou para o líder da bancada parlamentar comunista. “É um mau prenúncio que o Governo parta já do princípio de que as suas propostas poderão suscitar a necessidade de derrota com tal aritmética”, arrancou João Oliveira.

Por todas as razões, o PCP está numa posição distinta do Bloco de Esquerda naquilo que é a sua relação com os socialistas. Primeiro, porque sofreu mais com a experiência da geringonça que o seu vizinho parlamentar – o Bloco perdeu quase 60 mil votos entre 2015 e 2019, mas manteve os 19 deputados. Segundo, porque foi o PCP o primeiro a roer a corda da geringonça, ao recusar novo acordo escrito e, com isso, dando argumentos ao PS para dizer que, em nome da igualdade de tratamento com os ex-parceiros, não assinaria qualquer acordo de princípio com o Bloco de Esquerda. Mas em que é que isso se traduz na forma como os comunistas se apresentam nesta nova fase da política nacional?

Se Jerónimo de Sousa apontou àquilo que lê como fragilidades do programa do Governo, João Oliveira encontra já na retórica de António Costa a preparação dos argumentos para dias mais negros. As contas que o primeiro-ministro faz ao Parlamento dão sinal – outro tipo de sinal – de que “o Governo conta, à partida, com essa aritmética para algum desfecho ou objetivo tremendista”. Da parte do PCP, a linha está traçada: essa soma de lugares até à maioria de 116 votos só falhará, do lado dos comunistas, quando o PS “falhe o objetivo e convirja com o resultado pretendido pelos partidos à direita do PS”.

Enquanto estiver sentado à mesa com o PCP para falar sobre valorização de rendimentos e reforço dos direitos no plano laboral, João Oliveira dirá presente. Quando a opção for a contrária, também fica claro que aquele que é o partido com ligação mais enraizada ao sindicalismo voltará à “luta”. Nada de novo, aí. “Acontecerá com este Governo como com todos” os que lhe antecederam. “A experiência da última legislatura demonstra que opções erradas ou insuficientes podem sempre ser superadas com iniciativa política e desenvolvimento da luta”, avisa o líder parlamentar do PCP.

PS no seu lugar natural

Todo o discurso de António Costa foi no mesmo sentido. Apesar de ter recusado compromissos no horizonte da legislatura no pós-eleições, reclamou para si a paternidade da solução de 2015 e o “fim do conceito anacrónico” de arco da governação, retirou os “partidos da esquerda da comodidade de serem partidos de protesto” e confrontou-os com “a possibilidade de contribuírem positivamente” para soluções de Governo e mantém-se exatamente no mesmo ponto em que estava há quatro anos: “Aquilo que digo hoje não é diferente” do que dizia antes do nascimento da geringonça”, porque “não é por termos encolhido o PSD que nos desviámos para a direita”. Ou seja, “não temos equívocos sobre o nosso lugar, o nosso lugar é onde nascemos, na esquerda democrática portuguesa”.

Porfírio Silva, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, veio reforçar a ideia de que a agulha negocial do PS continua virada para a esquerda parlamentar. Os deputados socialistas, disse, “honrarão as responsabilidades de assumir e fazer frutificar o património de quatro anos de esquerda plural”.

Era o primeiro embate no Parlamento depois das eleições de 6 de outubro, que ditaram um reequilíbrio das forças que nos últimos quatro anos sustentaram a chamada “geringonça” – com um reforço do PS, uma manutenção do número de deputados do Bloco e um emagrecimento da bancada do PCP. No debate do programa de Governo, houve garantias de parte a parte de que o diálogo é para manter, mas também sinais de que a diplomacia passa para segundo plano nos quatro anos que aí vêm.

António Costa começou o dia a fazer contas às cabeças que tinha à sua frente e à respetiva cor política de cada um dos deputados. “A direita, toda junta, desde o PSD ao Chega!, só poderá derrotar o PS se conseguir somar aos seus votos os votos do PAN e de toda a esquerda”, evidenciou o primeiro-ministro, logo na abertura do primeiro dia de um longo debate. A aritmética parlamentar surgiu numa resposta ao PSD, mas o recado mereceria resposta do outro lado do hemiciclo.

Costa ainda acrescentaria que “o dever de promover o diálogo e o compromisso cabe a quem ganha as eleições” e, por isso, essa será a “postura” com que os socialistas se apresentam a trabalhos nesta legislatura. Mas esse “espírito de encontrar soluções”, espera o primeiro-ministro, deve estender-se às bancadas dos partidos com o que o PS assinou um acordo em 2015 e que, por recusa dos socialistas, não se renova em 2019 com o Bloco de Esquerda – o único dos três parceiros que mostrou abertura para essa reedição.

Na primeira tomada ao pulso dos “ex-geringonços”, Bloco e PCP disseram “presente” a entendimentos pontuais, mas recusaram ficar encostados a uma contabilidade que os obrigue a passar carta branca às propostas do PS.

Bloco avisa: “C ooperação não é submissão”

Pedro Filipe Soares só falou na sessão da tarde, já depois de Catarina Martins reconhecer os “sinais” do PS de abertura à negociação, mas assinalando que se o acordo de 2015 morreu foi porque António Costa assim quis. O líder parlamentar foi direto ao assunto da manhã ao dizer que o “tom de ameaça” que vem com o argumento da eventual falta de estabilidade político “não é um bom caminho” para garantir essa estabilidade. “Deviam era fazer as coisas certas para que essas contas nunca fossem feitas”, sugeriu Pedro Filipe Soares.

Os “sinais” identificados por Catarina Martins, e que abrem a porta ao diálogo já no Orçamento do Estado, são consequência das alterações cirúrgicas que o PS fez no seu programa eleitoral e que decidiu incluir no programa de Governo. É o caso da retórica de combate à precariedade no setor laboral, do fechar da porta às PPP na Saúde e, no Ambiente, da renegociação dos caudais do Tejo e do anúncio de antecipação do encerramento das centrais termoelétricas do Pego e de Sines.

São sinais, mas não passam disso mesmo. Daí que a líder do Bloco tenha lançado a “pergunta da legislatura” ao primeiro-ministro: “O PS e o Governo estão dispostos a essa negociação?” A interpelação direta a António Costa não deixa esconder o modo (cético) com que o Bloco olha para a manifestação de vontade dos socialistas em continuar a negociar com aqueles que foram os seus parceiros ao longo dos próximos quatro anos. Senão, veja-se a tirada do líder parlamentar do Bloco, quando disse que “pescar à linha pode servir de sinal de abertura, mas nesse engano ninguém devia cair”.

Outra das notas em que o primeiro-ministro tem insistido, e que recuperou no debate desta quarta-feira, é a de que “os portugueses gostaram” da geringonça e querem que cada um dos partidos continue na mesma linha que os trouxe de 2015 até aqui. Nesse braço-de-ferro em que o PS sai reforçado pelo resultado de 6 de outubro, Pedro Filipe Soares não recua e avisa que “cooperação não é submissão” e que “negociar é dialogar”.

PCP: mais geringonça sem geringonça. Ou a “luta”

Jerónimo de Sousa ouviu, registou, mas preferiu apontar baterias ao programa do Governo – que definiu como “vago e abrangente, elaborado para o PS não se comprometer em concreto com áreas políticas” determinantes para o PCP. O combate político e a definição de posições ficou para o líder da bancada parlamentar comunista. “É um mau prenúncio que o Governo parta já do princípio de que as suas propostas poderão suscitar a necessidade de derrota com tal aritmética”, arrancou João Oliveira.

Por todas as razões, o PCP está numa posição distinta do Bloco de Esquerda naquilo que é a sua relação com os socialistas. Primeiro, porque sofreu mais com a experiência da geringonça que o seu vizinho parlamentar – o Bloco perdeu quase 60 mil votos entre 2015 e 2019, mas manteve os 19 deputados. Segundo, porque foi o PCP o primeiro a roer a corda da geringonça, ao recusar novo acordo escrito e, com isso, dando argumentos ao PS para dizer que, em nome da igualdade de tratamento com os ex-parceiros, não assinaria qualquer acordo de princípio com o Bloco de Esquerda. Mas em que é que isso se traduz na forma como os comunistas se apresentam nesta nova fase da política nacional?

Se Jerónimo de Sousa apontou àquilo que lê como fragilidades do programa do Governo, João Oliveira encontra já na retórica de António Costa a preparação dos argumentos para dias mais negros. As contas que o primeiro-ministro faz ao Parlamento dão sinal – outro tipo de sinal – de que “o Governo conta, à partida, com essa aritmética para algum desfecho ou objetivo tremendista”. Da parte do PCP, a linha está traçada: essa soma de lugares até à maioria de 116 votos só falhará, do lado dos comunistas, quando o PS “falhe o objetivo e convirja com o resultado pretendido pelos partidos à direita do PS”.

Enquanto estiver sentado à mesa com o PCP para falar sobre valorização de rendimentos e reforço dos direitos no plano laboral, João Oliveira dirá presente. Quando a opção for a contrária, também fica claro que aquele que é o partido com ligação mais enraizada ao sindicalismo voltará à “luta”. Nada de novo, aí. “Acontecerá com este Governo como com todos” os que lhe antecederam. “A experiência da última legislatura demonstra que opções erradas ou insuficientes podem sempre ser superadas com iniciativa política e desenvolvimento da luta”, avisa o líder parlamentar do PCP.

PS no seu lugar natural

Todo o discurso de António Costa foi no mesmo sentido. Apesar de ter recusado compromissos no horizonte da legislatura no pós-eleições, reclamou para si a paternidade da solução de 2015 e o “fim do conceito anacrónico” de arco da governação, retirou os “partidos da esquerda da comodidade de serem partidos de protesto” e confrontou-os com “a possibilidade de contribuírem positivamente” para soluções de Governo e mantém-se exatamente no mesmo ponto em que estava há quatro anos: “Aquilo que digo hoje não é diferente” do que dizia antes do nascimento da geringonça”, porque “não é por termos encolhido o PSD que nos desviámos para a direita”. Ou seja, “não temos equívocos sobre o nosso lugar, o nosso lugar é onde nascemos, na esquerda democrática portuguesa”.

Porfírio Silva, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, veio reforçar a ideia de que a agulha negocial do PS continua virada para a esquerda parlamentar. Os deputados socialistas, disse, “honrarão as responsabilidades de assumir e fazer frutificar o património de quatro anos de esquerda plural”.

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