Câmara Corporativa: Entrevista de Augusto Santos Silva à edição de ontem do Público [2]

03-01-2020
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Extractos da entrevista:- Mas essas revisões foram sendo feitas porque os objectivos iniciais falharam, principalmente ao nível do défice. Ou seja, a austeridade não era suficiente para cumprir essas metas. - Quer Bruxelas, quer Washington, quer Frankfurt, os três parceiros da troika, e o seu procônsul em Portugal, Vítor Gaspar, e o tutelado do procônsul, Passos Coelho, à medida que foram verificando que a vacina não funcionava, em vez de mudar de terapêutica, agravaram a mesma vacina. - O Governo tinha soberania para alterar a terapêutica? - Claro. Deviam ter feito isso. Quer as autoridades portuguesas, quer o FMI, a Comissão Europeia e o BCE deviam ter feito isso. Desde o princípio se percebeu que aquilo nem sequer conseguia resolver o problema do défice. Instituições inteligentes, políticos realistas que não fossem movidos pelo preconceito ideológico ou pela crença mágica, teriam mudado o mix de medidas. - Mas não estaria Portugal numa situação tão difícil que seria improvável outro desfecho? - Posso ser acusado de usar língua de pau, mas não tenho outra resposta em Dezembro de 2013 a dar a essa pergunta da que dei em Março de 2011: a única maneira de evitar o resgate era ir pelo caminho, que aliás a Espanha seguiu, que a Itália seguiu e que outros países estão a seguir, como agora a Eslovénia, que era o caminho de procurar apoio europeu para a consolidação orçamental necessária sem nos colocarmos nas mãos da troika. Esse caminho era o PEC IV. - Era um programa cautelar, ao fim e ao cabo? - Era o PEC IV. Ao fim de dois anos e meio perdidos, nós estamos a tentar chegar a uma coisa que será parecida com o PEC IV. Mas perdemos dois anos e meio e pusemos aí 300 mil pessoas no desemprego e aí 100 mil jovens a sair todos os anos do país. Não há hoje uma família que não tenha próxima gente que se licenciou, que se doutorou, do mais qualificado que o país produziu até agora, e que anda a beneficiar, com a formação que nos pagámos, países como a Suíça, a Áustria, a Alemanha, a Austrália, por aí fora. Qualquer que seja o desenlace, esta responsabilidade tem de ser assumida. E agora, que temos de pensar no que há-de ser o futuro próximo, lidamos com três possibilidades: uma que será repetir o programa em dose acrescida, um segundo resgate, que seria absolutamente a loucura - e prevejo que, seja qual for a taxa de juro que Portugal tenha em Maio de 2014, ninguém se atreverá na Europa a impor um segundo resgate -, a segunda possibilidade é um programa cautelar e a terceira uma saída directa para os mercados. - Mas acredita que Portugal pode ter uma "saída limpa", como dizem os irlandeses? - Eu não sei. O que diria é que, com taxas de juro de 6%, como as de hoje, seria suicida Portugal ir directamente aos mercados. Nós pagamos hoje, em média, 3,5% de juro sobre o empréstimo de 78 mil milhões de euros, e há uma diferença considerável de 2,5%, que significa muitas dezenas de milhões de euros em jogo. Eu acho razoável que o país pense assim: há um programa que termina e há um futuro que pode ser construído. Agora o que eu entendo é que, para se pensar o futuro, não podemos aceitar novas exigências da troika nem poderemos limpar a responsabilidade de quem fez do programa de resgate o seu próprio programa: Passos Coelho e Paulo Portas. Por isso é que eu acho que a lógica das coisas pediria que, a haver um programa cautelar, fosse um novo Governo a negociá-lo. - Porquê? - Eu não acredito que os procônsules da troika em Portugal estejam em condições de negociar com as autoridades europeias outra coisa que não seja a repetição da receita da troika. Não acredito. Não acredito na capacidade política de Passos Coelho para defender os interesses dos portugueses. Não acredito mesmo nada na competência política do seu ministro dos Negócios Estrangeiros para conduzir uma política europeia. Não acredito na competência e na credibilidade da sua ministra das Finanças, que é um avatar de Vítor Gaspar. Não acredito no seu vice-primeiro-ministro, que se demitiu irrevogavelmente quatro meses antes e que é o responsável número 1 pelos problemas que Portugal teve ao longo do segundo semestre de 2013.


Extractos da entrevista:- Mas essas revisões foram sendo feitas porque os objectivos iniciais falharam, principalmente ao nível do défice. Ou seja, a austeridade não era suficiente para cumprir essas metas. - Quer Bruxelas, quer Washington, quer Frankfurt, os três parceiros da troika, e o seu procônsul em Portugal, Vítor Gaspar, e o tutelado do procônsul, Passos Coelho, à medida que foram verificando que a vacina não funcionava, em vez de mudar de terapêutica, agravaram a mesma vacina. - O Governo tinha soberania para alterar a terapêutica? - Claro. Deviam ter feito isso. Quer as autoridades portuguesas, quer o FMI, a Comissão Europeia e o BCE deviam ter feito isso. Desde o princípio se percebeu que aquilo nem sequer conseguia resolver o problema do défice. Instituições inteligentes, políticos realistas que não fossem movidos pelo preconceito ideológico ou pela crença mágica, teriam mudado o mix de medidas. - Mas não estaria Portugal numa situação tão difícil que seria improvável outro desfecho? - Posso ser acusado de usar língua de pau, mas não tenho outra resposta em Dezembro de 2013 a dar a essa pergunta da que dei em Março de 2011: a única maneira de evitar o resgate era ir pelo caminho, que aliás a Espanha seguiu, que a Itália seguiu e que outros países estão a seguir, como agora a Eslovénia, que era o caminho de procurar apoio europeu para a consolidação orçamental necessária sem nos colocarmos nas mãos da troika. Esse caminho era o PEC IV. - Era um programa cautelar, ao fim e ao cabo? - Era o PEC IV. Ao fim de dois anos e meio perdidos, nós estamos a tentar chegar a uma coisa que será parecida com o PEC IV. Mas perdemos dois anos e meio e pusemos aí 300 mil pessoas no desemprego e aí 100 mil jovens a sair todos os anos do país. Não há hoje uma família que não tenha próxima gente que se licenciou, que se doutorou, do mais qualificado que o país produziu até agora, e que anda a beneficiar, com a formação que nos pagámos, países como a Suíça, a Áustria, a Alemanha, a Austrália, por aí fora. Qualquer que seja o desenlace, esta responsabilidade tem de ser assumida. E agora, que temos de pensar no que há-de ser o futuro próximo, lidamos com três possibilidades: uma que será repetir o programa em dose acrescida, um segundo resgate, que seria absolutamente a loucura - e prevejo que, seja qual for a taxa de juro que Portugal tenha em Maio de 2014, ninguém se atreverá na Europa a impor um segundo resgate -, a segunda possibilidade é um programa cautelar e a terceira uma saída directa para os mercados. - Mas acredita que Portugal pode ter uma "saída limpa", como dizem os irlandeses? - Eu não sei. O que diria é que, com taxas de juro de 6%, como as de hoje, seria suicida Portugal ir directamente aos mercados. Nós pagamos hoje, em média, 3,5% de juro sobre o empréstimo de 78 mil milhões de euros, e há uma diferença considerável de 2,5%, que significa muitas dezenas de milhões de euros em jogo. Eu acho razoável que o país pense assim: há um programa que termina e há um futuro que pode ser construído. Agora o que eu entendo é que, para se pensar o futuro, não podemos aceitar novas exigências da troika nem poderemos limpar a responsabilidade de quem fez do programa de resgate o seu próprio programa: Passos Coelho e Paulo Portas. Por isso é que eu acho que a lógica das coisas pediria que, a haver um programa cautelar, fosse um novo Governo a negociá-lo. - Porquê? - Eu não acredito que os procônsules da troika em Portugal estejam em condições de negociar com as autoridades europeias outra coisa que não seja a repetição da receita da troika. Não acredito. Não acredito na capacidade política de Passos Coelho para defender os interesses dos portugueses. Não acredito mesmo nada na competência política do seu ministro dos Negócios Estrangeiros para conduzir uma política europeia. Não acredito na competência e na credibilidade da sua ministra das Finanças, que é um avatar de Vítor Gaspar. Não acredito no seu vice-primeiro-ministro, que se demitiu irrevogavelmente quatro meses antes e que é o responsável número 1 pelos problemas que Portugal teve ao longo do segundo semestre de 2013.

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